Há ainda como salvar o estado democrático de direito brasileiro?

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Leia o artigo de Martonio Mont’Alverne Barreto Lima, associado da ABJD, professor Titular da Universidade de Fortaleza e procurador do Município de Fortaleza.

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Após a divulgação de conversas entre o juiz Sérgio Moro e sua força tarefa do Ministério Público Federal do Paraná, questões sobre a legalidade da divulgação, suas autenticidade e possível utilização em favor de réus têm aparecido e animam o debate jurídico e político nacional da última semana.

Comecemos a analisar o episódio desencadeado pelo jornal The Intercept a partir da operação Lava Jato. São 4 anos em que nós juristas escrevemos sobre o uso do direito como arma política no Brasil para destruir nossa democracia. Quando denunciamos a parcialidade do juiz Moro e a não reforma de suas decisões pelas instâncias superiores do Judiciário, fomos ironizados por sermos portadores de cegueira em relação a Lula, ao PT e aos partidos de esquerda. Como se vivia diante de uma exploração mediática sem precedentes no Brasil, foi-nos até fácil compreender tudo: Moro e sua força tarefa utilizavam a mídia comercial para intimidar partes, advogados, promotores, juízes e tribunais, que, por covardia, não enfrentaram nem corrigiram as violações contra o estado democrático de direito.

Era claro que o tempo entre uma operação e outra obedecia a uma cadência devidamente planejada pelo juiz e por sua força tarefa, com execução da Polícia Federal e vazamentos privilegiados para certos meios de comunicação. A condução coercitiva do ex-presidente Lula em março de 2016 é um dos bons exemplos deste conjunto de fatos. Sabe-se agora que o tempo dos acontecimentos era controlado, como agora faz o The Intercept. Novidade: Sérgio Moro reclama dos vazamentos por etapas, quando tal atividade era a mesma que ele orientava.

Em março de 2016, o antigo titular da 13ª Vara, Sergio Moro, divulgou conversa telefônica entre a então Presidenta da República Dilma Rousseff e o ex Presidente Lula, mesmo sabendo que estava praticando crime previsto no art.10, parte final, da lei 9.696/66. No entanto, invocando um singelo pedido de “excusas” como causa excludente da ilicitude, até Sérgio Moro hoje não foi punido. No julgamento perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, foi acolhido o seguinte entendimento do Relator:

“É que a norma jurídica incide no plano da normalidade, não se aplicando a situações excepcionais (…). Ora, é sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada “Operação Lava-Jato”, sob a direção do magistrado representado, constituem caso inédito (único, excepcional) no direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns. Assim, tendo o levantamento do sigilo das comunicações telefônicas de investigados na referida operação servido para preservá-la das sucessivas e notórias tentativas de obstrução, por parte daqueles, garantindo-se assim a futura aplicação da lei penal, é correto entender que o sigilo das comunicações telefônicas (Constituição, art. 5º, XII) pode, em casos excepcionais, ser suplantado pelo interesse geral na administração da justiça e na aplicação da lei penal”.**

Pode-se dizer com segurança que Sérgio Moro e sua força tarefa renegam hoje este entendimento que tanto lhe beneficiou. À época, conforme provam os diálogos que travaram antes do levantamento do sigilo dos áudios de conversas entre Dilma Rousseff e Lula, Moro e sua força tarefa opinaram para que se tornasse público o diálogo, numa evidência de que o teor do que era escutado já era compartilhado secretamente com a acusação. Se se recorre a este precedente, os editores do The Intercept podem ficar tranquilos. Esta decisão equivocada do TRF da 4ª Região resulta num bom exemplo da covardia que tomou conta do Judiciário brasileiro quando o assunto era qualquer decisão de Sérgio Moro. Montaigne já anunciava ser a “covardia a mãe da crueldade”. Quando uma sociedade se acovarda diante dos acontecimentos, o que ocorre depois daí é a crueldade entre os homens.

Hoje, Moro e sua força tarefa da operação Lava Jato procuram desqualificar o conteúdo do que foi revelado de suas ações contra a defesa do ex-Presidente Lula. Condenam fortemente a maneira que foram obtidas: pela suposta ação de hackers, enquanto que The Intercept e Telegram afirmam não haver sido invasão ilegal de seus aplicativos. Uma significativa corrente de analistas e observadores políticos atribui a origem dos vazamentos a desentendimentos e insatisfação de grupos da força tarefa, em disputas internas por prestígio e poder político.

Há quase 3 anos que a defesa do ex-Presidente Lula argui a suspeição de Sérgio Moro. Agora se sabe comprovadamente do conluio entre o órgão encarregado do oferecimento da denúncia e da acusação, de um lado, e do outro o juiz sempre em desfavor do réu. Sérgio Moro questiona a autenticidade das conversas divulgadas. Como Ministro da Justiça, tem dito que a divulgação paulatina das mensagens é um “crime em andamento”. Aqui, vê-se claramente a senha para uma eventual ação do Ministério da Justiça contra o The Intercept. Caso escolha esta opção, Sérgio Moro incorre em improbidade administrativa, além de trazer para si um enorme prejuízo político, já que o Ministro da Justiça é o principal implicado nas divulgações do The Intercept e responsável primeiro pela nulidade do processo que julgou contra o ex-presidente Lula.

Diante de tal panorama, há ainda como salvar o estado democrático de direito brasileiro, relegado à Constituição Federal, que, como muitos de nós tem insistido, está suspensa? Sim. O primeiro passo é a anulação da sentença que condenou Lula. O cínico argumento de que o ele teria sido condenado não somente por Sérgio Moro, porém por mais de 15 magistrados não se sustenta. É que a sentença em sua origem é viciada, porque resulta de um processo cuja denúncia não tem prova e os denunciadores agiram em conluio com o julgador. Segundo, porque a sentença foi proferida por um juiz parcial, portanto, suspeito. A legislação processual penal é clara neste sentido: “Código de Processo Penal: Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: I – por incompetência, suspeição ou suborno do juiz”.

O segundo passo seria a liberdade do ex Presidente Lula. As conversas divulgadas pelo The Intercept não podem ser usadas contra Sérgio Moro e sua força tarefa. Mas podem beneficiar o réu, vítima da trama entre juiz e procuradores. Trata-se de uma reparação necessária e urgente, além de uma forte sinalização institucional da decisiva vontade de restabelecer o estado democrático de direito.

O terceiro passo é mais complexo, demorado e não virá sem dores. Quase uma revolução. Consiste na mudança profunda do Poder Judiciário e da burocracia judiciária brasileira: Ministério Público, Polícia Federal e órgãos de investigação. Devem ser afastados aqueles que comprometeram a democracia com a cadeia de ação resultante das decisões da força tarefa e de Sérgio Moro. Para que se construa o exemplo, por fim, chegou a hora de o Brasil e todos seus setores políticos refletirem com frieza sobre a regulação econômica dos meios de comunicação. O que hoje se vive resulta também da ação fundamental da mídia mainstream, ator político decisivo contra os ex Presidentes Lula e Dilma, contra o PT, contra os partidos de esquerda e centro-esquerda, e impulsionador da força tarefa e de Sérgio Moro e de suas arbitrariedades, para que chegassem onde hoje se encontram. Passou da hora de enfrentarmos com maturidade nossos reais desafios institucionais políticos.

Da ABJD