Em entrevista, Lula fala sobre Lava Jato, PT e governo Bolsonaro

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Foto: Ricardo Stuckert Filho/Instituto Lula/Reuters

De dentro de sua cela solitária na Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, onde está preso há mais de 500 dias, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acompanha a mudança de ares no Supremo Tribunal Federal (STF) quanto aos resultados da Operação Lava Jato.

Na terça-feira, véspera da entrevista concedida por Lula a BBC News Brasil e BBC News, a Segunda Turma da Corte anulou, por três votos a um, a condenação do ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine, por entender que o então juiz Sergio Moro (hoje ministro da Justiça) não lhe garantiu o amplo direito à defesa ao dar a ele e a delatores o mesmo prazo para alegações finais no processo.

O caso pode servir de precedente para anular a condenação no caso do sítio de Atibaia em primeira instância, retrocedendo em algumas etapas o processo que já está em análise do Tribunal Regional da 4ª Região. O presidente aguarda ainda julgamentos de recursos que podem cancelar todos os seus processos originados na Justiça de Curitiba, caso o STF considere que Moro e/ou os procuradores da força-tarefa da Lava Jato agiram de forma parcial.

Apesar do cenário mais favorável, o petista não bradou vitória antecipada, ao ser questionado pela BBC News Brasil se estava mais esperançoso sobre o julgamento dos seus recursos no Supremo. Ele cobrou “seriedade” da Corte para analisar cada processo, e avaliar quem é culpado ou inocente com base nas provas.

Questionado se achava que toda a Lava Jato deveria ser anulada, respondeu: “Não, eu acho que a operação Lava Jato tem coisas que foram verdade, tem pessoa que confessou. Se o cara confessou que roubou, o cara é ladrão”.

A entrevista, solicitada à Justiça em maio, foi autorizada no início de agosto. O presidente falou por uma hora ao repórter britânico da BBC News Will Grant, em entrevista para o público internacional, e por uma hora à repórter da BBC News Brasil Mariana Schreiber com foco na audiência brasileira.

Lula, que passa 22 horas por dia sem conversar com ninguém, fica visivelmente feliz ao conceder entrevista e se ressente quando o tempo estipulado pela PF se esgota.

“Pede uma concessão para ele de um minuto, p*”, brinca com o chefe de escolta e custódia da superintendência da PF, Jorge Chastalo, que acompanha a entrevista a curta distância do condenado. É ele que frequentemente mede o índice de glicemia no sangue de Lula, que é pré-diabético.

Confira a seguir a entrevista completa à BBC News Brasil, em que Lula responde a críticas a ele e ao PT sobre Belo Monte, fake news, alta do desemprego, Venezuela entre outras.

BBC News Brasil – Presidente, seu governo foi marcado por forte redução do desmatamento na Amazônia, embora tenha tido alguns momentos de alta, como no início do governo e no ano de 2008. Naquela ocasião, o senhor criticou tentativas de interferência internacional no assunto de meio ambiente.

Agora, vemos esse cenário novamente, e o presidente francês, Emmanuel Macron, chegou a dizer que não descarta um debate sobre criar um “status internacional” para a Amazônia. O senhor mantém sua crítica a tentativas de interferência externa nessa questão? O senhor vê algum risco para a soberania do Brasil na Amazônia?

Luiz Inácio Lula da Silva – Eu vejo um risco da soberania da Amazônia com o discurso do [presidente Jair] Bolsonaro tentando colocar o filho dele [Eduardo Bolsonaro) de embaixador nos Estados Unidos, quem sabe para permitir que indústrias americanas venham pesquisar a Amazônia. Veja, todos nós brasileiros temos que defender a Amazônia como patrimônio brasileiro. A Amazônia faz parte do orgulho brasileiro.

Agora, para ela fazer parte do orgulho brasileiro nós temos que cuidar dela. Cuidar dela não significa transformá-la num santuário da humanidade. Significa criar condições para que os 20 milhões de homens e mulheres que moram lá tenham condições de trabalhar, de sobreviver, de ganhar sua vida, preservando o máximo possível o meio ambiente, levando para lá política de desenvolvimento que possa permitir cuidar da nossa floresta.

Até porque a grande riqueza que temos lá ainda quase que inexplorada é a nossa biodiversidade.

O senhor vê algum problema nas declarações que têm sido feitas por líderes estrangeiros sobre a Amazônia? Ou são legítimas?

Primeiro, é importante lembrar que o Fundo Amazônia foi constituído no meu governo. Isso é uma demonstração de que eu não tenho nenhum problema de contribuir com outros países para ajudar a cuidar da Amazônia. Até porque eu dizia: “Se vocês querem ajudar a cuidar da Amazônia, ajudem para que o país possa ter uma política correta de desenvolvimento na Amazônia”.

Porque você não vai conseguir cuidar da preservação com as pessoas passando fome, com as pessoas sem ter onde trabalhar, com as pessoas sem ter rodovia, sem ter espaço para transitar. Então, é preciso fazer as duas coisas. Eu mantenho as críticas que eu fazia à minha amiga Angela Merkel (chanceler alemã), ao meu amigo Sarkozy (ex-presidente francês), aos ingleses. Por que eu mantenho? Porque o nosso comportamento em todos os fóruns internacionais foi exemplar, exemplar.

O que está acontecendo agora, uma parte das queimadas, é proposital. Já saiu na imprensa que o Ministério Público do Pará avisou ao Ibama com três dias de antecedência que por zap (WhatsApp) os fazendeiros estavam preparando o Dia do Fogo. E não foi tomada nenhuma atitude.

Eu queria te lembrar uma coisa, pega os discursos do Bolsonaro e do governo dele, eles acham que têm que acabar com terra indígena, acabar com terra de quilombo, que tem que acabar com reserva (florestal). É um absurdo.

Quando eu cheguei na Presidência, a ministra era a Marina da Silva. Ninguém pode dizer que a Marina era uma ministra que não se preocupava com Meio Ambiente, como ninguém pode dizer isso do Carlos Minc (que sucedeu Marina como ministro). Nós fomos estruturando o país para que depois de 2005 até a saída da Dilma o país fosse muito respeitado na sua política de preservação ambiental e no cuidado que a gente tinha com a nossa floresta.

Mas o desmatamento começou a crescer em 2012, ainda no governo da presidente Dilma Rousseff. O que foi feito de errado no governo da presidente?

