Lula: “Lava Jato deveria pedir desculpas ao povo brasileiro”
Confira a seguir a entrevista à BBC News Brasil, em que Lula responde a críticas a ele e ao PT sobre Belo Monte, fake news, alta do desemprego, Venezuela entre outras.
O site The Intercept Brasil noticiou essa semana que procuradores da Lava Jato comentaram de forma desrespeitosa mortes de seus familiares em um grupo de conversa do Telegram. Um deles, a procuradora Jerusa Viecili, pediu desculpas ao senhor pelo Twitter. Ela escreveu: “Errei. E minha consciência me leva a fazer o correto: pedir desculpas à pessoa diretamente afetada, o ex-presidente Lula”. O senhor aceita essas desculpas?
Eu penso que ela deveria pedir desculpas ao povo brasileiro, pelo mal que eles causaram aos milhões e milhões e milhões de brasileiros que perderam o emprego. Eu sou um homem muito maduro, não guardo mágoas. O fato de ela dizer que está arrependida, é muito bom a pessoa se arrepender. Uma coisa que no Brasil as pessoas perderam. No Brasil, a palavra desculpa parece que tinha desaparecido do dicionário.
Então, quando as pessoas começam a se arrepender das bobagens que fizeram é um bom sinal. Significa que a humanidade ainda tem chance de se recuperar.
Eu acho que esse pessoal da Lava Jato, essa força-tarefa, eles foram mordidos pela mosca azul. A pior coisa do planeta Terra que foi feito foi o pacto feito pela (Rede) Globo com a Lava Jato. Passem qualquer mentira, não importa, que a gente vai transformar tudo em verdade.
E a Globo é um dos meios de comunicação que disseminou o ódio nesse país desde 2013. O ódio não é de graça não. Então, o que eu fico pensando: se essa pessoa pediu desculpas, espero que outras pessoas peçam desculpas. Eu espero que um dia o Moro fale assim, “Ô presidente Lula…”, mesmo que eu já tiver morrido, não tem problema, ele vai dizer “… eu quero pedir desculpas porque eu fui um canalha no voto que eu dei no processo dele. Eu não fui juiz”.
O Dallagnol poderia dizer a mesma coisa: “Presidente Lula, aquele PowerPoint que eu fiz, aquela melancia, que eu apresentei na televisão, eu quero pedir desculpas, eu menti.”
Mas o senhor aceita o pedido da procuradora?
Ela não fez para mim, ela fez para o Twitter. Como ela acusou sem pedir, ela fez o pedido de desculpas sem consultar, é um problema dela.
O Supremo Tribunal Federal ainda vai decidir sobre a legalidade dos processos contra o senhor, a defesa aponta o que considera como uma série de abusos. Para além dessa discussão, eu gostaria que o senhor respondesse sobre alguns elementos concretos que indicam possíveis crimes ou desvios éticos que o senhor possa ter cometido.
Ah, me conta porque eu não sei. Que bom que você tenha.
No caso do sítio de Atibaia, o senhor reconheceu em depoimento que por alguns anos foi o principal usuário da propriedade. E também ficou comprovado que houve obras pagas por empreiteiras. Por que as empresas pagaram essas obras?
Você sabe que eu ocupei o Palácio do Planalto por oito anos e nem por isso ele é meu. Eu ocupei a Granja do Torto por oito anos e nem por isso ele é meu.
Empreiteiras não pagaram por obras…
Fizeram, fizeram. Se você for ver a reforma que houve no Palácio da Alvorada, a Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base) fez uma reforma para a União que eu agradeci de coração, porque aquilo estava esquecido. Então, deixa eu lhe falar. Eu não estou prestando depoimento, estou dando uma entrevista. O que eu deveria falar, eu já falei.
