Mulheres foram pioneiras na luta pela anistia na ditadura
Homens eram proibidos, por regimento, de participar do primeiro grupo nacional organizado para exigir da ditadura militar (1964-1985) a anistia de presos políticos e exilados.
Em abril de 1975, oito mulheres lideradas por Therezinha Zerbini (1928-2015), casada com um general, reuniram-se em São Paulo para redigir o manifesto do Movimento Feminino Pela Anistia (MFPA).
Elas precederam organizações que surgiriam mais tarde, como o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), em 1978. A Lei da Anistia foi promulgada em 28 de agosto de 1979, por João Batista Figueiredo (1979-1985), o último presidente do regime militar.
O texto escrito por elas dizia que o Brasil “só cumprirá sua finalidade de paz se for concedida anistia ampla e geral a todos aqueles que foram atingidos pelos atos de exceção”.
Não demorou para que surgissem os grupos espalhados por todo Brasil, o mais forte deles do Rio Grande do Sul, criado dois meses depois com presença da socióloga Lícia Peres (1940-2017) e da escritora Mila Cauduro (1916-2011).
Um abaixo-assinado pela anistia feito no mesmo ano reuniu 12 mil assinaturas, 8.000 delas obtidas pelas gaúchas. O estatuto do núcleo de Porto Alegre defendia que lutar pela anistia era também lutar pela “família brasileira”.
“À primeira vista, defender o reencontro das famílias separadas não parece frontalmente contrário ao regime. Era uma estratégia delas falar sobre política dando a impressão de que não se falava sobre. Era um período ainda muito perigoso para falar contra a ditadura. Mesmo com a abertura gradual prometida por Geisel, os mecanismos como o AI-5 [Ato Institucional nº 5], os órgãos de repressão, a Lei de Segurança Nacional, tudo continuava”, disse à Folha Carla Rodeghero, professora titular do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
As mães de filhos torturados ou assassinados pela ditadura tentavam sensibilizar os “gorilas”, como eram chamados os militares.
“Gorila não foi filho de chocadeira [sem mãe]. Mesmo os gorilas tinham mãe e havia um certo respeito. E quando a gente se investia do papel de familiar. Eu me investia do papel de mulher do general e eles se enquadravam, viu? Principalmente a mãe. Mãe todo mundo tem”, disse Zerbini à pesquisadora Ana Rita Fonteles Duarte, autora de tese de doutorado sobre o tema defendida na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2009.
“Como mães, elas passavam a exigir o reaparecimento dos corpos. Mostravam que as pessoas desapareciam nas mãos do Estado. As mulheres foram as protagonistas. Muitas delas encarnavam ao mesmo tempo o papel de esposa, de irmã, de filha de militantes, de colgas de desaparecidas ou eram militantes elas próprias”, afirmou Roberta Baggio, professora de direito constitucional na UFRGS e conselheira da Comissão da Anistia, entre 2007 e 2016.
Para Baggio, a Lei da Anistia acabou “não saindo como a anistia reivindicada” porque os “militares conseguiram fazer ao molde deles”.
A lei permitiu o regresso de diversos militantes que estavam exilados no exterior, mas deixou impune os crimes cometidos pelo braço repressor da ditadura.
Baggio afirma que, para uma transição democrática efetiva, a responsabilização dos agentes do Estado era necessária, colaborando para diminuir discursos de apoio à tortura que ainda persistem, por exemplo.
Reportagem da Folha mostrou que o ex-ministro da Justiça e da Defesa Nelson Jobim, atuou para evitar a evitar a revisão da lei. Ele foi ministro
Jobim foi ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) de 1995 a 1997, ministro do STF indicado por FHC de 1997 a 2006 e ministro da Defesa nos governos Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT) de 2007 a 2011.
“Nenhum ex-presidente quis enfrentar essa situação. Nem Fernando Henrique Cardoso, nem Lula, nem Dilma, nenhum. Quando vai jogando para baixo do tapete, uma hora esse tapete não aguenta mais e o que está embaixo vem à tona”, disse a professora da UFRGS.
Da FSP