Eu não sei o que foi feito de errado no governo da Dilma. Você pode ter um ano que você cresce um pouco a mais um pouco a menos. Eu tenho até aqui os dados do crescimento, foi muito pouco [Lula consulta papéis com números do desmatamento na Amazônia]. O crescimento começou a aumentar, ele foi até, de certa forma, controlado em alguns instantes. Em 2012, no governo da Dilma, o desmatamento chegou… [Lula olha os números]. Não cresceu em 2012.

Os dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) para o desmatamento vão de agosto de um ano a julho do seguinte. O dado de 2013 (que mostra alta do desmatamento) incorpora uma parte de 2012.

Então, deixa eu falar, em 2013 nós tivemos na Amazônia 5,8 mil km² (de desmatamento). Em 2012 havia 4,5 mil km². Foi o mais baixo [recorde histórico de baixa]. Se você vai comparar um quilômetro com dois quilômetros e meio, cresceu bastante, mas estamos falando que houve um decréscimo em todo o governo da Dilma [segundo os dados do Inpe, até meados de 2012]. Começou a crescer em 2015, (o desmatamento) foi para 6 mil km². Em 2016, foi para 6,8 mil km². 2017, para 7 mil km². Em 2018, para quase 8 mil km².

Em agora em 2019 não temos ainda a quilometragem (de área desmatada).

Há uma tendência de crescimento desde 2012.

Mas é muito pouco.

Gostaria de falar sobre o impacto da construção da usina de Belo Monte, em Altamira, no Pará. O senhor em 2010 prometeu, em discurso, que não seriam repetidos os erros das usinas de Balbina e Tucuruí [usinas localizadas na Amazônia que provocaram grande impacto ambiental]. No entanto, houve muitos erros na construção de Belo Monte. O Ibama não queria liberar a licença ambiental sem antes revisar os estudos de impacto, e houve uma intervenção no órgão durante o seu governo para liberação da licença. Essa licença estabeleceu uma série de condicionantes para evitar que houvesse impactos sociais e ambientais. Essas exigências foram descumpridas e as licenças continuaram sendo liberadas. Houve uma ação leniente do Ibama durante seu governo e no governo Dilma com Belo Monte?

Posso dizer com sinceridade? Nunca houve intervenção do meu governo no Ibama. Alguém te deu informação totalmente equivocada.

[Nota da redação da BBC News Brasil: Em dezembro de 2009, o diretor de licenciamento do Ibama, Sebastião Custódio Pires, e o coordenador-geral de infraestrutura de energia elétrica do órgão, Leozildo Tabajara da Silva Benjamim, deixaram seus cargos devido aos embates envolvendo a liberação da licença prévia de Belo Monte. Em fevereiro de 2010, a licença foi concedida com 40 condicionantes para reduzir os impactos sociais e ambientais. A grande maioria não foi cumprida no prazo, mas o Ibama seguiu liberando as licenças das fases seguintes de construção e operação da usina.]

Isso foi amplamente noticiado na época.

Não houve nenhuma, nenhuma. Eu fui a Altamira fazer um discurso sobre Belo Monte. E fui mostrar o discurso que se fazia quando foi feita (a usina de) Itaipu (na fronteira com o Paraguai). Em 74, quando foi feita Itaipu, se dizia que Itaipú ia mudar o eixo da Terra. Se dizia que o lago de Itaipu não ia conseguir segurar a água, que a água ia vazar, que ia cair no Japão, sei lá.

Eu fui lá mostrar que a gente estava sendo muito responsável em Belo Monte, que tinha sido feito todos os acordos que foram possíveis fazer. A Belo Monte começou a ser construída depois que eu deixei o governo.

Foi um projeto do senhor.

Era um projeto antigo. Belo Monte é um projeto de 40 anos.

O senhor abraçou esse projeto.

Eu abracei não, eu queria fazer. E tenho orgulho de ter feito Belo Monte, porque esse país precisa de energia. E Belo Monte é uma hidrelétrica de meio fio, uma hidrelétrica que não tem lago que vai inundar área desnecessária. A cheia do lago é a cheia da enchente.

Esse é apenas um dos impactos (causados pela construção de hidrelétricas). Altamira hoje, segundo o Atlas da Violência, é a segunda cidade em taxa de homicídios do país.

Mas você está botando a culpa em Belo Monte? Bota a culpa em quem governa.

Quem estuda esse tema diz que o grande crescimento de população em Altamira, sem planejamento urbano, sem planejamento de aumento de segurança, etc, trouxe esse impacto para a cidade. Assim como para o desmatamento também. É o maior município em desmatamento do país.

Mas é assim no mundo inteiro, no Brasil. São Paulo virou o que virou porque muita gente foi para São Paulo por causa do êxodo rural. Se Altamira oferecia perspectiva de emprego, houve muita gente (indo para lá). Agora, para quê tem governo estadual e municipal? Para cuidar disso.

A questão é que as licenças ambientais que foram dadas para Belo Monte impuseram condicionantes (para que os estágios da obra avançassem). Por exemplo, criação de delegacia, criação de saneamento, criação de postos de controle do desmatamento. E essas condicionantes não foram cumpridas nos prazos estabelecidos, e o Ibama continuou liberando as licenças.

Deixa eu te dizer uma coisa, eu participei de reuniões que impuseram todas as condicionantes. Quando nós fizemos as Olimpíadas no Rio de Janeiro, a gente colocava como condicionante, depois que terminasse as Olimpíadas, fazer com que todos os postos públicos construídos para as Olímpiadas fossem destinados ao povo. Eu tenho visto notícia que não tão sendo. Se alguma condicionante não foi cumprida em Belo Monte, é preciso saber quem está governando a cidade, o Estado, o Brasil, e fazer cumprir.

A questão, presidente, é que as condicionantes eram exigências para a liberação das licenças pelo Ibama. O Ibama, que é um órgão federal, no governo Dilma, continuou liberando as licenças.

Não tente culpar a Dilma pelo que está ocorrendo em Belo Monte hoje. Cada um de nós é responsável pelo período que governou o país.

O que ela fez no governo dela tem consequências hoje.

Se tem problema você conserta. Belo Monte era uma necessidade do país. Eu duvido que tenha um país no mundo que tivesse as condições de fazer uma hidrelétrica como Belo Monte que não fizesse. E alguns fariam ainda com lago, e nós resolvemos fazer sem lago, e um dia vamos pagar um preço, porque na hora que o Brasil estiver necessitando de energia e não tiver energia, vão dizer: por que não fez um lago em Belo Monte?

O senhor sempre se disse orgulhoso por saber ler os desejos do povo. Na sua opinião, o que o povo quis dizer ao eleger Bolsonaro?