Eu comecei dizendo que o sítio não era meu, e comecei dizendo que não era meu porque o sítio não era meu. O sítio tem dono (Fernando Bittar, amigo de longa data de Lula), o dono pagou com cheque administrativo (a compra do sítio). Tudo isso está na mão dos procuradores, os procuradores inventaram história, inventaram história, até descobrir que teve reforma.
Eu fui conhecer o sítio dia 15 de janeiro (de 2011). Se o sítio não é meu e fizeram reforma, quem fez a reforma e o dono do sítio é que tem que explicar, não sou eu. Eu não posso ser condenando porque foi feito uma reforma numa coisa que não era minha.
Agora, eles começaram mentindo dizendo que o sítio era meu, eu depois que disse que o sítio não era meu, criaram a questão da reforma, e todo o objetivo deles, a obsessão deles aqui em Curitiba, era tentar envolver a Petrobras para trazer esse processo para cá, porque esse processo poderia ter sido julgado em São Paulo.
Eles fizeram com o sítio a mesma canalhice que fizeram com o apartamento (caso Tríplex do Guarujá). Eu estou dizendo que o apartamento não é meu, estou dizendo que o apartamento não é meu, eu não comprei o apartamento, eles sabem que eu não comprei. Eles inventaram uma relação do Léo Pinheiro com a Petrobras para trazer o caso para cá.
[Nota da redação da BBC News Brasil: Pelo princípio constitucional do juiz natural, os dois processos deveriam ter sido julgados em São Paulo. No entanto, por autorização do Supremo, todos os casos da Operação Lava Jato que supostamente envolviam desvios da Petrobras foram direcionados para a 13ª vara de Curitiba, chefiada até novembro passado pelo ex-juiz Sergio Moro.]
Ainda que obras de empreiteiras tenham sido feitas sem pagamento no Palácio do Planalto, essas obras ficaram como doação ao Estado brasileiro. No caso do processo de Atibaia, seriam obras custeadas por empreiteiras que ficaram como doação para um sítio que o ex-Presidente da República Lula frequentava constantemente. Há um diferença.
Olha, eu quando for na sua casa e tiver uma obra, não pense que eu vou perguntar quem fez a reforma.
Eu não sou ex-presidente da República.
Nem vou abrir sua geladeira. E pelo fato de eu ser ex-presidente da República é que eles deveriam ter pensado diferente. Eu não era mais homem público, não tinha mais cargo. Eu vou ser ex-presidente da República a vida inteira. Então, se eles querem me condenar por isso, eles que digam que é isso.
O fato de o senhor ser ex-presidente da República e ser a maior liderança da esquerda no Brasil não mantém o senhor com uma série de responsabilidades para a vida inteira?
Acho bom você dizer isso pros outros, que eu sou a maior liderança de esquerda do Brasil.
Acho que não há dúvidas sobre isso.
Deixa eu te dizer uma coisa, eu fui presidente por oito anos, eu fui presidente do PT por treze anos, eu fui o deputado constituinte mais votado do Brasil. Eu fui o presidente de sindicato mais importante do Brasil. E eu duvido que em algum momento da minha história política alguém tenha encontrado um crime que eu tenha cometido.
Então, agora a minha situação é a seguinte: eu não sou um cara reto no meu comportamento porque eu sou ex-presidente. Eu sou assim porque dona Lindu (mãe de Lula), uma mulher que nasceu e morreu analfabeta, uma mulher que cuidou de 12 filhos, essa mulher, me deu educação. Então, eu tenho um comportamento reto. Quando eu era presidente, você nunca me viu jantando na casa de alguém, você nunca me viu num casamento, você nunca me viu num aniversário, porque foram oito anos de celibato meu dentro da Presidência.
E vou ser assim, eu sou assim, essa é a minha vida.
Ontem, o STF tomou uma decisão importante ao anular a condenação do Aldemir Bendine (ex-presidente do Banco do Brasil) pelo ex-juiz Sergio Moro, por considerar que houve ilegalidade no processo. O senhor se sente mais esperançoso em relação aos seus recursos que serão analisados no Supremo?
