“Faltou adaptar soluções das universidades americanas à realidade brasileira”
O plano do governo Jair Bolsonaro (PSL) para as universidades federais tem pontos positivos, mas, da forma como foi formulado, deve esbarrar em órgãos de controle como o TCU (Tribunal de Contas da União), afirma Gustavo Fernandes, professor da área de gestão pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Segundo o texto submetido pelo Ministério da Educação a consulta pública, as instituições de ensino interessadas em aderir ao programa Future-se serão obrigadas a contratar organizações sociais (OSs) para a gestão “sem a necessidade de chamamento público”, caso o escopo do trabalho esteja previsto em contrato já existente.
As entidades receberão recursos públicos para atividades de gestão e terão direito de uso sobre espaços também públicos.
A proposta prevê ainda que professores em regime de dedicação exclusiva possam participar de projetos contratados por essas OSs, desde que fora da carga horária, e receber por isso, sem que o pagamento seja considerado remuneração do cargo público.
“Há uma importante necessidade de alteração legislativa que o programa por enquanto ignora”, afirma. Ele acrescenta que a resistência dos órgãos de controle pode gerar insegurança jurídica e acabar por afastar potencial investidores.
Avalia ainda ser inadequado que uma mudança dessa dimensão seja opcional, permitindo a coexistência de universidades com sistemas de gestão totalmente diferentes no país.
Por outro lado, ele avalia como positivo o conteúdo do Future-se, por incentivar medidas muito presentes em países desenvolvidos, a exemplo dos fundos patrimoniais, compostos por doações e outras receitas próprias das universidades.
Professor de política internacional comparada da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Dawisson Belém Lopes avalia, por sua vez, que faltou adaptar as soluções adotadas nos Estados Unidos à realidade brasileira, uma vez que não há no país, por exemplo, nem cultura de doações para as universidades de tanto investimento empresarial em pesquisas.
Dessa forma, diz, não se pode contar com verbas dessas fontes como um recurso primário. “Querem transformar algo marginal no centro da matriz.”
Já o sociólogo Simon Schwartzman, autor de diversos estudos sobre ensino superior, avalia que o programa vai na direção certa ao estimular parcerias com o setor privado e estimular a competição por desempenho nas instituições, sem dispensar a importância de recursos públicos.
Por outro lado, ele avalia que há um otimismo exagerado sobre a possibilidade de captação de mais recursos pelos mecanismos propostos.
Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara se manifestou contra a proposta. Afirmou que, em vez de Future-se, o programa deveria se chamar “Vire-se” ou “Privatize-se”.
Para ele, ao incorporar mecanismos financeiros de mercado, a iniciativa pode tolher no futuro a autonomia universitária.
Representante das fundações de apoio, que atualmente já fazem a intermediação de boa parte dos recursos privados destinados às universidades públicas, o Confies afirmou em nota estranhar que as entidades não tenham sido mencionadas no programa.
“Se for o caso, poderíamos até ser OS, porque uma Organização Social é uma credencial de uma organização civil de direito privado como são as fundações de apoio na Lei nº 8958, criadas à luz do Código Civil”, disse o presidente do Confies, Fernando Peregrino.
De FSP