Eu acho que essa história está mal contada. Primeiro, o Bolsonaro foi eleito porque esse que vos fala foi impedido de ser candidato. O grande cabo eleitoral do Bolsonaro foi a minha condenação, e a decisão da Justiça Eleitoral (impedindo a candidatura de Lula por causa da Lei da Ficha Limpa).

Segundo, uma parte dos votos (do Bolsonaro) você sabe que foi à base do fake news, da maior campanha de mentira já conhecida no Brasil. Eu não sei por que (não fez), mas eu acho que o PT deveria ter feito uma briga para exigir uma apuração correta sobre a questão do fake news. O PT aceitou o resultado.

Diferentemente do Aécio (Neves, do PSDB), que não aceitou o resultado (da eleição em 2014) da Dilma, numa eleição legal, em que não teve fake news. Então, agora o seu Bolsonaro, ele só tem que governar. Ele ganhou para governar, ele governe.

Eu, como fui presidente da República, não sou daqueles que fica torcendo para as pessoas que governam dar errado, porque quem paga o pato é o povo. O que eu quero é que ele resolva o problema do povo brasileiro. Porque estamos há um ano só ouvindo falar em corte e ajuste, corte e ajuste, corte e ajuste, e não se ouve falar em desenvolvimento, em emprego, em política industrial. Isso não existe. Então, eu não sei onde vai parar o país.

Concretamente, o PT escolheu Fernando Haddad para disputar a eleição presidencial (após Lula ter sido impedido pela Justiça), e o PT foi derrotado. O senhor se arrepende de alguma forma desse cálculo político? Olhando para trás, acha que poderia ter adotado outra estratégia?

Posso te falar uma história? O PT teve uma votação extraordinária nas condições em que foram as eleições. Eu, quando vim para cá, eu poderia ter tomado uma outra decisão e não vir para cá [Lula já disse que poderia ter pedido asilo político em outro país], mas eu vim para cá. Eu me entreguei à Polícia Federal aqui, porque eu queria provar todas as safadezas que fizeram comigo, e vou provar, é uma questão de tempo.

Eu tinha muita clareza do ódio que estava tomando a sociedade brasileira. A sociedade foi instigada a ser antipolítica durante muito tempo. Isso aconteceu na Inglaterra com o brexit (decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia). Então, eu acho que o PT não brigou, o Bolsonaro está eleito, e ele agora governe. Governe e faça as coisas acontecer.

O PT continua sendo o mais importante partido político da América Latina, o PT é o mais importante partido político do Brasil, e o PT sabe que o povo trabalhador espera muito do PT. A gente não tem que ficar chorando porque perdeu, a gente tem é que reconstruir a próxima vitória, e tentar tirar o ódio da cabeça das pessoas.

Porque eu comparo o governo Bolsonaro a uma torcida organizada. Ou seja, você tem um torcedor que é flamenguista, corintiano, que ele vai no estádio para torcer para o time, mas a torcida organizada fanática, ela não torce para o time, ela vai vaiar jogador, ela vai no centro de treinamento bater em jogador, bater em técnico, essa é a turma do Bolsonaro. E que continua fazendo discurso para essa gente.

O senhor às vezes também não opta por fazer um discurso muito voltado para sua base mais fiel? O senhor há poucos meses disse que a facada, da qual o então candidato Bolsonaro foi vítima, não seria verdade. Gostaria de saber se o senhor genuinamente acredita que Bolsonaro não sofreu uma facada e no que o senhor baseia esse tipo de afirmação?

Não, eu não disse que não tinha tomado, eu disse que não acreditava (que Bolsonaro levou uma facada). Mas você garante a mim o direito da dúvida? Veja, eu tenho suspeitas (de que não ocorreu). Agora, se aconteceu, aconteceu.

Assim como o presidente Jair Bolsonaro diz que tem suspeitas de que ONGs botam fogo na Amazônia e fala esse tipo de argumentação sem provas, o senhor acha que contribui para tornar o ambiente menos radical, menos tóxico de desinformação ao propalar suspeitas sem indícios de provas?

Eu falei com muita tranquilidade desde o dia que aconteceu aquilo, porque não vi sangue. O Bolsonaro deu uma entrevista assim que chegou no hospital. Ele foi internado, já tinha um senador fazendo uma entrevista.

A entrevista (ao então senador Magno Malta) foi depois da cirurgia.

Eu te confesso que fiquei com muitas dúvidas, mas se você tem certeza, eu sou até capaz de ter a sua palavra como veracidade.

Não é questão da minha palavra. Houve um atendimento na Santa Casa de Juiz de Fora, uma internação no hospital Albert Einstein, em São Paulo. Sua suspeita se baseia no fato de que os médicos estão em um conluio para fazer uma encenação?

Não, não falei isso. Você acredita que houve a facada?

Acredito.

Então acredite você, morreu o assunto.

Não morreu o assunto pelo seguinte, presidente, o senhor é uma liderança muito importante. O que o senhor fala reverbera. Quando o senhor diz que tem suspeita sobre o ataque, o senhor não está justamente alimentando radicalismo, fake news?

Eu tinha suspeita até você me dar certeza. Então, você veio fazer entrevista comigo e você me convenceu, sabe, dizendo “eu sou prova de que ele tomou a facada”.

Eu não sou a prova. Estou trazendo a questão sobre o efeito da sua fala.

Estou acreditando em você. Você pode passar para a história como a jornalista que convenceu um presidente que ele estava errado. E foi muito bom.

Não é a minha intenção aqui. Presidente, hoje a esquerda tem muita dificuldade de fazer oposição, e a pauta central é o “Lula Livre”, é a luta pela sua liberdade. O senhor acha que é a melhor estratégia de oposição ter a centralidade da pauta “Lula Livre”? Ou deveria haver outras pautas centrais?

O que você acha que a oposição deveria fazer?

Não sei, estou perguntado ao senhor.

É que você pergunta com uma condicionante. Você primeiro me coloca como uma pessoa que está atrapalhando a oposição a fazer oposição. Veja, eu sou de um partido político, e esse partido político trabalha a questão do “Lula Livre”. Obviamente, tem gente que acha que não deveria cuidar disso: “o Lula já foi condenado, deixa o Lula preso e tal”.

E sabe por que que o partido me defende? Porque o partido sabe que sou inocente, porque o partido sabe que o Moro é mentiroso, o partido sabe que o Dallagnol é mentiroso, o partido sabe que o TRF-4 me julgou sem ler o meu processo, o partido sabe que o Superior Tribunal de Justiça me julgou sem ter acesso ao inquérito.