Eu não vou ficar analisando comportamento da Suprema Corte. A única coisa que eu peço é o seguinte, eu tenho vários processos, as pessoas têm que condenar um ser humano com base nas provas. Se você não tiver prova, o ser humano é inocente. Eu tenho provado a minha inocência desde o primeiro processo.
Eu acho que a Suprema Corte precisa dar um freio de arrumação na casa, porque houve um momento em que o Moro, o Dallagnol e mais a equipe da força-tarefa pensavam que eram donos do Brasil. Eles ameaçaram a Suprema Corte, eles ameaçaram o nosso ministro da Suprema Corte (Teori Zavascki) que morreu, eles ameaçaram o (ministro do STF Edson) Fachin, eles ameaçaram a Câmara, eles ameaçaram o Senado, eles ameaçaram a Presidência. Eles qualquer coisa ameaçavam fazer greve de fome. Eles se acharam donos do mundo.
O que eu acho que a Suprema Corte tem que fazer? Tem que se debruçar sobre o processo (os casos da Lava Jato), tudo que foi certo, tudo que foi julgado corretamente, que houve investigação, que houve apuração e que provou que cometeu crime, tem que condenar. Agora, tudo aquilo que a Suprema Corte analisar e descobrir que houve falha (no processo), que a pessoa é inocente, que a pessoa foi acusada equivocadamente, tem que absolver. É só isso
O senhor não acha que deve ser anulada toda a operação Lava Jato?
Não, eu acho que a operação Lava Jato tem coisas que foram verdade, tem pessoa que confessou. Se o cara confessou que roubou, o cara é ladrão. E é só pegar os delatores, porque ficou fácil roubar no Brasil. O cara rouba, vem aqui, delata quem roubou, fica com metade e tá livre? Só falta começar a colocar pulseira de ouro no pé das pessoas, pra pessoa colocar no testamento a pulseira de ouro.
Não, eu acho que tem que ter seriedade. Se o cidadão, Luiz Inácio Lula da Silva, cometeu um delito, e tem prova que ele cometeu um delito, não adianta o seu Lula falar grosso, ele tem que ser condenado e tem que ser punido como qualquer cidadão. Assim reza a nossa Constituição.
Mas se esse Luiz Inácio Lula da Silva, depois de todas as provas for inocente, humildemente, tem que ser inocentado. E é isso que eu espero deles.
Presidente, faltam dez minutos (para o fim da entrevista). Tenho mais dois temas que eu queria abordar com o senhor. Agora, economia.
Essa era o tema mais importante, achei que você ia falar mais de economia.
O senhor e outras lideranças do PT constantemente chamam atenção para o sofrimento dos brasileiros com a alta do desemprego. No entanto, o IBGE mostra que os anos de maior disparada das taxas de desemprego foram 2015 e 2016, período governado, na sua maioria, pela presidente Dilma Rousseff. Foram também os anos recentes de maior queda do PIB. Como que os senhores não se responsabilizam pelo cenário atual?
Presta atenção: dezembro de 2014, presidente Dilma Rousseff, o Brasil tinha o menor índice de desemprego da história desse país. O Brasil parecia a Dinamarca, parecia a Noruega, a Finlândia, de tão pouco que era o desemprego nesse país. Teve a eleição. A Dilma, na minha opinião, tinha cometido um equívoco. Entre 2011 e 2015, o companheiro Guido Mantega (ex-ministro da Fazenda) fez uma desoneração de R$ 540 bilhões de reais.
Nenhum empresário veio a público dizer isso, mas o governo fez uma desoneração de R$ 540 bilhões. Para quê? Para que as indústrias continuassem gerando emprego, e para que a Dilma continuasse podendo cumprir os compromissos da política social. Então, (isso era) dezembro de 2014. Olha o que aconteceu depois: na hora que você percebe que tem que fazer um ajuste, a Dilma percebeu, ela mandou uma medida provisória para acabar com a desoneração. O Congresso não aceitou. O Congresso elegeu no começo de 2015 quem? Eduardo Cunha para a presidência da Câmara.
