O Brasil e a pós-verdade
Leia o artigo de Adhemar Bahadian, diplomata aposentado.
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O brasileiro, com fleugma londrina, está aprendendo a conviver com a pós-verdade, cognome moderno da mentira ou da lorota. Por exemplo, dizer fleugma londrina é uma pós-verdade. O londrino só é fleumático nos filmes noir. Na vida real, fleumático é o carioca, que não tem um ataque de nervos quando vê WW pulando de um helicóptero e saltitando na ponte Rio-Niterói como um Me-Tarzan, versão cabecinha.
A pós-verdade é irmã xifoide do neoliberalismo. Nela, a verdade é do tipo ”assim é se lhe parece“ ou como devia parecer-lhe. Exemplo: os economistas neoliberais defendem a tese de que a redução dos impostos para os super-ricos resulta inexoravelmente no aumento da atividade econômica. Quando isso não acontece e os super-ricos se tornam mais ricos os economistas neoliberais procuram um bode expiatório. O bode do dia atende pelo nome de “dever de casa”. A Argentina está quebrando porque Macri foi tímido e não fez o dever de casa. A teoria neoliberal continua seu caminho ceifador impávida.
No Brasil, a pós-verdade veio entrando meio temerosa e fazia no início piruetas tímidas. Foi no reinado de Meirelles II que se desvestiu e despudorou, nos presenteando com duas engenhosas maquinações. Uma conhecida como teto de gastos e outra como reforma trabalhista. As duas nos foram apresentadas como indutoras de uma governança (outra pós-verdade) sadia das contas públicas e identificadas com o mais moderno nos laboratórios da engenharia neoliberal.
Com a entrada no proscênio de Guedes, cavaleiro de Chicago, membro da ordem terceira dos financistas de fino trato, posto Ipiranga dos comboios funéreos, a pós-verdade ganhou foros de sacrossanta iluminação.
Guedes saiu mundo afora a tocar trombetas em feira prévia e indecorosa das riquezas nacionais em hasta pública. Risonho, senhor do pedaço, mestre onipotente da escassez e da abundância, fez do país o país da chacota e da cupidez nos sombrios e atapetados salões de Wall Street.
Em pistas paralelas, mas não de menor importância, corriam três caleches vistosas que nos convenciam, uma, que a educação pública estaria contaminada pelo micróbio ideológico, outra, que o meio ambiente e as mudanças climáticas nada mais seriam do que delírios de uma gentalha desinformada a serviço da exploração da Amazônia. Enfim, a terceira, em passo moroso, a decretar que, na pós-verdade, a segurança jurídica depende de ponto de vista. Às vezes, estrábico.
No controle dos microfones para o mundo, Araújo anunciava o nascimento de um novo Messias no Brasil, que juntamente com seu irmão do Norte, prenunciavam a nova era do renascimento ocidental da cultura judaico-cristã. E nos apontava a rota da servidão fundamentalista.
E embalados pelos cânticos desses anjos da guarda-neoliberais, fomos todos a dormir o sono dos que fizeram justiça nas urnas, elegendo para a condução do país gente de tão alto coturno, luminares das ciências e das artes do bom governo, livres dos bacilos degenerativos da corrupção e da mentira.
Acordamos a 23 de agosto em meio a um Deus-me-acuda. Fogo e passeatas percorriam as mentes e o planeta. As embaixadas brasileiras pichadas como nunca e as gentes ditas civilizadas a cantar canções impensáveis contra as políticas de um país até então admirado e benquisto por gregos e troianos.
Ao som indecoroso do primeiro movimento, dito lento com brio, da sinfonia do panelaço Brasil afora, a pós-verdade esconde sua cara pálida e seu sorriso banguela.
O desemprego chega a imorais milhões, doenças infantis erradicadas fazia décadas, ameaçam a alegria de lares pobres, mães subnutridas conhecem a infelicidade da morte prematura, delas e de sua prole. Os índices de desemprego e de mortalidade infantil e até mesmo os dos níveis pluviométricos são apresentados como fake news por certa imprensa vendida a ser extinta. Os números são demitidos a bem do serviço público.
O pessoal do agro, tão confiante e pomposo, começa a ver nas cinzas da floresta o espectro das barreiras à exportação dos suínos, das sojas e das carnes. E os rios de dólares a buscar novos afluentes .
E Guedes, tão caladinho este últimos tempos, baixa uma orientação fundamental. Fica proibido o cafezinho.
Mas, os grandes investidores já estão batendo à porta. De saída.
Do JB