Covas mente sobre quantidade de orgânicos na merenda escolar
A Prefeitura de São Paulo distorceu informações sobre a presença de alimentos orgânicos na rede pública de ensino. No último dia 17, a Coordenadoria de Alimentação Escolar da Secretaria Municipal da Educação publicou um texto com a seguinte manchete: “Escolas Municipais têm 41% da merenda formada por produtos orgânicos e provenientes da agricultura familiar”.
A notícia chegou a ser replicada em vários veículos de comunicação, como UOL, IstoÉ, Agência Brasil e Correio do Brasil.
Abaixo, vinha a informação de que “Número ultrapassa mínimo previsto em lei no fornecimento de produtos dos gêneros”. O primeiro parágrafo manteve essa construção, confundindo agricultura familiar com produção orgânica. São conceitos diferentes, regidos por leis diferentes. Enquanto o primeiro é regulado por uma legislação federal, o segundo diz respeito a uma regra municipal, no caso da cidade de São Paulo. O percentual de aquisição de orgânicos fica bem abaixo do número divulgado pela prefeitura: em 2018, foi inferior a 5%.
“Por meio da Coordenadoria de Alimentação Escolar (Codae), todos os meses são compradas 287 toneladas de arroz e legumes, 34.104 unidades de banana e 7,5 litros de suco de uva orgânico. Esse número representa 41% do total de alimentos consumidos na rede de ensino municipal. Os números são superiores a 2018, quando 33,19% do consumido pela rede era composto de produtos orgânicos e provenientes da agricultura familiar.”
Os alimentos citados realmente são encontrados na lista de aquisições da agricultura familiar como produtos orgânicos, só que no ano de 2018. Em 2019, até o dia 25 de maio, os únicos alimentos orgânicos comprados pela Coordenadoria foram suco de uva e doce de banana, de acordo com os Contratos de Aquisição disponíveis online.
E ainda: “Comprometida em oferecer uma alimentação saudável, com qualidade e variedade aos alunos da rede municipal de ensino, a Secretaria Municipal de Educação investe fortemente na compra de alimentos orgânicos nos cardápios de suas escolas.”
Conforme é possível constatar no decorrer do texto, a manchete faz referência ao cumprimento (e superação) da medida proposta pela Lei Federal nº 11.947/2009, que prevê que estados e municípios da federação destinem 30% dos recursos repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), através do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), para a compra direta da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural.
Entretanto, ao contrário do sugerido, o texto original da lei federal não se refere ao uso de alimentos orgânicos, como é possível comprovar pela leitura do artigo 14 da legislação citada.
“Art. 14. Do total dos recursos financeiros repassados pelo FNDE, no âmbito do PNAE, no mínimo 30% (trinta por cento) deverão ser utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas.”
Ao analisar os documentos disponíveis na página da secretaria, pode-se verificar que até o último mês foram gastos R$ 8.086.500,66 com alimentos da agricultura familiar, sendo R$ 1.499.540,66 de orgânicos (18,5%). Na reportagem, consta que até abril de 2019 a secretaria havia gasto R$ 6,11 milhões na compra de alimentos “dessa natureza”, mais uma vez suscitando incertezas sobre a separação entre agricultura familiar e orgânicos.
“Em 2018, foram repassados R$ 95 milhões pelo Governo Federal e a Secretaria Municipal de Educação utilizou 41% desses recursos (R$ 39,5 milhões) na compra de alimentos orgânicos e provenientes da agricultura familiar. Até abril deste ano, a Secretaria da Educação investiu R$ 6,11 milhões na compra de alimentos dessa natureza.”
Mais uma vez, a publicação confunde o leitor, uma vez que afirma que os tais 41% dizem respeito à compra de 2018, e não mais de 2019, conforme havia sugerido inicialmente.
A partir da observação dos contratos de aquisição de 2018, confirma-se a compra de 33,19% de alimentos provenientes da agricultura familiar. Os orgânicos, todavia, não chegaram a um terço dos produtos adquiridos no ano que se passou.
Outra informação equivocada é que os alimentos orgânicos provêm exclusivamente de produtores da cidade de São Paulo (vide próxima citação), o que pode ser facilmente desmentido pela análise dos mesmos contratos de aquisição. O suco de uva integral, por exemplo, vem de Flores da Cunha/RS, e o doce de banana, de Sete Barras/SP.
“O cardápio das escolas da rede municipal de ensino conta com itens orgânicos, como banana (nanica e prata) fornecida desde 2017, arroz orgânico longo fino (a partir de 2013), suco de uva integral (desde 2018) e hortaliças como alface, escarola, couve, repolho, salsa e cebolinha, desde o ano passado. Todos os alimentos são adquiridos de produtores na cidade de São Paulo.”
No fim das contas, o mais curioso em relação ao texto publicado pela Assessoria de Comunicação da Codae é a falta de referência à Lei Municipal nº 16.140/2015, que obriga a inclusão gradual de alimentos orgânicos ou de base agroecológica na alimentação escolar do município de São Paulo (abaixo).
Segundo decreto de 2016, até 2026 a alimentação escolar municipal deve ser composta em 100% por alimentos de origem orgânica. No último ano, a meta da Codae era de que 5% dos recursos provenientes do PNAE e do orçamento municipal fossem utilizados para a compra de produtos orgânicos. A meta quase foi atingida, chegando a 4,54%.
“Art. 10. A implantação desta lei será feita de forma gradativa, de acordo com Plano de Introdução Progressiva de Alimentos Orgânicos ou de Base Agroecológica na Alimentação Escolar a ser elaborado pelo Executivo Municipal, em conjunto com a sociedade civil organizada, definindo estratégias e metas progressivas até que todas as unidades escolares da Rede Municipal de Ensino forneçam alimentos orgânicos ou de base agroecológica aos seus alunos.”
Com a análise simples dos dados públicos da Codae é possível verificar que o mínimo de 30% de alimentos da agricultura familiar, disposto na lei federal de 2009, foi cumprido até o último ano, bem como a meta de 2018 para a inclusão de orgânicos na rede pública do município quase foi atingida.
Quanto a 2019, conforme também verificamos por avaliação das informações públicas disponíveis no site Coordenadoria, parece bastante cedo para fixar números. Até o fechamento dessa reportagem, por exemplo, o FNDE havia repassado mais de R$ 60 milhões para o município através do PNAE. De acordo com as informações do site da Codae, até o final de maio foram gastos R$ 8 milhões com alimentos da agricultura familiar, bastante aquém dos 30% fixados por lei.
A assessoria de imprensa da Codae foi procurada há duas semanas para que esclarecesse as afirmações publicadas na página da internet, mas não se pronunciou.