Então, o que eu quero é provar minha inocência. E cabe ao meu partido, e não aos adversários, você não quer que o PSL faça campanha “Lula Livre”, né? O PSL faz campanha “Lula preso”. É o meu partido que tem que fazer.

E isso não impede que o meu partido tenha apresentado um programa no Congresso Nacional discutindo política econômica, discutindo emprego, discutindo política tributária. Acabou de apresentar.

Você deve ter acompanhado isso lá em Brasília, que meu partido é o que mais faz oposição e oposição coerente, que lutou contra a reforma da Previdência como ela está sendo feita, que lutou contra o desmonte da legislação trabalhista. O partido está fazendo oposição toda hora, 24 horas por dia, mas não impede que o partido me defenda.

Outras lideranças da esquerda, de fora do PT, criticam essa centralidade da pauta “Lula Livre”

Que lideranças? Eu não sou obrigado a convencer as lideranças a acreditar naquilo que o PT acredita. Cada liderança faça o que quiser. Sabe quantos anos o (líder e ex-presidente sul-africano Nelson) Mandela ficou preso até as pessoas se convencerem de que precisava soltar? 27 anos. Jesus Cristo carregou uma cruz, o povo gritando, na passagem dele, e ninguém defendeu ele. Eu tenho o PT que está me defendendo.

Acontece agora a discussão sobre a sucessão da presidência do partido. Algumas pessoas dentro do PT já declararam publicamente, como o Washington Quaquá, presidente do partido no Rio de Janeiro, que consideram que o melhor seria o Fernando Haddad assumir o comando do PT, porque seria um nome com discurso mais moderado, que falaria para além da base mais fiel petista. E consideram que a deputada Gleisi Hoffmann (atual presidente) é o oposto disso. Por que a insistência no nome dela para presidente do PT, em vez de uma renovação?

Por que você dá tanto valor a uma fala do Quaquá, que quer o Haddad, e nenhum valor a minha fala, que quero a Gleisi? A Gleisi é a melhor pessoa nesse momento para ser a presidenta do PT.

Por quê?

Porque ela é corajosa, porque ela defende o PT em qualquer situação, e porque ela provou que foi uma extraordinária presidente. Eu não estou dizendo para você, eu disse para o Haddad: “Você não deve ser candidato a presidente do PT. Você virou uma personalidade pública nesse país. Se você entrar na presidência do PT, você vai ficar com um carimbo na testa de PT e você não vai ter a amplitude que você pensa que vai ter”.

Quando eu, nas eleições de 1989 virei muito grande, sabe o que eu fiz? Criei um instituto, saí da presidência do PT, para poder ter relações com outras pessoas. Por isso que eu acho que o Haddad não pode ser presidente do PT, porque o Haddad teve uma representação maior do que o partido. Ele precisa conversar com essa sociedade além do PT que votou nele e ele não pode estar com um carimbo do PT. Ele tem que ser uma personalidade.

É simplesmente por isso que eu pedi para o Haddad não ser presidente e pedi para o partido que a Gleisi Hoffmann é a pessoa que tem mais competência hoje para ser presidente do partido.

A entrevista é justamente para trazer as críticas para o senhor responder.

Eu sei. Você não tem veto, pergunta o que você quiser.

Alguns críticos também dizem que o PT deixou de ter esferas democráticas, não faz eleição para a presidência do partido. Tudo passa pelo senhor. O senhor decide que não vai ser o Haddad, e vai ser a Gleisi. O senhor não fica como espécie de dono do PT, que decide tudo? Claro que o senhor tem muita visão política, mas as decisões não estão muito centralizadas nas suas mãos?

De vez em quando você vai ter que conversar com uns amigos meus, você só conversa com alguns inimigos [fala em tom de brincadeira]. Eu há muito tempo que não participo de reunião do PT, mas desde que o PT nasceu eu me considero petista como a unha com a carne. Eu tenho interesse pelas coisas do PT e, naquilo que eu sou consultado, eu tenho opinião.

Eu tenho opinião para defender o PT como maior partido de esquerda da América Latina, quiçá (do mundo), só não é do mundo por causa do Partido Comunista Chinês. Mas não tem nenhum partido similar ao PT. O partido é muito forte, é por isso que tem um ódio contra o PT. O PT não é odiado pelas coisas más que ele fez. É odiado pelas coisas boas. E toda vez que eu posso dar um palpite no PT, eu dou.

Quando houve o colégio eleitoral, eu era contra expulsar deputado do PT que furou o colégio eleitoral. Eu perdi, o PT expulsou. E eu me contentei. Eu era favorável que a gente tivesse no país o parlamentarismo. Quando chegou na Constituinte, o PT fez uma prévia interna, uma votação, mais de 80 mil pessoas votaram, e eu perdi, e eu acatei.

Então, no PT a gente perde e a gente ganha, porque o PT é um partido altamente democrático. Se eles quiserem tomar uma decisão, eles tomam uma decisão, eu não preciso nem ouvir, posso nem saber.

Entretanto, quando os companheiros do PT decidem mandar notícias para mim, é porque há uma relação de confiança entre eles e eu. E eu acho isso muito bom, porque eu sempre tive muita confiança no PT.

O senhor está falando da força do PT. O partido conseguiu, mesmo desgastado, chegar ao segundo turno da eleição presidencial de 2018. Mas, por outro lado, o PT teve um encolhimento muito grande no número de prefeituras na eleição de 2016. O bom desempenho de 2018 também ficou muito localizado no Nordeste. Como será estratégia do PT para se recuperar disso? Como vão furar a bolha do antipetismo, por exemplo, mantendo na presidência uma pessoa com discurso mais radical?

A importância da democracia é a possibilidade dessa alternância de poder que ela permite. Em 1980, eu fui fazer greve contra a Margaret Thatcher [então primeira ministra britânica pelo Partido Conservador]. Na época, parecia que ela era invencível. E logo depois apareceu o Partido Trabalhista, e ganhou. Depois parecia que o Tony Blair (primeiro ministro do Partido Trabalhista) era invencível. Logo aparece outra pessoa e derrota ele [na realidade, Tony Blair decidiu não concorrer a um terceiro mandato e foi sucedido por Gordon Brown, também do Partido Trabalhista.] É assim a democracia.

