Juristas dizem que apoio de Bolsonaro a Neymar fere ética do cargo
Especialistas em direito penal e constitucional viram a fala do presidente Jair Bolsonaro em manifestação de apoio a Neymar hoje como uma declaração que fere os direitos das mulheres, a ética do cargo e ‘infeliz’.
O presidente da República declarou em entrevista coletiva que “acredita em Neymar” no caso da acusação de estupro contra o jogador, a qual corre em segredo de justiça. “Espero dar um abraço no Neymar antes do jogo. É um garoto. Está num momento difícil, mas eu acredito nele”, afirmou Bolsonaro, que ainda se dirigiu ao jornalista que fez a pergunta sobre o caso.
O UOL ouviu juristas sobre a afirmação de Bolsonaro. No que diz respeito ao direito constitucional, os especialistas condenaram que o chefe do Executivo emita opinião sobre um inquérito policial que ainda não foi concluído.
“A afirmação feriu a ética a partir do momento que ele detém a mais alta função pública do país. Fere a ética do cargo, mas, fazendo uma análise técnica, não vai ser levado às consequências, que seria um impeachment por ferir o decoro. Se fosse levar rigorosamente a questão, poderíamos dizer que ele feriu o decoro, conforme consta na Constituição, lei 1079, a lei do impeachment. É uma afirmação leviana. Ele não pensa no que fala, é um comentário infeliz, ele fez esse comentário como pessoa, como qualquer um de nós. Um presidente não pode sair fazendo esse tipo de afirmação”, comentou Vera Chemim, advogada constitucionalista, mestre em direito público administrativo.
O item 7 da lei do impeachment diz que é crime contra a probidade da administração “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.
Mônica Sapucaia Machado, doutora em direito Político e Econômico, ressalta que esse tipo de manifestação pública de um presidente da República é contrário ao que a Constituição garante em relação à violência contra mulheres.
“O Estado brasileiro rechaça a violência contra as mulheres. Esse é o problema do posicionamento. É diferente de dizer se o Neymar joga ou não bem. O posicionamento é contrário ao que a Constituição garante, não reforça o compromisso do Estado com relação à violência e é o papel dele reforçar. O ideal seria que não falasse nada. Que falasse que isso será tratado nos órgãos competentes ou se for falar, que espera um processo justo e eficiente e que o Brasil se compromete a garantir a segurança das mulheres brasileiras. Foi mais uma declaração infeliz, que reforça um posicionamento do atual governo de que não é prioridade o combate a violência contra mulher. Assim você autoriza os comentários machistas”, afirmou.
Na esfera criminal, Jair Bolsonaro se manifestou sobre um inquérito policial que ainda não foi concluído e corre em segredo de justiça. Iara Matos, advogada especializada em violência de gênero e criminal, explicou que o melhor seria não comentar sobre um assunto tão delicado.
“Ele não teria que se manifestar, nem abraçar o Neymar antes do final do inquérito policial. Ninguém pode falar que o Neymar e culpado ou inocente. Só quem pode determinar é a delegada depois da investigação O presidente vai na linha das pessoas que falam que ela deu bola e chega na hora ‘H’ não quer. Mas o homem consuma. O presidente está (seguindo) a lei que o homem podia matar em defesa da honra. Ele tem a cabeça de 50 anos atrás”, opinou.
“Bolsonaro não cometeu crime ao apoiar Neymar” João Paulo Martinelli, criminalista e professor de pós-graduação da Escola de Direito do Brasil, explicou que Bolsonaro poderia ter cometido crime se o caso de Neymar já tivesse sido julgado e o jogador, condenado.
“Não existe crime, porque o crime de apologia ao crime ou ao criminoso exige o dolo que é conhecimento que alguém já tenha sido condenado ou que tenha fama de ser criminoso e mesmo tendo conhecimento alguém público acabar exaltando a pessoa. Nesse caso do presidente, não é recomendável falar, porque é um caso em sigilo, vai ser investigado, que não se sabe exatamente o que aconteceu. Os crimes sexuais são sigilosos. Precisa haver prudência do presidente da República, porque está em investigação. Nenhuma autoridade deve se pronunciar”, comentou.
Maíra Cardoso Zapater, professora de Direito Penal da pós-graduação da FGV, classificou a fala como “imprudente”.
“Em termo penal, não há relevância. A fala demonstra um posicionamento que não surpreende ninguém, o Bolsonaro é conhecido por esse tipo de declaração machista, misógina, etc. Isso está dentro da liberdade de expressão, embora seja descuidada qualquer declaração nesse sentido por não saber os fatos. É uma fala imprudente”, disse.
Do UOL