Altamira: OAB acha presos em cubículos sujos e sem remédios após massacre

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Foto: reprodução

No final de semana que antecedeu o massacre, uma mãe foi visitar o filho preso no Centro de Recuperação Regional de Altamira (PA) e ouviu dele que as coisas estavam tensas lá dentro. A visita foi encerrada mais cedo e o filho chamou a atenção dela para a bermuda e a camiseta que vestia, para que o identificasse, caso acontecesse algo.

A história foi relatada pela mulher à Pastoral Carcerária, braço da Igreja católica que trabalha dentro dos presídios no Brasil, coordenada pela Irmã Petra Pfaller.

Na segunda-feira (29) depois da conversa, 58 presos foram assassinados no local —dos quais 16 foram decapitados. Outros quatro homens morreram asfixiados em um carro oficial na transferência para Marabá. O massacre do Pará é o segundo maior em número de mortes dentro do sistema prisional brasileiro —ficou atrás apenas dos 111 mortos do Carandiru, em 1992.

Irmã Petra conseguiu entrar no presídio pela primeira vez desde as mortes na manhã desta terça-feira (6), acompanhando a visita das Defensorias Públicas do Pará e da União e a OAB, com forte policiamento. A visita só foi autorizada em alas onde os presos ficam em contêineres e os visitantes caminham por cima, entre as estruturas, que são cobertas com uma grade no teto. Em outras duas alas, com corredores frente às celas, o acesso não foi permitido pela direção alegando questões de segurança.

“Os presos quase não falaram nada, não tinha ambiente para falar. Imagina, cerca de 15 pessoas entrando, um tumulto, policiais e você só podia gritar para baixo: ‘e aí, como está?’. Mas muitos familiares falaram que na visita de sábado e domingo [antes das mortes] o clima já foi tenso”, diz Petra.

Os presos pareciam ainda “muitos assustados”, disse Petra à Folha. Eles contaram que não têm autorização para sair ao pátio no chamado banho de sol há uma semana, e que as visitas foram suspensas por 15 dias. Procurada pela reportagem, a Superintendência Estadual do Sistema Penitenciário (Susipe) afirma que os banhos de sol ocorrem normalmente e que a suspensão das visitas pode ser prorrogada por mais tempo.

As celas têm cerca de 20 pessoas —se os presos deitassem no chão, um ao lado do outro, caberiam todos ali, segundo a freira. O local, porém, não tem ventilação, é sujo, com odor forte e sob o calor acima de 30 ºC durante o dia.

Entre os problemas que ouviu, Petra cita falta de medicamentos e assistência médica. Depois do massacre, roupas, colchões e redes foram retirados pelos agentes e só uma parte foi devolvida. “Tem presos que estão usando roupas dos mortos. Lavaram tudo, estava cheio de sangue. Agora as famílias podem levar roupas lá, mas elas moram longe”, diz.

Alguns familiares contam terem pedido dinheiro emprestado de vizinhos para comprar roupas e redes para os presos. Muitos deles vivem em zonas ribeirinhas e têm dificuldade para o deslocamento. A distância de casa também faz com que parte dos presos tenha seus processos parados na origem. Quase metade dos mortos no massacre não era de condenados.

“Altamira tem muitos presos do interior, de outras comarcas, porque é tipo um presídio regional, e os juízes esqueceram eles aqui. No interior, não tem Defensoria Pública, e a comarca de Altamira não pode cuidar de outros processos”, explica Petra.

Em um áudio enviado por um funcionário do centro prisional à uma família, antes do massacre, ele dizia que algo iria acontecer e que havia um preso alvo de um grupo. Transferido, ele não está entre os mortos.
As mortes foram consequência de uma disputa entre o Comando Classe A e a facção carioca Comando Vermelho (CV), que vem se expandindo no Norte do país.

“Foi uma briga entre grupos criminosos, isso sim. Agora, o quanto o Estado se omitiu em dar segurança? Essa é a questão”, questiona a coordenadora. Segundo relatos, grande parte dos agentes penitenciários trabalhava no local há poucos meses.

Petra, que viaja todo o Brasil visitando presídios há anos, diz que a situação de Altamira é tão precária quanto muitos outros locais. Naqueles que tiveram chacinas recentes, os anúncios de medidas pelos governos, como transferências, diz ela, funcionam sempre como “tapa-buracos”.

“Se eles pegam uma liderança e levam para o presídio federal, logo surge outra que ocupa o lugar. Eles não acabam com esse ciclo de violência. Se tiram um traficante de uma boca de fumo, da praça tal, meia hora depois tem outro lá. Na prisão é a mesma coisa”, avalia.

Em relatórios e notas, a Pastoral alerta há anos que novas rebeliões e mortes podem estourar a qualquer momento, em qualquer presídio do país. Com o aumento da população carcerária —812 mil pessoas, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça)—, a previsão e o temor, diz Petra, é “morrer mais gente, trazer mais tristeza às famílias e mais insegurança à sociedade”.

Em Altamira, segunda cidade mais violenta do país no Atlas da Violência, a população vive com três medos, de acordo com os relatos ouvidos pela freira: da Usina de Belo Monte, que já causou mortes e despejo de indígenas, das madeireiras e dos massacres. “Uma mãe contou que precisou reconhecer a cabeça do filho, e que depois precisaria reconhecer o corpo. Ela chorou muito quando contou isso. É uma dor que não acaba”.

Da FSP