O PT (em São Paulo) já ganhou com a Marta (Suplicy, ex-prefeita), já perdeu, já ganhou com o Haddad (também ex-prefeito), já perdeu. Mesmo na Presidência, um dia o PT tinha que perder. O que eu lamento é que não tenham deixado o PT disputar com sua força toda. O PT, esqueça a eleição de 2012, ela acabou, esqueça a de 2016, ela acabou. Vamos pensar na eleição de 2020. O PT precisa escolher um candidato, e disputar as eleições ou fazer aliança política. O PT é o único partido enraizado nas entranhas do povo brasileiro.

Sobre as eleições municipais de 2020, uma reportagem da revista Veja indicou que o senhor defendeu uma aliança nacional com PSB, PDT, PCdoB e PSOL na qual o partido que tiver o candidato com mais chances de vitória receberia apoio dos demais. Isso é verdade? Como estão essas conversas para 2020?

Eu nunca dei entrevista para a Veja, e nunca acredito na revista Veja. A Veja eu considero um lixo.

Eles ouviram interlocutores do senhor. Como está essa articulação entre os partidos?

Eu acho que o PT tem que fazer aliança política e o PT tem que trabalhar sabendo que alguns momentos a melhor opção não é a candidatura do PT, é a candidatura de outros partidos políticos. E o PT fazer aliança. Nós já cansamos de fazer. Nós já apoiamos outros candidatos em Porto Alegue, já apoiamos outro candidato em outras cidades. Não tem nenhum problema.

Em São Paulo, se o PT não tiver um candidato e algum partido aliado tiver um bom candidato, o PT tem que fazer aliança. E vale para (a eleição para) presidente da República (em 2022). Se o PT tiver um partido que tem um candidato melhor do que o PT, por que não apoiar o candidato? Aliança não vale só quando o PT está na cabeça, vale quando os outros também podem estar na cabeça.

Agora, o que não pode é o PT aceitar a ideia das pessoas não gostarem do PT porque o PT é muito grande. Olha, que culpa tem o PT? O PT (nas disputas presidenciais) foi o segundo em 89, o segundo em 94, foi o segundo em 98, foi o primeiro em 2002, foi o primeiro em 2006, foi o primeiro em 2010, foi o primeiro em 2014, e seria o primeiro em 2018, mas foi o segundo outra vez.

Olha, que culpa tem o PT se, desde 1989, o PT está em primeiro ou segundo lugar em todas as pesquisas feitas no país em todas as disputas (presidenciais)? O PT, se você pegar as eleições estaduais, têm vários Estados em que o PT apoia candidato de outros partidos políticos. É assim. Agora, o PT é muito grande.

Então, no próximo ano, o PT pode não ter candidato em São Paulo?

Pode, pode. O PT sabe o que eu penso. O PT tem muita gente em São Paulo, muita gente. Agora, é importante saber quem vão ser os adversários. Eu disse para o Haddad que ele não deveria ser candidato a prefeito de São Paulo, porque acho que ele saiu muito grande do processo eleitoral. Nós precisamos cuidar do Haddad para conflitos políticos maiores.

Acho que o PT tem que medir qual a chance que tem de construir aliança, qual a chance de sair sozinho. Não apenas em São Paulo. Tem que pensar no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, em Minas Gerais, em Pernambuco, no Brasil inteiro. E fazer aliança para mim não é um questão de princípio, é uma questão de conveniência política momentânea.

O site The Intercept Brasil noticiou essa semana que procuradores da Lava Jato comentaram de forma desrespeitosa mortes de seus familiares em um grupo de conversa do Telegram. Um deles, a procuradora Jerusa Viecili, pediu desculpas ao senhor pelo Twitter. Ela escreveu: “Errei. E minha consciência me leva a fazer o correto: pedir desculpas à pessoa diretamente afetada, o ex-presidente Lula”. O senhor aceita essas desculpas?

Eu penso que ela deveria pedir desculpas ao povo brasileiro, pelo mal que eles causaram aos milhões e milhões e milhões de brasileiros que perderam o emprego. Eu sou um homem muito maduro, não guardo mágoas. O fato de ela dizer que está arrependida, é muito bom a pessoa se arrepender. Uma coisa que no Brasil as pessoas perderam. No Brasil, a palavra desculpa parece que tinha desaparecido do dicionário.

Então, quando as pessoas começam a se arrepender das bobagens que fizeram é um bom sinal. Significa que a humanidade ainda tem chance de se recuperar.

Eu acho que esse pessoal da Lava Jato, essa força-tarefa, eles foram mordidos pela mosca azul. A pior coisa do planeta Terra que foi feito foi o pacto feito pela (Rede) Globo com a Lava Jato. Passem qualquer mentira, não importa, que a gente vai transformar tudo em verdade.

E a Globo é um dos meios de comunicação que disseminou o ódio nesse país desde 2013. O ódio não é de graça não. Então, o que eu fico pensando: se essa pessoa pediu desculpas, espero que outras pessoas peçam desculpas. Eu espero que um dia o Moro fale assim, “Ô presidente Lula…”, mesmo que eu já tiver morrido, não tem problema, ele vai dizer “… eu quero pedir desculpas porque eu fui um canalha no voto que eu dei no processo dele. Eu não fui juiz”.

O Dallagnol poderia dizer a mesma coisa: “Presidente Lula, aquele PowerPoint que eu fiz, aquela melancia, que eu apresentei na televisão, eu quero pedir desculpas, eu menti.”

Mas o senhor aceita o pedido da procuradora?

Ela não fez para mim, ela fez para o Twitter. Como ela acusou sem pedir, ela fez o pedido de desculpas sem consultar, é um problema dela.

O Supremo Tribunal Federal ainda vai decidir sobre a legalidade dos processos contra o senhor, a defesa aponta o que considera como uma série de abusos. Para além dessa discussão, eu gostaria que o senhor respondesse sobre alguns elementos concretos que indicam possíveis crimes ou desvios éticos que o senhor possa ter cometido.

Ah, me conta porque eu não sei. Que bom que você tenha.

No caso do sítio de Atibaia, o senhor reconheceu em depoimento que por alguns anos foi o principal usuário da propriedade. E também ficou comprovado que houve obras pagas por empreiteiras. Por que as empresas pagaram essas obras?

Você sabe que eu ocupei o Palácio do Planalto por oito anos e nem por isso ele é meu. Eu ocupei a Granja do Torto por oito anos e nem por isso ele é meu.

Empreiteiras não pagaram por obras…

Fizeram, fizeram. Se você for ver a reforma que houve no Palácio da Alvorada, a Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base) fez uma reforma para a União que eu agradeci de coração, porque aquilo estava esquecido. Então, deixa eu lhe falar. Eu não estou prestando depoimento, estou dando uma entrevista. O que eu deveria falar, eu já falei.

