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Ação judicial contra Record News será cumprida na madrugada

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Em 2001, lideranças ligadas a religiões de matriz africanas começaram a monitorar a programação de canais ligados ao Grupo Record, após perceberem que diversos quadros da emissora do bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino e Deus, estavam transmitindo conteúdo que consideravam ofensivos.

Segundo essas lideranças, as ofensas foram diversas e sistemáticas. Quadros e programas como “Mistérios”, “Sessão de Descarrego” e “Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?” exibiram imagens e elementos usados pela umbanda e pelo candomblés em associações com o que consideravam ser espíritos malignos, demônios, ou a causa de falta de emprego, dependência química e outros males.

Eles pediram o direito de resposta que, concedido em segunda instância pela Justiça e depois firmado em acordo no início deste ano, deu origem a quatro programas sobre as religiões de matriz africana. Esses programas passaram a ser exibidos com obrigatoriedade pela Record News na semana passada com reprises que vão até o fim de setembro.

Cada um dos quatro programas da série “A Voz das Religiões Afro”, apresentada pela mãe de santo Claudia Alexandre e dirigida por Luis Silva, será reprisado três vezes nesse período.

O primeiro episódio teve três chamadas comerciais no dia 8 e foi exibido na madrugada do dia 9. O segundo estava programado para ser exibido nesta terça-feira (16), o terceiro vai ao ar no próximo dia 23, e o quarto no dia 29, sempre no mesmo horário, às 2h30 da manhã.

Além de ceder o espaço para os programas e ter de arcar com os custos de cada um deles (foram utilizados R$ 200 mil nas produções), o Grupo Record precisou pagar R$ 300 mil de indenização para cada uma das duas entidades que entraram com representação na Justiça, somando-se um prejuízo de pelo menos R$ 800 mil. Procurada, a TV Record não se pronunciou sobre a ação.

Os quatro programas foram gravados em uma tacada apenas, no teatro Ruth Escobar, em São Paulo, no início de maio. Naquela noite, representantes das religiões de matriz africana se reuniram para debater não apenas os conteúdos exibidos pelo Grupo Record, mas também falar sobre ataques físicos a templos e a integrantes das religiões. A plateia do teatro na Bela Vista lotou.

O primeiro episódio se dedica a explicar os entraves jurídicos da ação, que durou 15 anos. Traz entrevista com Hédio Silva Jr., advogado que esteve à frente do processo. Ele foi um dos que monitoraram os programas da emissora no início da década passada, antes de ingressar com a ação.

“Associavam [o Candomblé e a Umbanda] a todos os males da humanidade. Mostravam despachos como origem de problemas de saúde ou falta de emprego, por exemplo”, conta.

Segundo a produtora Vanessa Omisseke, o tom do conteúdo exibidos agora não procura o confronto com os evangélicos, mas tenta apresentar de forma didática o que as religiões africanas representam para a cultura brasileira. “Queremos dialogar com toda a população para apresentar as religiões de origem africana e mostrar como elas são presentes na cultura brasileira”, diz.

Daniel Teixeira, um dos advogados da ação coletiva, diz que “a linha do programa é mostrar que muitas partes da sociedade querem negar a influência da cultura afro no Brasil”, incluindo-se aí igrejas evangélicas. “Existe a pretensão de muitos de que sejamos apenas um país de brancos, apenas com influência europeia”. Ele também reitera que o “A Voz da Religião Afro” buscará diálogos e não confrontos.

Segundo Teixeira, discursos de ódio similares deram origem a outros tipos de ataques sofridos pelos praticantes do candomblé e da umbanda. “No início deste ano, tivemos um pico de ataques”, diz Teixeira, sobre destruição de terreiros, xingamentos públicos e outros tipos de ação.

Um dos casos citados por eles ocorreu em 2015, no Rio de Janeiro, quando Kailane Campos, de 11 anos, saindo de um culto do candomblé, toda vestida de branco, foi apedrejada na cabeça. Familiares e amigos de Kailane presentes dizem que os homens que a atacaram exibiam suas bíblias.

A avó de Kailane prestou queixa na delegacia e depois iniciou uma campanha na internet, com fotos em que aparecia com um cartaz: “Eu visto branco, branco da paz. Sou do candomblé, e você?”.

Um dos depoimentos ao primeiro episódio de programas exibidos pela Record News é de Mãe Carmem de Oxum. Ela fala sobre uma passeada realizada em São Paulo por integrantes de religiões africanas em 2003, já com o fim de alertar a população sobre o crescimento no número de ataques físicos e verbais.

A Folha publicou em 2017 reportagens sobre ataques a terreiros de religiões de matriz africana em São Paulo. Os casos geraram investigações no Ministério Público Estadual.

No Rio de Janeiro, a Polícia Civil chegou a atribuir os ataques a traficantes convertidos a igrejas neopentecostais, indiciando dez suspeitos.

Em São Paulo, houve ataques reportados no primeiro semestre daquele ano em Franco da Rocha, Mauá, Carapicuíba e Jundiaí.

Para a abertura dos programas, foram encomendadas as imagens que ilustram esta página, produzidas pelo grafiteiro Marcelo Smilee, que é religioso do candomblé eautor de diversos grafites presentes em muros de cidade, principalmente no bairro da Aclimação.

Segundo o advogado Hedio Silva Jr., a Record ainda não deixou de exibir conteúdos que podem ser interpretados como ofensivos, embora, para ele, a emissora faça isso de forma mais velada.

Ele diz que avalia-se a possibilidade de levar o grupo novamente para a Justiça.

De UOL