Vaza Jato: Dallagnol mudou escala de procuradores para atender Moro
O jornalista Reinaldo Azevedo acabou de divulgar, em seu programa O É da Coisa, na Rádio Band News FM, um trecho inédito de conversa entre procuradores da Lava Jato. Essa conversa está relacionada a uma resposta que Moro deu ontem em seu depoimento na CCJ do Senado Federal.
Quando perguntado sobre o fato de ter orientado os procuradores em relação aos processos da Lava Jato, em especial o do ex-presidente Lula, Moro respondeu que suas colocações não surtiram efeito prático. As mensagens reveladas hoje mostram o contrário.
Nos primeiros vazamentos, Moro disse que não seria interessante que a procuradora Laura Tessler participasse da inquirição do ex-presidente:
Moro – 12:32:39. – Prezado, a colega Laura Tessler de vcs é excelente profissional, mas para inquirição em audiência, ela não vai muito bem. Desculpe dizer isso, mas com discrição, tente dar uns conselhos a ela, para o próprio bem dela. Um treinamento faria bem. Favor manter reservada essa mensagem.
Dallagnol – 12:42:34. – Ok, manterei sim, obrigado!
Conforme revelou Azevedo, os novos trechos mostram as conversas entre Dallagnol e demais procuradores para alterar a escala da procuradoria. Resultado: Laura Tessler ficou de fora.
“Isso é gravíssimo. Existem as leis e existem os códigos. E essas revelações mostram que não houve o devido processo legal”, disse Reinaldo. A revelação é uma parceria de apuração do É da Coisa com o The Intercept Brasil.
O Ministério da Justiça mandou uma nota ao programa, minutos antes do término, dizendo não reconhecer o teor das mensagens e afirmando ser fruto de ato ilícito. Mais do mesmo.
Em seu Blog, Reinaldo Azevedo, publicou o teor completo das conversas:
O assunto voltou à baila na audiência desta quarta. Às 6h20min13s (vídeo abaixo), o senador Nelsinho Trade (PSD-MS) pergunta se Moro, quando juiz, “participou da orientação de trocas de agentes protagonistas nessa operação”. Ele se referia justamente à procuradora Laura Tessler. E Moro dá a seguinte resposta a partir de 6h23min57s:
“Senador, pelo teor das mensagens, se elas forem autênticas, não tem nada de anormal nessas comunicações. O exemplo que Vossa Excelência colocou é o claro exemplo de um factoide. Eu não me recordo especificamente dessa mensagem, mas o que consta no caso divulgado pelo site é uma referência de que determinado procurador da República não tinha o desempenho muito bom em audiência e para dar uns conselhos para melhorar. Em nenhum momento no texto, há alguma solicitação de substituição daquela pessoa. Tanto que essa pessoa continua e continuou realizando audiências e atos processuais, até hoje, dentro da operação Lava Jato (…). Se aconteceu, de fato, não tem nada de ilícito. Não estou comandando a força-tarefa da Lava Jato”.
Isso é o que diz Moro. Agora vamos aos fatos. Dezessete minutos depois de receber a mensagem do então juiz, Dallagnol passa a seguinte mensagem a seu colega Carlos Fernando:
12:42:34 Deltan Recebeu a msg do moro sobre a audiência tb?
13:09:44 Não. O que ele disse?
13:11:42 Deltan Não comenta com ninguém e me assegura que teu telegram não tá aberto aí no computador e que outras pessoas não estão vendo por aí, que falo
13:12:28 Deltan (Vc vai entender por que estou pedindo isso)
13:13:31 Ele está só para mim.
13:14:06 Depois, apagamos o conteúdo.
13:16:35 Deltan Prezado, a colega Laura Tessler de vcs é excelente profissional, mas para inquirição em audiência, ela não vai muito bem. Desculpe dizer isso, mas com discrição, tente dar uns conselhos a ela, para o próprio bem dela. Um treinamento faria bem. Favor manter reservada essa mensagem.
13:17:03 Vou apagar, ok?
13:17:07 Deltan apaga sim
13:17:26 Apagado.