Eu comecei dizendo que o sítio não era meu, e comecei dizendo que não era meu porque o sítio não era meu. O sítio tem dono (Fernando Bittar, amigo de longa data de Lula), o dono pagou com cheque administrativo (a compra do sítio). Tudo isso está na mão dos procuradores, os procuradores inventaram história, inventaram história, até descobrir que teve reforma.

Eu fui conhecer o sítio dia 15 de janeiro (de 2011). Se o sítio não é meu e fizeram reforma, quem fez a reforma e o dono do sítio é que tem que explicar, não sou eu. Eu não posso ser condenando porque foi feito uma reforma numa coisa que não era minha.

Agora, eles começaram mentindo dizendo que o sítio era meu, eu depois que disse que o sítio não era meu, criaram a questão da reforma, e todo o objetivo deles, a obsessão deles aqui em Curitiba, era tentar envolver a Petrobras para trazer esse processo para cá, porque esse processo poderia ter sido julgado em São Paulo.

Eles fizeram com o sítio a mesma canalhice que fizeram com o apartamento (caso Tríplex do Guarujá). Eu estou dizendo que o apartamento não é meu, estou dizendo que o apartamento não é meu, eu não comprei o apartamento, eles sabem que eu não comprei. Eles inventaram uma relação do Léo Pinheiro com a Petrobras para trazer o caso para cá.

[Nota da redação da BBC News Brasil: Pelo princípio constitucional do juiz natural, os dois processos deveriam ter sido julgados em São Paulo. No entanto, por autorização do Supremo, todos os casos da Operação Lava Jato que supostamente envolviam desvios da Petrobras foram direcionados para a 13ª vara de Curitiba, chefiada até novembro passado pelo ex-juiz Sergio Moro.]

Ainda que obras de empreiteiras tenham sido feitas sem pagamento no Palácio do Planalto, essas obras ficaram como doação ao Estado brasileiro. No caso do processo de Atibaia, seriam obras custeadas por empreiteiras que ficaram como doação para um sítio que o ex-Presidente da República Lula frequentava constantemente. Há um diferença.

Olha, eu quando for na sua casa e tiver uma obra, não pense que eu vou perguntar quem fez a reforma.

Eu não sou ex-presidente da República.

Nem vou abrir sua geladeira. E pelo fato de eu ser ex-presidente da República é que eles deveriam ter pensado diferente. Eu não era mais homem público, não tinha mais cargo. Eu vou ser ex-presidente da República a vida inteira. Então, se eles querem me condenar por isso, eles que digam que é isso.

O fato de o senhor ser ex-presidente da República e ser a maior liderança da esquerda no Brasil não mantém o senhor com uma série de responsabilidades para a vida inteira?

Acho bom você dizer isso pros outros, que eu sou a maior liderança de esquerda do Brasil.

Acho que não há dúvidas sobre isso.

Deixa eu te dizer uma coisa, eu fui presidente por oito anos, eu fui presidente do PT por treze anos, eu fui o deputado constituinte mais votado do Brasil. Eu fui o presidente de sindicato mais importante do Brasil. E eu duvido que em algum momento da minha história política alguém tenha encontrado um crime que eu tenha cometido.

Então, agora a minha situação é a seguinte: eu não sou um cara reto no meu comportamento porque eu sou ex-presidente. Eu sou assim porque dona Lindu (mãe de Lula), uma mulher que nasceu e morreu analfabeta, uma mulher que cuidou de 12 filhos, essa mulher, me deu educação. Então, eu tenho um comportamento reto. Quando eu era presidente, você nunca me viu jantando na casa de alguém, você nunca me viu num casamento, você nunca me viu num aniversário, porque foram oito anos de celibato meu dentro da Presidência.

E vou ser assim, eu sou assim, essa é a minha vida.

Ontem, o STF tomou uma decisão importante ao anular a condenação do Aldemir Bendine (ex-presidente do Banco do Brasil) pelo ex-juiz Sergio Moro, por considerar que houve ilegalidade no processo. O senhor se sente mais esperançoso em relação aos seus recursos que serão analisados no Supremo?

Eu não vou ficar analisando comportamento da Suprema Corte. A única coisa que eu peço é o seguinte, eu tenho vários processos, as pessoas têm que condenar um ser humano com base nas provas. Se você não tiver prova, o ser humano é inocente. Eu tenho provado a minha inocência desde o primeiro processo.

Eu acho que a Suprema Corte precisa dar um freio de arrumação na casa, porque houve um momento em que o Moro, o Dallagnol e mais a equipe da força-tarefa pensavam que eram donos do Brasil. Eles ameaçaram a Suprema Corte, eles ameaçaram o nosso ministro da Suprema Corte (Teori Zavascki) que morreu, eles ameaçaram o (ministro do STF Edson) Fachin, eles ameaçaram a Câmara, eles ameaçaram o Senado, eles ameaçaram a Presidência. Eles qualquer coisa ameaçavam fazer greve de fome. Eles se acharam donos do mundo.

O que eu acho que a Suprema Corte tem que fazer? Tem que se debruçar sobre o processo (os casos da Lava Jato), tudo que foi certo, tudo que foi julgado corretamente, que houve investigação, que houve apuração e que provou que cometeu crime, tem que condenar. Agora, tudo aquilo que a Suprema Corte analisar e descobrir que houve falha (no processo), que a pessoa é inocente, que a pessoa foi acusada equivocadamente, tem que absolver. É só isso

O senhor não acha que deve ser anulada toda a operação Lava Jato?

Não, eu acho que a operação Lava Jato tem coisas que foram verdade, tem pessoa que confessou. Se o cara confessou que roubou, o cara é ladrão. E é só pegar os delatores, porque ficou fácil roubar no Brasil. O cara rouba, vem aqui, delata quem roubou, fica com metade e tá livre? Só falta começar a colocar pulseira de ouro no pé das pessoas, pra pessoa colocar no testamento a pulseira de ouro.

Não, eu acho que tem que ter seriedade. Se o cidadão, Luiz Inácio Lula da Silva, cometeu um delito, e tem prova que ele cometeu um delito, não adianta o seu Lula falar grosso, ele tem que ser condenado e tem que ser punido como qualquer cidadão. Assim reza a nossa Constituição.

Mas se esse Luiz Inácio Lula da Silva, depois de todas as provas for inocente, humildemente, tem que ser inocentado. E é isso que eu espero deles.

