Enquanto Bolsonaro não enfrentar o desemprego, a economia seguirá no buraco
Leia a coluna de Mauro Hauschild, advogado, professor de direito previdenciário da Católica de Santa Catarina e ex-presidente do INSS (2011-2012)
O peso do desemprego na Previdência
Seja pelas mãos de Rodrigo Maia ou de Paulo Guedes, a reforma da Previdência vem sendo tratada como uma espécie de tábua de salvação das contas públicas. E, de certa maneira, é verdade.
Trata-se de um instrumento bem-vindo para corrigir distorções e dar alguma previsibilidade de qual será o tamanho do buraco nas próximas décadas. Isso vai facilitar para que os próximos gestores consigam executar projetos e investimentos, graças à economia de bilhões ou até mesmo do número mágico de R$ 1 trilhão.
Mas essa montanha de dinheiro, infelizmente, é apenas uma boa notícia para os governos do fim da próxima década. Antes disso, as contas correm sério risco de seguirem desajustadas, o que pode agravar ainda mais o péssimo estado da economia no país e, sobretudo, do Brasil real.
Se o atual governo (e o próximo) quiser realmente ter alívio no rombo da Previdência nos próximos anos, a resposta não está na reforma —ou pelo menos não como no bordão “previdência ou morte”, lançado pelo empresário Luciano Hang.
Fui presidente do INSS nos anos de 2011 e 2012. Foram os anos com o menor déficit da história. O rombo hoje é de R$ 195,2 bilhões. Em 2011, era de R$ 36,5 bilhões e, em 2012, de R$ 42,3 bilhões. Não seria exagerado defender aqui que esse desempenho foi resultado direto das medidas tomadas em nossa gestão. Mas a realidade é outra. O fato objetivo é que, também em 2011 e 2012, o Brasil viveu uma fase singular de pleno emprego.
Os índices de desemprego à época eram de 6% e 5,5%. O índice atual supera 12%, apresentando um número absoluto de desempregados de aproximadamente 13,4 milhões.
O número de contribuintes do INSS em 2012 era de 53,8 milhões. Já em 2017 o total de contribuintes era de 50,3 milhões. A renda média girava em torno de R$ 1.800 para o trabalhador em 2012. Atualmente, é de R$ 2.285. Já o total de benefícios previdenciários pagos em 2011 era de 25,2 milhões, ao passo que em 2018 era de 30,3 milhões.
Ou seja, no curto prazo, observando os números, a melhor maneira de atacar o déficit da Previdência é gerando emprego. Quanto mais gente trabalhando, mais gente contribui para a Previdência. E, óbvio, menor o rombo.
Na ponta do lápis, se tivéssemos a geração de 13 milhões de empregos com rendimento médio de R$ 1.500 —inferior à renda média nacional— poderíamos ter um incremento de aproximadamente R$ 6,5 bilhões na contribuição previdenciária, algo em torno de R$ 85 bilhões anuais e R$ 850 bilhões em dez anos.
O valor se aproxima muito da meta de economia pretendida com as medidas da reforma da Previdência. É claro que o país não terá desemprego zero e, também, haverá sempre a evasão das receitas do mercado de trabalho informal. Portanto, esses números são apenas um cálculo teórico. Mas servem para mostrar o impacto do emprego nas contas da Previdência.
Há outro fator relevante, também no curto prazo. O investimento em políticas públicas de combate à violência no trânsito poderia evitar mais de 45 mil mortes anuais. Da mesma forma, esforços poderiam reduzir os mais de 60 mil homicídios e os acidentes de trabalho, contribuindo exponencialmente para o enxugamento dos custos da Previdência social com pensões e aposentadoria por invalidez.
Outro aspecto é a deficiência dos serviços de saúde. Ao deixar de prestar um atendimento eficiente, o Estado, além de abandonar o cidadão, acaba transferindo o custo social da saúde para a Previdência, já que os trabalhadores ficam afastados do trabalho, em gozo de benefício, aguardando pelo tratamento de saúde.
Necessário, portanto, que, além do esforço de reduzir os valores de pagamentos dos benefícios previdenciários, como prevê a reforma, é fundamental que o Estado faça a sua parte para reduzir o total de concessões de novos benefícios a partir da efetividade nas políticas públicas de segurança, trabalho, saúde e trânsito. E não apenas por alteração legislativa.
Por tudo isso, a aprovação da reforma da Previdência é, claro, uma ótima notícia para o futuro do país. Mas para o Brasil real, de agora, esse cenário seria melhor se, além da reforma, houvesse um plano concreto para gerar emprego. E que esse plano não se resumisse a aprovar a reforma.
O problema é que o atual governo já tem sete meses e, até aqui, não mostrou nenhum sinal de que um plano concreto exista —ou se existe, ainda não avisou ninguém. E enquanto o governo não enfrentar o desemprego, a economia seguirá deprimida, o empresário seguirá reticente em investir e o brasileiro seguirá sem consumir. Isso é ruim para todos, inclusive para o governo. E, como se vê, é ruim para as contas da previdência também.
Da FSP