Governo tirou do ar portal que reunia pesquisas e dados oficiais sobre o uso de drogas no Brasil
Criado em 2002 e considerado o único banco de dados oficiais sobre drogas no país, o portal Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas(Obid) está fora do ar há seis meses, quando foi transferido do guarda-chuva do Ministério da Justiça para a pasta da Cidadania.
O portal ainda tem sua descrição guardada no histórico do site do Ministério da Justiça. Lá, o portal Obid é descrito como “responsável por gerir e disseminar informações confiáveis e científicas sobre drogas” e como “um canal de armazenamento de dados sobre drogas, incluindo pesquisas realizadas pela Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas), estatísticas e indicadores”.
O Ministério da Cidadania informou que o Obid passou ao escopo da pasta de Osmar Terra por meio de decreto assinado no dia 2 de janeiro. O órgão, no entanto, não disse quando o portal foi tirado do ar. Usando a ferramenta Way Back Machine, banco de dados digital que arquiva mais de 475 bilhões de páginas da web, o GLOBO apurou que a última movimentação na página do Obid se deu no dia 8 de janeiro.
Em resposta à reportagem, o Ministério da Cidadania afirmou apenas que “o portal está sendo migrado e atualizado”, mas não informou quando será reativado.
Especialistas ouvidos pelo GLOBO dizem que o Obid era único a compilar os dados sobre drogas coletados em pesquisas nacionais oficiais, ou seja, subsidiadas com dinheiro público. Pesquisadores relatam que o portal está fora do ar há meses e que, sem ele, é mais difícil o acesso aos dados nacionais sobre drogas.
Há o Portal Aberta, este lançado em 2016 e que também continha pesquisas da área. Mas, numa busca dentro do site, por exemplo, não é possível encontrar os Levantamentos Nacionais sobre o Uso de Drogas, que datam de 2001 e 2005. O Aberta, diferentemente do Obid, não foi lançado com a função de ser um banco de dados de pesquisas, mas sim como “ferramenta de formação” para profissionais da área de drogas, com materiais pedagógicos, ainda de acordo com o Ministério da Justiça.
Já o Obid, reformulado e “modernizado” em 2016, como noticiou na ocasião a pasta, oferecia conteúdos “desde a informação mais simples até a exposição de pesquisas e artigos acadêmicos”.
Estavam lá, por exemplo, os resultados da Pesquisa Nacional sobre o Uso de Crack, feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) por encomenda da Senad. O estudo, que ouviu mais de 32 mil pessoas tanto em situação de rua quanto em entrevistas por inquérito domiciliar, é considerado o mais abrangente sobre o consumo de crack no Brasil. Lançado em 2014, revelou que existem cerca de 370 mil usuários regulares de crack nas capitais brasileiras. Hoje, o livro pode ser localizado em pesquisas no Google ou diretamente no site da Fiocruz.
‘Aversão ao conhecimento’
Para o biomédico Renato Filev, pesquisador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, o Obid era “uma referência importante, única”. Ele lembra que “existem algumas iniciativas e bibliotecas que servem como repositórios, mas nenhum é como o Obid”.
— Eu havia procurado (o banco de dados on-line) há alguns meses e não encontrei. Questionei outros pesquisadores que me confirmaram que estava fora do ar — conta Filev.
Na opinião do pesquisador, a retirada do Obid da web é um mecanismo de “diminuição da transparência” e “aversão ao conhecimento” manifestados pelo ministro da Cidadania, Osmar Terra.
Segundo a descrição do portal que ainda aparece no Ministério da Justiça, o Obid “além de atender à sociedade acadêmica, também pretende se comunicar com outros públicos, como usuários, familiares, gestores, profissionais — além da sociedade em geral”.
Para Leon Garcia, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP, o Obid era um “mecanismo de transparência, de formação e de fomento à formulação de políticas locais”.
— A função do Obid era a de sistematizar informações existentes sobre drogas e divulgá-las de uma maneira que contribuísse para a formulação de políticas, o aprendizado técnico e a elaboração de pesquisas — explica o psiquiatra. — Tirar o portal do ar significa dificultar o acesso de pesquisadores, profissionais, gestores, estudantes e jornalistas à informação científica sobre o uso de drogas no Brasil. Informação esta produzida com dinheiro público pelas mais importantes universidades e centros de pesquisa brasileiros e disponível ao público desde 2002.
De O Globo