Reunião era sigilosa porque discutia “Lava Jato e eleições”
Reportagem publicada em parceria pela Folha e pelo site The Intercept Brasil já evidenciou que Deltan Dallagnol, em conversa com Roberson Pozzobon, seu colega de força-tarefa, buscou criar uma empresa, em nome das respectivas mulheres, para profissionalizar a sua atividade de palestrante.
Em uma mensagem enviada àquela que Sergio Moro diria ser sua “conge”, o procurador admite ter ganhado R$ 400 mil líquidos com a atividade paralela só no ano passado. O Brasil empobreceu bastante de 2014, ano em que teve início a Lava Jato, a esta data. Mas Deltan enriqueceu.
Falemos um pouco das personagens que aparecem no diálogo acima.
Débora Santos é mulher do procurador Eduardo Pelella, que foi chefe de gabinete e braço direito de Rodrigo Janot quando procurador-geral da República. Era, de fato, dizem as boas línguas, quem tocava a PGR. Ela já foi personagem deste blog. E por uma razão singularíssima: trabalhava na área de “consultoria em comunicação social e gestão de crises” no gabinete de ninguém menos do que Edson Fachin, o ministro do Supremo que é o relator do petrolão.
O chefe da força-tarefa que, com efeito, mudou a cara do Brasil — e para muito pior — atua como consultor privado de banqueiros, embora tenha em mãos instrumentos legais que decidem quem vive e quem morre na política.
Como se percebe de maneira inequívoca, isso se tornou um meio de vida.
O presidente da corte superior que gerenciava, então, o processo eleitoral aceitou participar de uma “reunião privada” com banqueiros — nem ele nem a XP negam que tenha sido remunerada — justamente sobre “Lava Jato e eleições” quatro meses antes do pleito. E uma das virtudes saudadas pela organizadora do evento foi a clandestinidade do evento.
Vocês entenderam direito: Pelella, o marido de Débora, traçava as estratégias do procurador-geral da República, também chefe do Ministério Público Federal, o órgão que acusa. E Débora, a mulher de Pelella, traçava as estratégias de comunicação de Fachin, o relator do petrolão, o homem que julga. A promiscuidade entre acusador e juiz parece que tenta se estabelecer como regra no país. O resultado é desastroso.
MUDANDO DE ARES, MAS NÃO DE RAMO…
Quando Janot deixa a PGR, em setembro de 2017, Pelella migra para a Procuradoria Regional da República da 3ª Região, em São Paulo, e Débora, com a experiência acumulada de mulher do ex-número dois do órgão e de assessora pessoal de Fachin, o relator do petrolão, arruma um emprego na XP Investimentos como “consultora/analista de política e Judiciário”. E é nessa condição que ela fala com Deltan.
Ao convidá-lo para o “evento privado”, observem que ela se refere ao marido, numa evidência de que a Lava Jato já é mais do que uma simples força-tarefa. Tornou-se uma tropa de elite do estado paralelo, um verdadeiro círculo aristocrático. Como, por aqui, a ruína se traveste de inovação, Débora apela a esse vínculo para convencer Deltan a participar não de uma conferência aberta, a que a imprensa, por exemplo, poderia ter acesso. Essa já estava em sua agenda e aconteceria em setembro do ano passado.
O convite é para que ele seja a estrela de uma “reunião privada” — remunerada, sim! — com investidores, que tem um caráter que se pode dizer clandestino. Afinal, Deltan é um homem pago pelo Estado brasileiro para atuar como procurador. O órgão que ele integra é o titular da ação penal e pode, adicionalmente, atuar também na investigação. Eis o palestrante disputado a peso de ouro. E que tem de falar em segredo.
LAVA JATO E ELEIÇÕES
Débora quer que Deltan discorra sobre “Lava Jato e eleições” a quem regula suas apostas a depender de cenários que, ora vejam, dependem, por sua vez, em grande parte, das decisões do próprio procurador. Quanto custa a bola de cristal do vidente que tem como interferir no futuro? Reitere-se: Débora, a mulher de Pelella, o íntimo de Janot, que desenhou a Lava Jato, não está convidando o buliçoso procurador para falar a uma plateia ampla — a conferência —, que ela trata até com certo desdém. Afinal, um evento assim, aberto, seria formado por um “público heterogêneo”, que se contenta “meio com o que já está nos jornais.”
De UOL