Presidente, faltam dez minutos (para o fim da entrevista). Tenho mais dois temas que eu queria abordar com o senhor. Agora, economia.

Essa era o tema mais importante, achei que você ia falar mais de economia.

O senhor e outras lideranças do PT constantemente chamam atenção para o sofrimento dos brasileiros com a alta do desemprego. No entanto, o IBGE mostra que os anos de maior disparada das taxas de desemprego foram 2015 e 2016, período governado, na sua maioria, pela presidente Dilma Rousseff. Foram também os anos recentes de maior queda do PIB. Como que os senhores não se responsabilizam pelo cenário atual?

Presta atenção: dezembro de 2014, presidente Dilma Rousseff, o Brasil tinha o menor índice de desemprego da história desse país. O Brasil parecia a Dinamarca, parecia a Noruega, a Finlândia, de tão pouco que era o desemprego nesse país. Teve a eleição. A Dilma, na minha opinião, tinha cometido um equívoco. Entre 2011 e 2015, o companheiro Guido Mantega (ex-ministro da Fazenda) fez uma desoneração de R$ 540 bilhões de reais.

Nenhum empresário veio a público dizer isso, mas o governo fez uma desoneração de R$ 540 bilhões. Para quê? Para que as indústrias continuassem gerando emprego, e para que a Dilma continuasse podendo cumprir os compromissos da política social. Então, (isso era) dezembro de 2014. Olha o que aconteceu depois: na hora que você percebe que tem que fazer um ajuste, a Dilma percebeu, ela mandou uma medida provisória para acabar com a desoneração. O Congresso não aceitou. O Congresso elegeu no começo de 2015 quem? Eduardo Cunha para a presidência da Câmara.

Faça um paralelo: Fernando Henrique Cardoso e Dilma. Quando o Fernando Henrique Cardoso quebrou o Brasil duas vezes, em 2009 [Lula quis dizer 1999] ele mandou uma reforma. Ele tinha na presidência da Câmara o (então deputado Michel) Temer, que resolveu aprovar as reformas imediatamente. E o Brasil começou a sair da crise. A Dilma teve de presente o Eduardo Cunha como presidente. Que cada coisa que a Dilma mandava, ele triplicava. A Dilma mandava (proposta para) desonerar esse copo, ele desonerava tudo (reduzindo as receitas do governo).

Até (o setor de) comunicação, até a Globo acho que foi desonerada em alguma coisa. Então, na verdade, era uma agenda bomba todo dia contra a companheira Dilma, que não conseguiu implementar nenhuma mudança que ela queria fazer.

Se tinha desemprego em 2015, a Dilma sabia e ela começou a tentar propor a reforma, nenhuma reforma foi votada e de lá pra cá, derrubaram ela com base em uma mentira e só piorou. Eu, quando entrei no governo em 2002, a inflação estava quase 12%, tinha desemprego pacas, o Brasil devia US$ 30 bilhões ao FMI, eu não fiquei culpando o Fernando Henrique Cardoso, não.

O senhor sempre falou em herança maldita.

Eu disse (que tinha) a herança maldita e fui trabalhar. E quando saí da Presidência da República o Brasil tinha gerado 22 milhões de empregos, nós tínhamos US$ 378 bilhões de reserva, e o Brasil era o país de maior credibilidade internacional. Então, é o seguinte, quando o cidadão ganha (a eleição)… Nós já temos quatro anos que cassaram a Dilma, já era para ter consertado esse país.

O senhor falou em entrevista recente que defendeu que o PT apoiasse outro nome de dentro do PMDB na eleição para presidência da Câmara de 2015 para tentar derrubar a candidatura do Eduardo Cunha. O PT decidiu lançar seu próprio candidato e perdeu. Não houve então erros do PT que contribuíram para o que aconteceu?

Mas quantos erros você cometeu essa semana na sua vida, eu cometi na minha. Eu fui alertar o PT que era humanamente impossível, matematicamente impossível o PT disputar a presidência da Câmara em 2015. Fui numa reunião com vários deputados do PT, coloquei meus argumentos: “se vocês quiserem derrotar o Cunha, a única coisa que podem fazer é pegar alguém do PMDB e lançar como candidato para derrotar o Cunha”.

No PT, tinha companheiro que achava que não. Que achava que nós vamos ganhar. Eu tinha noção que havia já um antipetismo dentro da Câmara, e que era impossível o PT ganhar. E o que aconteceu? Deu o que eu pensei que ia dar. Agora, também não vou ficar dizendo: “tá vendo, eu tava certo, tá vendo”. Não, perdeu, perdeu, paciência. Agora, mesmo sendo o Cunha, o presidente da República precisa se relacionar com o outro poder.

Eu estava no Suriname quando o PT perdeu a presidência da Câmara (em 2005) para aquele companheiro de Pernambuco, o Severino Cavalcante (PP-PE). O nosso candidato era o (Luiz Eduardo) Greenhalgh (PT-SP), o Virgílio (Guimarães, também do PT, que se lançou como candidato avulso) disputou com o Greenhalgh. O Greenhalgh ganhou no primeiro turno com não sei quantos votos e imaginava que ia dobrar no segundo turno.

No segundo turno, nem os votos do Virgílio votaram no companheiro Greenhalgh. Ele perdeu para o Severino. Eu levantei de manhã tinha um bilhete na porta do meu quarto assim: “Presidente, Severino ganhou as eleições”.

Você acha que eu ia ficar com raiva? Não, peguei o telefone e liguei pro Severino: “Companheiro Severino. Estou no Suriname e estou regressando ao Brasil, quando eu chegar o primeiro café da manhã é com você”.

Olha, se o Eduardo Cunha ganhou as eleições, o PT deveria ter estabelecido uma relação sabendo que ele é um outro poder. A gente não pode fazer do nosso comportamento na política apenas uma questão de princípio. E não era só a Dilma que tinha que fazer, ela tinha a coordenação política. Ela tinha a Casa Civil (comandada na época por Aloizio Mercadante). Se nós erramos nesse trato, nós pagamos o preço, paciência.

Presidente, última pergunta, faltam poucos minutos para terminar e eu queria falar de Venezuela com o senhor.

Lula  Pede uma concessão para ele de um minuto, p*! [o presidente se refere em tom de brincadeira ao chefe de escolta e custódia da superintendência da PF, Jorge Chastalo, que acompanha a entrevista.]