Faça um paralelo: Fernando Henrique Cardoso e Dilma. Quando o Fernando Henrique Cardoso quebrou o Brasil duas vezes, em 2009 [Lula quis dizer 1999] ele mandou uma reforma. Ele tinha na presidência da Câmara o (então deputado Michel) Temer, que resolveu aprovar as reformas imediatamente. E o Brasil começou a sair da crise. A Dilma teve de presente o Eduardo Cunha como presidente. Que cada coisa que a Dilma mandava, ele triplicava. A Dilma mandava (proposta para) desonerar esse copo, ele desonerava tudo (reduzindo as receitas do governo).
Até (o setor de) comunicação, até a Globo acho que foi desonerada em alguma coisa. Então, na verdade, era uma agenda bomba todo dia contra a companheira Dilma, que não conseguiu implementar nenhuma mudança que ela queria fazer.
Se tinha desemprego em 2015, a Dilma sabia e ela começou a tentar propor a reforma, nenhuma reforma foi votada e de lá pra cá, derrubaram ela com base em uma mentira e só piorou. Eu, quando entrei no governo em 2002, a inflação estava quase 12%, tinha desemprego pacas, o Brasil devia US$ 30 bilhões ao FMI, eu não fiquei culpando o Fernando Henrique Cardoso, não.
O senhor sempre falou em herança maldita.
Eu disse (que tinha) a herança maldita e fui trabalhar. E quando saí da Presidência da República o Brasil tinha gerado 22 milhões de empregos, nós tínhamos US$ 378 bilhões de reserva, e o Brasil era o país de maior credibilidade internacional. Então, é o seguinte, quando o cidadão ganha (a eleição)… Nós já temos quatro anos que cassaram a Dilma, já era para ter consertado esse país.
O senhor falou em entrevista recente que defendeu que o PT apoiasse outro nome de dentro do PMDB na eleição para presidência da Câmara de 2015 para tentar derrubar a candidatura do Eduardo Cunha. O PT decidiu lançar seu próprio candidato e perdeu. Não houve então erros do PT que contribuíram para o que aconteceu?
Mas quantos erros você cometeu essa semana na sua vida, eu cometi na minha. Eu fui alertar o PT que era humanamente impossível, matematicamente impossível o PT disputar a presidência da Câmara em 2015. Fui numa reunião com vários deputados do PT, coloquei meus argumentos: “se vocês quiserem derrotar o Cunha, a única coisa que podem fazer é pegar alguém do PMDB e lançar como candidato para derrotar o Cunha”.
No PT, tinha companheiro que achava que não. Que achava que nós vamos ganhar. Eu tinha noção que havia já um antipetismo dentro da Câmara, e que era impossível o PT ganhar. E o que aconteceu? Deu o que eu pensei que ia dar. Agora, também não vou ficar dizendo: “tá vendo, eu tava certo, tá vendo”. Não, perdeu, perdeu, paciência. Agora, mesmo sendo o Cunha, o presidente da República precisa se relacionar com o outro poder.
Eu estava no Suriname quando o PT perdeu a presidência da Câmara (em 2005) para aquele companheiro de Pernambuco, o Severino Cavalcante (PP-PE). O nosso candidato era o (Luiz Eduardo) Greenhalgh (PT-SP), o Virgílio (Guimarães, também do PT, que se lançou como candidato avulso) disputou com o Greenhalgh. O Greenhalgh ganhou no primeiro turno com não sei quantos votos e imaginava que ia dobrar no segundo turno.
No segundo turno, nem os votos do Virgílio votaram no companheiro Greenhalgh. Ele perdeu para o Severino. Eu levantei de manhã tinha um bilhete na porta do meu quarto assim: “Presidente, Severino ganhou as eleições”.