13:17:26 Deltan Vamos ver como está a escala e talvez sugerir que vão 2, e fazer uma reunião sobre estratégia de inquirição, sem mencionar ela
13:18:11 Por isso tinha sugerido que Júlio ou Robinho fossem também. No do Lula não podemos deixar acontecer.
13:18:32 Apaguei.
Como se nota acima, Dallagnol repassa a mensagem de Moro para Carlos Fernando. Mais do que isso: ele demonstra a disposição de mexer na escala dos procuradores para enviar para a audiência com Lula pessoas que estejam ao gosto do juiz. Ora, Moro não sugeriu ou ordenou a troca explicitamente. Mas a interferência é evidente, e a sugestão estava dada.
Dois meses depois, no dia 10 de maio de 2017, o ex-presidente Lula depunha, então, pela primeira vez em Curitiba. Do outro lado da mesa, Sérgio Moro — aquele que, na prática, coordenava a Lava Jato.
Não! Laura Tessler não estava presente. Representaram o Ministério Público Federal justamente “Júlio” e “Robinho — respectivamente, Júlio Noronha e Roberson Pozzobon.
ABSURDO
A fala de Sérgio Moro reúne um conjunto de absurdos. Note-se que, ao mesmo tempo em que põe em dúvida a veracidade dos diálogos, diz não haver neles nada de mais. Há, sim! Fraudam o Código de Ética da Magistratura e o Inciso IV do Artigo 254 do Código de Processo Penal.
Trata-se de um dos momentos em que o juiz interfere no andamento da Lava Jato e na rotina interna do próprio Ministério Público Federal. E, como se nota, os procuradores atuam segundo o seu gosto.
A propósito: Moro deu algum conselho a Cristiano Zanin, advogado do ex-presidente nesse caso? Os vídeos disponíveis apontam o contrário: mais de uma vez, o juiz comportou-se com impressionante rispidez, como se a defesa estivesse presente à audiência para atrapalhar o seu bom andamento.
Laura Tessler não foi expulsa da Lava Jato. Mas não participou da audiência com Lula. Afinal, como escreveu Carlos Fernando, “no do Lula, não podemos deixar acontecer”.
CONSCIÊNCIA DA ILEGALIDADE
Notem os cuidados de Dallagnol e Carlos Fernando. Eles sabem que o trio está numa operação que frauda as regras do jogo, que contraria a lei. O interlocutor de Dallagnol fala duas vezes em apagar a mensagem. Parece que Carlos Fernando apagou, mas Dallagnol não.
OUTRO LADO
A reportagem do programa “O É da Coisa” acionou a Lava Jato, o procurador Carlos Fernando e o ministro Sergio Moro para saber se eles queriam se manifestar a respeito.
O Ministério da Justiça respondeu com a seguinte nota:
Sobre suposta mensagem atribuída ao Ministro da Justiça e Segurança Pública esclarece-se que não se reconhece a autenticidade, pois pode ter sido editada ou adulterada pelo grupo criminoso, que mesmo se autêntica nada tem de ilícita ou antiética. A suposta mensagem já havia sido divulgada semana passada, nada havendo de novo.
Até a hora em que o programa foi ao ar e em que este post foi publicado, não houve resposta dos demais consultados. Tanto o programa de rádio como este blog publicarão as respectivas respostas das pessoas acionadas caso se disponham a tanto.
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Abalando a república há duas semanas
Desde o dia 09 junho, The Intercept Brasil vem publicando uma série de reportagens explosivas que mostram discussões internas e atitudes altamente controversas, politizadas e legalmente duvidosas da força-tarefa da Lava Jato, coordenada pelo procurador renomado Deltan Dallagnol, em colaboração com o atual ministro da Justiça, Sergio Moro, celebrado a nível mundial.
Produzidas a partir de arquivos enormes e inéditos – incluindo mensagens privadas, gravações em áudio, vídeos, fotos, documentos judiciais e outros itens – enviados por uma fonte anônima, as reportagens revelam comportamentos antiéticos e transgressões que o Brasil e o mundo têm o direito de conhecer.
Devido ao material, o ministro da Justiça e ex-juiz Sergio Moro foi ao Senado Federal ontem, para tentar explicar o inexplicável.