Portaria sobre deportação é ilegal e afronta direitos, dizem especialistas
A portaria do Ministério da Justiça que autoriza a deportação sumária de pessoas “perigosas para a segurança do Brasil” ou que tenham “praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição Federal”, publicada nesta sexta-feira (26/7), é ilegal e afronta direitos, configurando um “retorno ditatorial”, de acordo com especialistas. A portaria foi publicada pelo ministro Sergio Moro logo após a prisão de quatro suspeitos de hackear celulares de autoridades brasileiras.
De acordo com a especialista em Direito Migratório Karina Quintanilha, a nova norma apresenta muitos ataques a direitos básicos. “Essa portaria pode ser classificada como uma medida anti-imigrante que viola a presunção de inocência e o devido processo legal ao tratar o migrante como “suspeito”, e não sujeito de direitos como já previsto na lei de migração de 2017″, afirmou.
Segundo a especialista, a portaria, ao classificar pessoas como “suspeitas de envolvimento” cria uma punição que não existe na lei. “Um suspeito, mesmo sem ter sido condenado por um crime, poderá ser punido com deportação sumária ou impedido de entrar em território nacional”.
Quintanilha ainda destacou que a nova lei de migração é pautada no repúdio à discriminação e na não-criminalização de migrantes que estão de modo irregular no país. “A lei se baseia na igualdade de direitos, incluindo a liberdade de associação sindical e política, e na impossibilidade de expulsão ou deportação coletivas. Essa portaria viola esses direitos e também as normas que se aplicam à deportação e expulsão nessa lei”, afirma.
A especialista lembra que a criação de um discurso do imigrante como uma ameaça também foi utilizada como arma política durante as ditaduras no Brasil e na América Latina como um todo, e tem sido uma estratégia de campanhas anti-imigrantes em governos de extrema direita, nos Estados Unidos e Europa, principalmente após o 11 de setembro de 2001 e a crise econômica de 2007.
Ilegalidades
Para o defensor público da União João Chaves, especialista no assunto, o objetivo declarado da portaria é ampliar as possibilidades de deportação, mas, para isso, incorre em ilegalidades.
“Ela é uma portaria inconstitucional porque afronta a presunção de inocência, além de estipular um conceito de ‘pessoa perigosa’ que não existe no ordenamento jurídico”, diz.
O defensor atribuiu à norma um caráter político que concede poderes à Polícia Federal. Além disso, para Chaves, o prazo dado à pessoa “suspeita” para se justificar, de apenas 48 horas, é incompatível com o direito à ampla defesa.
“O prazo regular garante que a pessoa tenha 60 dias de processo e ampla defesa. No caso, ninguém pode dizer que o prazo de apenas 48 horas garanta o devido processo legal”, afirma o defensor público João Chaves.
Mensagem errada
Para Pablo Ceriani, advogado membro da comissão de proteção aos trabalhadores imigrantes da Organização das Nações Unidas (ONU), o texto passa uma mensagem a equivocada para sociedade de que estrangeiros são um perigo grave e que se envolvem em casos de criminalidade em um país, dificultando a integração.
“Este procedimento de deportação tem um problema sério se a pessoa é apenas suspeita e não foi acusada de delitos. O Direito Internacional dos Direitos Humanos (DIDH) é bem claro nessa matéria. Entretanto, a maioria dos casos isso ocorre sem sequer as mínimas garantias substantivas, como o princípio da legalidade, por exemplo, e formais, como as garantias de devido processo legal”, diz.
Classificação
Segundo a nova portaria, podem ser classificadas como “perigosas ou que tenham praticado ato contrário à Constituição Federal” pessoas suspeitas de terrorismo, de envolvimento com grupo criminoso, de tráfico de drogas, pessoas ou arma de fogo, de pornografia e exploração infanto-juvenil ou com histórico de violência em estádios.
Além disso, a deportação sumária poderá ser determinada com base em “informação de inteligência proveniente de autoridade brasileira ou estrangeira” e em “investigação criminal em curso”.
A portaria de número 666 também trata do impedimento de ingresso, da repatriação e do cancelamento do prazo de estada de indivíduos que se enquadrarem nessas condições.
Do ConJur