Você acha que eu ia ficar com raiva? Não, peguei o telefone e liguei pro Severino: “Companheiro Severino. Estou no Suriname e estou regressando ao Brasil, quando eu chegar o primeiro café da manhã é com você”.
Olha, se o Eduardo Cunha ganhou as eleições, o PT deveria ter estabelecido uma relação sabendo que ele é um outro poder. A gente não pode fazer do nosso comportamento na política apenas uma questão de princípio. E não era só a Dilma que tinha que fazer, ela tinha a coordenação política. Ela tinha a Casa Civil (comandada na época por Aloizio Mercadante). Se nós erramos nesse trato, nós pagamos o preço, paciência.
Presidente, última pergunta, faltam poucos minutos para terminar e eu queria falar de Venezuela com o senhor.
Lula – Pede uma concessão para ele de um minuto, p*! [o presidente se refere em tom de brincadeira ao chefe de escolta e custódia da superintendência da PF, Jorge Chastalo, que acompanha a entrevista.]
Presidente, o senhor falou recentemente em entrevista o seguinte sobre Venezuela: “Não é que eu ache que o (presidente Nicolas) Maduro está fazendo a coisa certa. O povo da Venezuela é que tem que tomar conta do Maduro”. No entanto, o povo da Venezuela parece estar em frangalhos, passando fome, fugindo do país aos milhões. Como o povo venezuelano pode resolver isso sozinho? O senhor e outros líderes de esquerda importantes não deveriam pressionar pela realização de uma eleição chancelada por organizações multilaterais para que haja uma evolução da situação da Venezuela?
Você é muito nova, um dia você pode virar presidenta também. Então, eu vou te dizer como se deve comportar um presidente.
Eu, em janeiro de 2003, eu fui à posse do presidente do Equador. Na época, era um coronel do Exército chamado (Lucio) Gutiérrez, e nessa reunião o (ex-presidente da Venezuela Hugo) Chávez estava num conflito com os Estados Unidos. Eu chamei o Chávez para uma reunião e propus construir uma coisa chamada “Grupo de Amigos da Venezuela”, um grupo de pessoas que pudesse conversar e tentar encontrar uma solução com a oposição. E eu sugeri ao Chávez que entrassem os Estados Unidos e à Espanha.
A Espanha primeiro, porque o (José María) Aznar tinha sido o presidente da Espanha que tinha reconhecido o golpista da Venezuela [Chávez acusava Aznar de apoiar a tentativa de golpe contra ele 2002, o que o espanhol negava]. E o Bush, porque o Chávez falava para todo mundo que o Bush que tinha dado o golpe na Venezuela [Lula também se refere ao levante de 2002].
O Fidel Castro ficou muito nervoso e achou que estávamos entregando a Venezuela para os Estados Unidos. Eu tive uma reunião com o Fidel Castro e mostrei que só era possível ter um acordo se tivesse uma mesa de negociação com as pessoas que o Chávez não gostasse, mas que a oposição gostasse. Por isso, os Estados Unidos, e por isso, a Espanha.
O resultado é que nós tivemos um belo acordo. Os americanos colocaram o Colin Powell (então Secretário de Estado dos EUA) para participar das negociações, o Celso Amorim (chanceler do governo Lula) participou pelo lado brasileiro, e o dado concreto é que nós fizemos uma paz tranquila na Venezuela.
O senhor concorda então que tem que ter participação de autores externos? Que não é só o povo venezuelano que vai conseguir resolver a crise?
Sabe o que eu fico chateado, é que uma pessoa culta como você, é capaz de ver todos os erros do Maduro e não fala nada do embargo americano. O embargo americano chama-se genocídio!
Porque quando um país ganha uma batalha numa guerra, ela matou soldado. Mas quando você faz embargo num país como os americanos estão fazendo em Cuba há 60 anos, estão fazendo agora (na Venezuela), fizeram no Irã, você está matando crianças, mulheres e velhos.
