O quase silêncio do general Santos Cruz sobre o Governo Bolsonaro
O general Carlos Alberto Santos Cruz (Rio Grande, 1952) deixou o Governo de Jair Bolsonaro há menos de um mês, em 13 de junho. Como ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência, era considerado um dos homens fortes e articuladores políticos da atual gestão federal até que entrou em choque com a família do presidente —isto é, o onipresente filho Carlos Bolsonaro— e o guru da extrema direita Olavo de Carvalho. Conhecido também por seu semblante sério sisudo, é de poucas palavras e parece continuar assim. Ou quase assim.
Durante uma entrevista nesta quinta-feira para os jornalistas Julia Duailibi (Globo News) e Daniel Bramatti (Estadão) no 14º Congresso da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o general recorreu ao cancioneiro popular brasileiro para minimizar sua demissão: “Como diria Reginaldo Rossi: meu caso é mais um, é banal”. A plateia gargalhou, mas depois recebeu uma série de respostas evasivas que deixavam nas entrelinhas algumas insatisfações com o seu atual comandante supremo.
“Eu já estava esperando. Trocar ministros ou técnicos de Governo é algo absolutamente normal”, continuava Santos Cruz. Mas por que deixou o Executivo Federal, questionava Duailibi. “Não vou criticar a forma para não ser antiético. Não sei os motivos, não me foi dito o motivo. Não perguntei porque a partir do momento que ele me falou, não vou perder tempo e gerar constrangimentos”, respondeu. Ele garante, contudo, que “mesmo saindo do Governo” segue “torcendo para dar certo”.
O general foi lembrado depois sobre os ataques que recebeu por parte de Olavo de Carvalho e de Carlos Bolsonaro, que teriam impulsionado sua demissão, segundo informações de bastidores. Teria o Governo optado por esse lado? “Não vou discutir sobre essas personalidades públicas, porque senão eu teria que baixar muito aqui o nível do meu palavreado”, respondeu, em uma de suas falas mais contundentes. Com as recentes mudanças, que propostas ganham mais poder no núcleo duro do Governo? “Não é uma guerra de vitória ou derrota. Só a pessoa que toma a decisão é que sabe da decisão”, explicou o general, mais uma vez minimizando que exista uma divisão do Governo entre a ala militar e a ala olavista ideológica. Mas e Carlos Bolsonaro? Ajuda ou atrapalha? Mais uma vez um quase silêncio: “Não vou falar”. Risos na plateia. “O pessoal aí sabe a resposta”.
Santos Cruz foi lembrado sobre a divulgação de um WhatsApp em que aparecia criticando Bolsonaro. Nele, chamava o presidente de “imbecil” e concordava com um interlocutor que “o jeito seria colocar Mourão” no poder. Neste caso, o ex-ministro foi contundente: “Isso é medíocre, ridículo. Comportamento de gangue”, afirmou. Explicou que naquele 6 de maio estava em um avião da Força Aérea, entre 6h e 10h da manhã. O envio teria ocorrido cerca de 8h da manhã. “Não consultaram minha agenda”, afirmou. E esclareceu que não, o avião em que estava não tinha wi-fi.
Após surgir o assunto, aproveitou para falar sobre os “problemas da tecnologia”, assunto que retomaria em diversas ocasiões. “Os irresponsáveis estão vivendo tempos de glória”, afirmou. Acontece que o entorno de Bolsonaro espalha mentiras e boatos pelas redes sociais, muitos endossados publicamente pelo presidente, que não raro acusa a imprensa de produzir falsidades. “Não concordo com isso. Se você generaliza, você acaba criando tumulto. Tem que fazer distinção entre aquilo que você acha válido e não acha válido”, explicou. Mas evitou dizer se achava que o ultraconservador governava por meio de uma bolha ou de um assembleismo digital. “Não acho, mas acho que cria tumulto e dificulta a governabilidade”, afirmou. “A liberdade tem que ser absoluta de uso [da Internet], mas tem que ter limite de responsabilidade”.
Questionado sobre se ele como ministro-chefe da Secretaria de Governo teria buscado orientar o presidente no uso de suas redes sociais, não raro controladas pelo filho Carlos, respondeu que ele é “muito voluntarioso nas redes”. O que ele achava sobre o tuíte do presidente no Carnaval que fazia referência ao Golden Shower? “É evidente que você pode fazer um uso muito mais nobre [das redes]”, respondeu, meio constrangido.
Santos Cruz também foi perguntado se achava que a democracia estava em risco. Para ele, “de jeito nenhum”. O maior risco que ela teve recentemente foi com “o roubo do patrimônio público”, em uma insinuação aos governos anteriores. Contudo, ele alertou que riscos também podem aparecer “pelo uso das regras” da democracia. E pregou um “bom relacionamento” e “harmonia”entre os poderes para a “sociedade andar”.
Ao mesmo tempo, alertou que “não existe democracia sem jogo de pressão entre Executivo, Congresso, Judiciário, órgãos de controle, imprensa, partidos, sociedade…”. Não se pode apavorar se “existe uma discussão entre o presidente e o Congresso”. Mas, outra vez fazendo referência ao Governo nas entrelinhas, também não se pode esperar que “você vai mandar um projeto [para o Parlamento] e eles aprovam”. Na semana passada, Bolsonaro se queixou de que queriam transformá-lo em “rainha da Inglaterra”, isto é, um chefe de Estado sem poderes. “Não vejo ninguém querendo transformar o presidente em rainha da Inglaterra”, afirmou Santos Cruz.
Para ele, as áreas do Governo que funcionam são as técnicas. “Programa padrão de investimento, setor de infraestrutura, setor de desenvolvimento regional, CGU, Ciência e Tecnologia…”. Não tem mesma satisfação com a condução de pastas como a de Educação, em mãos do setor mais ideológico do Governo. Ou a de Relações Exteriores, nas mãos de Ernesto Araújo. Em determinado momento chegou a ser perguntado sobre o que achava das críticas públicas que o chanceler faz a China, principal parceiro comercial do Brasil, ao mesmo tempo que prioriza as relações com os Estados Unidos de Donald Trump. O general mais uma vez tentou minimizar a questão e explicar que cada presidente dá uma diretriz de política externa e de que relações priorizar. Mas acabou concluindo sua fala da seguinte forma: “Não pode se entusiasmar como criança que vai para a Disneylândia”. Mais gargalhadas.
Santos Cruz garante que, em três anos e meio, avaliará o desempenho do Governo a partir de dois critérios: “Redução da desigualdade. Tem que ser pauta. O setor público tem responsabilidade de fazer distribuição dos seus recursos”, afirmou. O outro aspecto é corrupção. “É um câncer”. Contudo, garante que, após meses se relacionando com os parlamentares, sai “acreditando na política e de que ela pode ser feita de maneira decente”.
Do El País