Enquanto Bolsonaro não tem base de sustentação no Congresso, deputados e senadores governam
João Domingos
Observa-se hoje na relação entre os poderes Executivo e Legislativo uma inversão do que ocorreu no Brasil desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, quando o Palácio do Planalto impôs sua supremacia sobre o Congresso, tornando-o quase que só um carimbador das iniciativas do governo. Iniciativas estas tomadas a partir da edição de medidas provisórias, projetos de lei e até de emendas constitucionais, como as que levaram a reformas que mudaram a ordem econômica, permitindo a privatização do sistema Telebrás e o fim do monopólio de pesquisa, lavra e refino de petróleo pela Petrobrás. Sem falar na que permitiu a reeleição de presidente da República, governadores e prefeitos.
No governo de Lula não foi diferente. Ele fez o que quis no Congresso. Nem a CPI dos Correios, que em 2005 desvendou o esquema de compra de partidos (escândalo do mensalão) pelo governo petista, o perturbou. Ante a pressão política, Lula ampliou sua base de apoio com partidos de centro-direita, distribuindo ministérios, e se manteve soberano. Já o governo de Dilma Rousseff começou com uma base de sustentação com mais partidos do que a de Lula, pois incorporou o PRB ao Ministério, mas os erros da então presidente foram tantos que ela perdeu tudo, até o mandato, tirado dela por um processo de impeachment aprovado por velhos aliados. Com Michel Temer, o vice que substituiu Dilma, não foi diferente. Aprovou reformas como a trabalhista, e só não avançou na da Previdência porque teve de usar seu capital político para se livrar de suas ações penais pedidas pela Procuradoria-Geral da República.
O presidente Jair Bolsonaro optou por não montar uma base de sustentação no Congresso, sob o argumento de que não negociaria seu governo com os partidos políticos. Cumpriu a palavra. Bolsonaro costuma dizer que as negociações políticas levam à corrupção. Não se pode dizer que essa é uma regra geral. É possível fazer boa política e bons acordos, tudo no chamado espírito republicano. Mas esse é um argumento que não convence o presidente. Quem tem a caneta é ele. Então, que seja assim.
O fato é que, se Bolsonaro não tem articuladores políticos, deputados e senadores estão fazendo política como há tempos não faziam. Nesse espírito, são eles que impõem a agenda de trabalho, uma agenda que busca ser positiva para o País, como as reformas da Previdência e tributária, a primeira já em fase adiantada, mas do jeito que o Congresso quer, e não do jeito que o governo queria, a segunda sem esperar por Bolsonaro.
Hoje os congressistas fazem política de tal modo e com tal rapidez que nós antigos e difíceis de desatar têm sido desatados em tempo muito rápido. Como ocorreu na quarta-feira, quando a Câmara aprovou por votação unânime ou esmagadoramente a favor, duas emendas constitucionais que aumentam muito a força do Legislativo e tiram poder do Executivo.
Uma das emendas, conhecida por emenda do Orçamento impositivo, torna obrigatória a liberação do dinheiro de emendas ao Orçamento apresentadas por bancadas dos Estados e do Distrito Federal. Na prática, tira do Executivo um forte instrumento de barganha, no velho estilo “libero o dinheiro e você vota a meu favor”. A outra muda a forma de tramitação das medidas provisórias, o que também retira poder do presidente da República. O tempo para uma MP caducar agora será mais breve.
Há de se destacar que as duas emendas constitucionais foram aprovadas em poucas horas, com acordo para se pular o interstício que se dá entre a votação do primeiro para o segundo turno. Aprovar duas emendas constitucionais num mesmo dia, e em dois turnos, é algo nunca visto no Congresso.
Do Estadão