Em carta à ONU, governo ataca “proliferação” de conselhos sociais
O governo de Jair Bolsonaro criticou a proliferação excessiva de conselhos e órgãos colegiadas da administração pública e que permitia a participação da sociedade civil em decisões e formulação de políticas. Numa carta enviada no último dia 14 de agosto às Nações Unidas, o Itamaraty alegou que os órgãos representavam um custo elevado ao estado brasileiro. Mas admitiu que alguns deles seriam preservados.
No dia 11 de abril, o governo Bolsonaro publicou um decreto que extinguia dezenas de conselhos. Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) chegaram a votar contra o decreto que desmonta as estruturas, o que acabou sendo a primeira medida do governo a enfrentar uma derrota no plenário do Supremo.
O assunto também ganhou relevância internacional. Em junho, relatores, comitês e peritos da ONU atacaram a decisão do governo e pediram que o Palácio do Planalto abandonasse a ideia. Naquele momento, os representantes das Nações Unidas alertaram que o decreto de 11 de abril minaria a participação da sociedade civil em assuntos sociais, além de ser negativa para a “democracia brasileira, estado de direito, a inclusão social e o desenvolvimento econômico”.
Os especialistas ainda estimavam que o decreto afetaria a transparência, reduziria a independência e autonomia da sociedade civil e “ameaçaria a promoção e proteção dos direitos humanos”.
Para os relatores da ONU, os órgãos que lidam com idosos, grupos LGBT, combate à discriminação, erradicação de trabalho infantil e vários outros seriam duramente afetados. Numa primeira avaliação, 55 órgãos colegiadas seriam extintos. “Estamos seriamente preocupados”, disseram os relatores, apontando que o decreto “mina o espaço cívico” e a “participação da sociedade civil dentro do governo federal”.
Resposta
Em sua resposta, porém, o governo insistiu sobre a necessidade de fazer a reforma. “A proliferação excessiva de órgãos, com mandatos muitas vezes sobrepostos, tem dificultado a gestão de questões públicas e tem sido onerosa para o Estado brasileiro”, argumentou.
“Dada a necessidade de promover a economia orçamentária e a eficiência administrativa, o Governo decidiu promulgar o Decreto presidencial 9.759/19, de 11 de abril de 2019. A iniciativa pretende racionalizar e regular os órgãos colegiados no âmbito federal e estabelecer uma estrutura racional e eficaz, sem prejuízo dos direitos dos cidadãos de participar da elaboração, acompanhamento e monitoramento das políticas públicas”, disse a carta.
Segundo o governo, o decreto visa “valorizar órgãos com funções verdadeiramente participativas e que abordem temas que se relacionem claramente com a organização de órgãos e instituições públicas para a proteção dos direitos fundamentais, bem como com os temas que estabeleçam objetivos públicos relevantes”.
O problema, segundo o governo, é de dinheiro e eficiência. “Em 2019, o Ministério da Fazenda identificou 2.593 órgãos colegiados registrados no Sistema de Informação Organizacional (SIORG), muitos dos quais estavam inativos há anos, coexistindo com órgãos internos não registrados”, justificou.
Mas a carta garante que as medidas não vão afetar a participação social. “A Constituição Federal garante o pleno gozo do devido processo e do Estado Democrático de Direito. Seus princípios fundamentais são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, a livre iniciativa e o pluralismo político”, disse. “Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são independentes e harmoniosos e constituem um mecanismo de controle e equilíbrio jurídico para a defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”, argumentou.
“Dentro desse marco institucional, o sistema político brasileiro oferece ao povo uma ampla gama de oportunidades de consulta, monitoramento e acompanhamento das decisões e políticas públicas”, garantiu.
“Mais de 30 anos após a promulgação da Constituição Federal, a inegável abertura do poder público às demandas populares e sociais resultou na criação de um conjunto heterogêneo de órgãos colegiados de diversas formas e de qualidade técnica diversa”, disse.
Conselhos Preservados
Na carta, o governo ainda aponta que quase 20 conselhos seriam preservados. “A Secretaria-Geral da Presidência da República está examinando os pedidos de manutenção dos órgãos colegiados, em coordenação com os Ministérios competentes. Até o momento, todos os conselhos que integram a estrutura da administração federal foram essencialmente preservados, por exemplo. O governo brasileiro também considera a conveniência de restabelecer outros direitos humanos a fim de manter todos os órgãos colegiados sob a tutela do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos”, disse.
Entre os órgãos que serão mantidos estão o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH); o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda); Conselho Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência (Conade); Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI); Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT); Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT); Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais (CNPCT); Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD); Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM); Conselho Nacional da Juventude (Conjuve); e Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR).
O que o governo não disse para a ONU é que, apenas no Diário Oficial do dia 19 de agosto, seis conselhos foram extintos da pasta de Direitos Humanos. Entre eles o que tratava de Gênero e o da Diversidade e Inclusão.
Mas o governo indica que também será assegurado o funcionamento de órgãos como o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para a População em Situação de Rua (CNPC); o Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC); a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae); Conselho Executivo do Sistema Nacional de Segurança Pública e Informação Prisional e Informação sobre Armas e Munições, Material Genético, Digitais e Rastreabilidade de Drogas; Conselho Nacional de Imigração (CNIg); e Comissão Executiva da Política Nacional para as Mulheres em Privação de Liberdade e Ex-Detentos.
“Em menor grau, os conselhos oriundos da Política Nacional de Participação Social (PNPS) e do Sistema Nacional de Participação Social (SNPS) também foram preservados”, disse.
Mas o governo ainda manda uma mensagem aos relatores. “A democracia brasileira se fundamenta no princípio constitucional da soberania popular, que não se limita à formação de órgãos colegiados, mas sim no debate público altamente qualificado e informado e no pleno gozo do direito ao contraditório”, garantiu.
“Note-se que os órgãos colegiados não são, nem poderiam ser, por sua própria natureza, instrumentos suficientes para o efetivo gozo dos direitos humanos no país. O sistema político e social brasileiro possui diversas esferas formais, procedimentos legais e práticas consolidadas que permitem aos cidadãos participar ativamente das decisões tomadas pelos poderes públicos, bem como atuar nas cinco dimensões de controle social estabelecidas pela Constituição: formulação, deliberação, monitoramento, avaliação e financiamento”, completou.
Do UOL