Presidente, o senhor falou recentemente em entrevista o seguinte sobre Venezuela: “Não é que eu ache que o (presidente Nicolas) Maduro está fazendo a coisa certa. O povo da Venezuela é que tem que tomar conta do Maduro”. No entanto, o povo da Venezuela parece estar em frangalhos, passando fome, fugindo do país aos milhões. Como o povo venezuelano pode resolver isso sozinho? O senhor e outros líderes de esquerda importantes não deveriam pressionar pela realização de uma eleição chancelada por organizações multilaterais para que haja uma evolução da situação da Venezuela?

Você é muito nova, um dia você pode virar presidenta também. Então, eu vou te dizer como se deve comportar um presidente.

Eu, em janeiro de 2003, eu fui à posse do presidente do Equador. Na época, era um coronel do Exército chamado (Lucio) Gutiérrez, e nessa reunião o (ex-presidente da Venezuela Hugo) Chávez estava num conflito com os Estados Unidos. Eu chamei o Chávez para uma reunião e propus construir uma coisa chamada “Grupo de Amigos da Venezuela”, um grupo de pessoas que pudesse conversar e tentar encontrar uma solução com a oposição. E eu sugeri ao Chávez que entrassem os Estados Unidos e à Espanha.

A Espanha primeiro, porque o (José María) Aznar tinha sido o presidente da Espanha que tinha reconhecido o golpista da Venezuela [Chávez acusava Aznar de apoiar a tentativa de golpe contra ele 2002, o que o espanhol negava]. E o Bush, porque o Chávez falava para todo mundo que o Bush que tinha dado o golpe na Venezuela [Lula também se refere ao levante de 2002].

O Fidel Castro ficou muito nervoso e achou que estávamos entregando a Venezuela para os Estados Unidos. Eu tive uma reunião com o Fidel Castro e mostrei que só era possível ter um acordo se tivesse uma mesa de negociação com as pessoas que o Chávez não gostasse, mas que a oposição gostasse. Por isso, os Estados Unidos, e por isso, a Espanha.

O resultado é que nós tivemos um belo acordo. Os americanos colocaram o Colin Powell (então Secretário de Estado dos EUA) para participar das negociações, o Celso Amorim (chanceler do governo Lula) participou pelo lado brasileiro, e o dado concreto é que nós fizemos uma paz tranquila na Venezuela.

O senhor concorda então que tem que ter participação de autores externos? Que não é só o povo venezuelano que vai conseguir resolver a crise?

Sabe o que eu fico chateado, é que uma pessoa culta como você, é capaz de ver todos os erros do Maduro e não fala nada do embargo americano. O embargo americano chama-se genocídio!

Porque quando um país ganha uma batalha numa guerra, ela matou soldado. Mas quando você faz embargo num país como os americanos estão fazendo em Cuba há 60 anos, estão fazendo agora (na Venezuela), fizeram no Irã, você está matando crianças, mulheres e velhos.

É preciso que os americanos parem com essa história de embargo e de ameaçar o mundo inteiro. E eu acho que quem tem que resolver o problema da Venezuela, é o povo da Venezuela numa eleição. Agora, não dá para a estupidez de apoiar um tal de Guaidó [Juan Guaidó é presidente da Assembleia Nacional da Venezuela e se autoproclamou presidente do país, com apoio de diversas nações, inclusive o Brasil.]

Por Deus do céu, se essa moda pega, ninguém vai respeitar mais eleição em lugar nenhum.

Imagina os Estados Unidos apoiando (qualquer um) como o Guaidó. Um candidato que mundo achou que deveria ser candidato por quê? Ele não disputou as eleições.

Ele é presidente da Assembleia Nacional da Venezuela.

Mas não era Presidente da República. Tem que parar com isso. Eu achei uma pequenez do mundo, inclusive do Brasil. O Brasil é um país que pode ser gestor da paz aqui na América Latina, se tiver gente que queira paz. O Brasil chegou a ter um superávit comercial de quase US$ 5 bilhões com a Venezuela. O Brasil tem que ter um carinho muito grande com a Venezuela.

Eu passei muito tempo de minha vida telefonando pro Chávez e o (Álvaro) Uribe (ex-presidente colombiano) para manter a paz entre a Colômbia e Venezuela. Só para você ter ideia, a Condoleezza Rice (ex-Secretária de Estado dos EUA) fez uma crítica no jornal Miami Herald contra o Chávez, e o Chávez foi para a rua fazer uma passeata contra os americanos, eu liguei pro Bush.

Liguei e falei: “Bush, se você quer que o Chávez não faça passeata contra você, manda a sua secretária parar de escrever bobagem contra ele nos jornais americanos”. Sabe, pega o telefone, liga e conversa pessoalmente.

A maioria das brigas é por falta de conversa. O papel do Bolsonaro não era ficar falando a quantidade de asneira que ele falou ou o seu ministro (das Relações Exteriores, Ernesto Araújo), era ter pegado o telefone e ter ido falar com o Maduro. Tem coisa para dizer, diga na cara do presidente. Não fica brigando da forma mesquinha, pequena, medíocre que foi feita.

Infelizmente nosso tempo acabou.

Lula  Porque você quer, eu estou aqui, eu não estou nem vendo eles [Lula brinca com os agentes da PF e provoca risos entre os presentes.]

A Polícia Federal fixou este horário.

Lula  Eles não vão te prender. Eles podem me tirar daqui (da sala de entrevista). Mas deixa eu falar uma coisa, o Brasil tem um papel muito importante na América do Sul, na África. O Brasil tem que tomar cuidado, porque o Brasil era muito respeitado. Agora, quando você tem um governante que não se respeita, também ninguém respeita. Política é feita por seres humanos. Você conversa, dialoga.

O Brasil tem que perceber que a Venezuela é importante. Essa bobagem que o Bolsonaro acredita, na bondade dos Estados Unidos. Não tem um momento histórico em que os Estados Unidos fizeram um gesto de bondade para o Brasil. Não tem um, desde a Independência americana. O Brasil tem que acreditar é na sua força, é no seu povo, é na sua soberania, é na sua criatividade, e não ficar achando que alguém vai resolver o problema da nossa incompetência. Eu acho que o Bolsonaro tem que parar de falar bobagem e começar a governar esse país.

Presidente, obrigada por ter recebido a BBC para essa conversa. Espero que tenhamos outras oportunidades no futuro de fazer novas entrevistas com o senhor.

Olha, eu estou sempre à disposição. Espero que você tenha feito todas as perguntas que você queria fazer, e desculpa se não lhe respondi de agrado todas as suas perguntas. Muito obrigado.

Da FSP