É preciso que os americanos parem com essa história de embargo e de ameaçar o mundo inteiro. E eu acho que quem tem que resolver o problema da Venezuela, é o povo da Venezuela numa eleição. Agora, não dá para a estupidez de apoiar um tal de Guaidó [Juan Guaidó é presidente da Assembleia Nacional da Venezuela e se autoproclamou presidente do país, com apoio de diversas nações, inclusive o Brasil.]
Por Deus do céu, se essa moda pega, ninguém vai respeitar mais eleição em lugar nenhum.
Imagina os Estados Unidos apoiando (qualquer um) como o Guaidó. Um candidato que mundo achou que deveria ser candidato por quê? Ele não disputou as eleições.
Ele é presidente da Assembleia Nacional da Venezuela.
Mas não era Presidente da República. Tem que parar com isso. Eu achei uma pequenez do mundo, inclusive do Brasil. O Brasil é um país que pode ser gestor da paz aqui na América Latina, se tiver gente que queira paz. O Brasil chegou a ter um superávit comercial de quase US$ 5 bilhões com a Venezuela. O Brasil tem que ter um carinho muito grande com a Venezuela.
Eu passei muito tempo de minha vida telefonando pro Chávez e o (Álvaro) Uribe (ex-presidente colombiano) para manter a paz entre a Colômbia e Venezuela. Só para você ter ideia, a Condoleezza Rice (ex-Secretária de Estado dos EUA) fez uma crítica no jornal Miami Herald contra o Chávez, e o Chávez foi para a rua fazer uma passeata contra os americanos, eu liguei pro Bush.
Liguei e falei: “Bush, se você quer que o Chávez não faça passeata contra você, manda a sua secretária parar de escrever bobagem contra ele nos jornais americanos”. Sabe, pega o telefone, liga e conversa pessoalmente.
A maioria das brigas é por falta de conversa. O papel do Bolsonaro não era ficar falando a quantidade de asneira que ele falou ou o seu ministro (das Relações Exteriores, Ernesto Araújo), era ter pegado o telefone e ter ido falar com o Maduro. Tem coisa para dizer, diga na cara do presidente. Não fica brigando da forma mesquinha, pequena, medíocre que foi feita.
Infelizmente nosso tempo acabou.
Lula – Porque você quer, eu estou aqui, eu não estou nem vendo eles [Lula brinca com os agentes da PF e provoca risos entre os presentes.]
A Polícia Federal fixou este horário.
Lula – Eles não vão te prender. Eles podem me tirar daqui (da sala de entrevista). Mas deixa eu falar uma coisa, o Brasil tem um papel muito importante na América do Sul, na África. O Brasil tem que tomar cuidado, porque o Brasil era muito respeitado. Agora, quando você tem um governante que não se respeita, também ninguém respeita. Política é feita por seres humanos. Você conversa, dialoga.
O Brasil tem que perceber que a Venezuela é importante. Essa bobagem que o Bolsonaro acredita, na bondade dos Estados Unidos. Não tem um momento histórico em que os Estados Unidos fizeram um gesto de bondade para o Brasil. Não tem um, desde a Independência americana. O Brasil tem que acreditar é na sua força, é no seu povo, é na sua soberania, é na sua criatividade, e não ficar achando que alguém vai resolver o problema da nossa incompetência. Eu acho que o Bolsonaro tem que parar de falar bobagem e começar a governar esse país.
Presidente, obrigada por ter recebido a BBC para essa conversa. Espero que tenhamos outras oportunidades no futuro de fazer novas entrevistas com o senhor.
Olha, eu estou sempre à disposição. Espero que você tenha feito todas as perguntas que você queria fazer, e desculpa se não lhe respondi de agrado todas as suas perguntas. Muito obrigado.
Da FSP