Sem base científica, projeto pró cesárea no SUS vai à votação em SP

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Sem amparo científico, o projeto de lei da deputada Janaína Paschoal (PSL) que garante à gestante a opção pela cesárea no SUS, inclusive na hora do parto e sem indicação clínica, avançou em regime de urgência na Assembleia Legislativa paulista e deve ir para votação em plenário nesta quarta (26).

A proposta divide entidades médicas. A Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo) diz que o projeto não tem evidência científica e pode estimular taxas indiscriminadas de cesáreas, o que traz riscos à mulher e ao bebê.

Já o Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) defende o projeto de Paschoal, alegando que se opõe à “vilanização” dos partos cesarianas.

Segundo país com maior taxa de cesáreas do mundo, só perdendo para a República Dominicana (56%), o Brasil está muito longe de atingir as recomendações da OMS (Organização Mundial da Saúde), que considera que somente entre 10% a 15% dos partos sejam cirúrgicos e indicados apenas por razões médicas.

Dos partos feitos no SUS, 40% ocorrem por meio de cesarianas. Na rede privada, o índice chega a 84%.
O Cremesp entende que a avaliação da assistência perinatal é multifatorial e não deve se basear em “índices ideais de cesáreas”, desconsiderando as indicações médicas e a vontade materna.

Segundo a conselheira Lyane Cardoso, o Cremesp considera ético que as gestantes do SUS possam optar pelo parto cesariano, a partir da 39ª semana, e analgesia, quando escolher o parto normal. “Isso é respeitado na rede privada, mas não na pública. É importante uma lei que garanta a autonomia das pacientes do SUS.”

Ela diz que, desde 2015, o conselho recebeu 70 denúncias, das quais 24 se transformaram em processos éticos, de eventos adversos decorrentes da demora em se realizar cesariana e por complicações da insistência pelos partos vaginais. “Tomamos consciência disso e decidimos apoiar esse projeto de lei”, afirma Cardoso.

Os argumentos do Cremesp são bem parecidos com os de Janaina Paschoal na defesa do seu projeto. “O que está ocorrendo com as mulheres mais pobres neste país é inadmissível. Com 40 semanas de gestação, os bebês estão prontos para nascer. Mandam mulheres nessas condições voltar para suas casas, uma série de vezes, de ônibus, esperando a hora de o bebê nascer”, afirma.

Ela diz que, por conta da demora e da insistência pelo parto normal, os bebês sofrem “anóxia [falta de oxigênio], ficando sequelados para o resto da vida, em virtude da chamada paralisia cerebral”.

Ocorre que não há dados sobre as taxas de paralisia cerebral no estado de São Paulo ou estudos que determinem se essa ocorrência é maior ou menor em hospitais públicos ou privados paulistas, segundo a Sogesp.

“Não há evidência na literatura médica de que o parto normal esteja associado a um maior risco de paralisia cerebral. Ao contrário, há dados que comprovam que o aumento nas taxas de cesariana não muda a ocorrência de paralisia cerebral”, diz a ginecologista e professora da USP Rossana Pulcineli Vieira Francisco, presidente da entidade.

Vários estudos apontam que somente 10% dos casos de paralisia cerebral estão relacionados a eventos durante o parto. Os demais (90%) têm causas genéticas ou estão associados a alterações durante o pré-natal ou após o nascimento do bebê.

“Sem dados concretos, tomar decisões e propor projeto de lei sobre um evento extremamente grave, mas pouco frequente e de causa multifatorial é muito temeroso e de certa forma irresponsável com a saúde pública”, afirma Rossana Francisco.

Segundo Simone Diniz, médica e professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, o projeto de Paschoal levanta uma bandeira feminista, de dar maior autonomia da mulher na hora do parto, da pior maneira possível.

“Responde ao apelo de um parto não violento vendendo mais cesárea, que, nesse contexto, aparece como capaz de dar mais segurança física e emocional à mulher.”

Para ela, se as mulheres tivessem acesso de fato ao parto humanizado e mais informações sobre os riscos associados à cesariana, de prematuridade e problemas respiratórios a mais chances de doenças crônicas no futuro, não a veriam como a melhor opção.

Na opinião Rossana Francisco, uma das prováveis consequências do projeto, caso vire lei estadual, será o aumento indiscriminado nas taxas de cesárea nos hospitais públicos paulistas.

“Esse fato também não foi analisado de forma adequada, inclusive com planejamento sobre seu impacto em relação às complicações da cesariana como maior risco de hemorragia e infecção.”

Procurado desde a última sexta (21), o secretário da saúde do Estado de São Paulo, José Henrique Germann Ferreira, não se manifestou se a rede de saúde paulista terá condições de absorver um eventual aumento de cesáreas.

Em nota elaborada pela assessoria de imprensa, a pasta diz que segue os protocolos de assistência obstétrica do Ministério da Saúde e da OMS (Organização Mundial da Saúde) que definem que a cesárea deve ser utilizada em casos de risco para a mãe, feto ou ambos.

“A decisão sobre o tipo de parto recomendado é avaliada e definida pela equipe médica conforme cada caso”, diz a nota. Informa ainda que “os serviços estaduais oferecem assistência humanizada às gestantes atendidas pelo SUS, para que possam optar por métodos naturais e menos invasivos que ofereçam conforto e bem-estar, desde que não haja risco à segurança e/ou à saúde de mãe e filho”.

Segundo Rossana Francisco, o aumento de cesarianas está associado a complicações obstétricas que levam a hemorragias, que são hoje uma das principais causas de mortalidade materna no país.

Para ela, um projeto de lei que aumenta as taxas de cesarianas e, com isso, traz mais as chances de hemorragias e de morte materna, não irá colaborar para a melhoria da saúde das mulheres e pode ainda colocá-las mais em risco.

Da FSP