Reforma passa diante de população alienada e passiva
Em todo o mundo, reformas do sistema previdenciário impulsionadas pelo envelhecimento da população e pela crise fiscal têm sido respondidas com perda de popularidade dos governantes e protestos populares massivos.
É intrigante que, num período de hipermobilização da sociedade brasileira, uma reforma como a da Previdência, que impacta tantas pessoas, de maneira tão direta, tenha sido aprovada com tão pouca resistência e com aumento do apoio popular à medida. O que aconteceu?
Podemos pensar que, depois de 20 anos, o debate amadureceu e que uma parcela significativa da população foi persuadida de que a reforma, embora dura e desagradável, seria necessária para manter o equilíbrio do sistema.
Nada, no entanto, corrobora essa explicação. O monitoramento das mídias sociais e as pesquisas de opinião apontam um debate muito pouco qualificado, mesmo entre os setores mais politizados.
Ao invés de um convencimento racional que teria desarmado a revolta contra o prejuízo material de trabalhar por mais tempo e receber uma aposentadoria menor, o que parece ter acontecido é uma mistura de alienação em relação ao verdadeiro debate e a captura da indignação pela dinâmica da polarização.
A questão previdenciária é de difícil compreensão, cheia de tecnicalidades. Além disso, o debate qualificado foi infrequente, em parte porque a grande imprensa adotou toda ela uma posição editorial pró-reforma, em parte porque a esquerda, por razões estratégicas, decidiu tornar o debate embaralhado e obscuro.
Embora os dois candidatos competitivos da esquerda tivessem seus planos de reforma da Previdência, eles puderam se apegar às diferenças com relação às suas propostas e se misturar com os terraplanistas contábeis, adotando uma postura comum que casava a identidade da esquerda com o rechaço à reforma.
A aposta estratégica era que o interesse material da cidadania empurraria os descontentes para o colo da esquerda.
Só que a cidadania é hoje refém da dinâmica polarizada e assimétrica que domina o debate público.
Uma dessas assimetrias é que a esquerda é ideologicamente coerente e pró sistema político, enquanto a direita é mais heterogênea e antissistêmica, o que, por similitude, lhe confere uma interface maior com o resto da sociedade.
Enquanto a esquerda pregava para os convertidos, alternando gritos de “Nenhum direito a menos!” com os de “Lula livre!”, a direita conseguiu apresentar a “nova Previdência” como mais uma negação do petismo e do sistema político.
Da FSP