Prisão de líderes sem-teto coloca movimento em risco

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Ocupação 9 de Julho busca cessão de edifício no centro de SP

Um pedido de prisão de líderes de organizações por moradia em São Paulo suscitado por acusações de extorsão em ocupações, algumas delas com fim trágico, coloca em xeque o destino de movimentos que vêm recuperando edifícios ociosos no centro da cidade.

Segundo especialistas em habitação, ao generalizar os movimentos, a decisão pode pôr por terra algumas soluções implantadas com efeitos positivos.

Na denúncia, o promotor Cássio Conserino utiliza casos notórios de ocupações associadas a condutas criminosas —como a do antigo Cine Marrocos e a do prédio Wilton Paes de Almeida— para concluir que o mesmo ocorreria em outras ocupações.

Com base na denúncia, a Justiça de São Paulo determinou, no início deste mês, a prisão preventiva de nove líderes de diferentes movimentos de moradia na capital paulista. Manteve, também, a prisão de outros quatro detidos em junho.

Na denúncia, o promotor afirma que “operações policiais já culminaram com a prisão de membros do PCC em ocupações ‘sem-teto'”, em alusão à ação contra o tráfico de drogas no Cine Marrocosem 2016. O local era ocupado pelo movimento MSTS, grupo que não consta na denúncia atual.

Ele nega, contudo, que busque deslegitimar os movimentos: “Não se pretende criminalizar movimentos sociais que, em tese, deveriam ser legítimos; ao contrário, se pretende criminalizar, com forte investigação, os responsáveis pelas condutas criminosas e que se escondem sob o pálio de tais movimentos para extorquir toda sorte de vítimas, fazendo-os sob modelo de organização criminosa”, escreve na denúncia.

A decisão da Justiça distingue cinco movimentos: MLSM, MMPT, FLM, MMCR e TNG. O primeiro ocupava o Wilton Paes de Almeida, prédio que desabou em maio de 2018 após incêndio, resultando em sete mortes.

Dos líderes que tiveram a prisão preventiva decretada, quatro são do MLSM: Ananias Ferreira dos Santos, Andreya Tamara Santos de Oliveira, Josiane Cristina Barranco e Hamilton Coelho Resende.
Ananias é apontado como chefe do grupo, acusado de extorquir moradores com ameaças e violência. Os demais pertencem a outros movimentos.

Em outro trecho, Conserino diz que conversas de ativistas grampeados “demonstram claramente a relação umbilical envolvendo integrantes de movimentos sociais com integrantes de facção criminosa”.

Os diálogos, gravados pela Polícia Civil de São Paulo, envolvem Edinalva Silva Franco, do MMPT, presa em junho. Na conversa, ela menciona os “irmãos” (gíria para o PCC) para lidar com um caso de pedofilia em uma ocupação.

Ainda segundo a denúncia, Manoel del Rio, suplente do PT na Câmara Municipal, seria “uma espécie de líder de todos os movimentos”, e os moradores das ocupações seriam constrangidos a comparecer a manifestações pró-PT.

Em nota, a presidente nacional do partido, Gleisi Hoffmann, alega que as investigações e a denúncia foram conduzidas para incriminar os movimentos e o PT.

“O promotor à frente do caso, Cássio Conserino, é notório antipetista, apresentou falsas denúncias contra a família do ex-presidente Lula e foi condenado a indenizá-lo por calúnia”, afirma Gleisi. A deputada diz ainda que a decisão judicial sobre a prisão preventiva de Manoel del Rio se ampara em alegações falsas.

Especialistas em política de habitação veem risco na forma como o processo avança.

Para esses estudiosos, as ocupações de prédios ociosos oferecem uma solução de habitação na metrópole, e exemplos bem-sucedidos podem, agora, se perder ao serem equiparados a ocupações onde há atividade criminosa.

“Fazer moradia popular na periferia é dizer que o lugar das pessoas é lá. Quando você dá a oportunidade ao cidadão de morar perto de onde tem metrô, onde tem serviços, é um processo de inclusão social”, afirma Francisco de Assis Comarú, professor do curso de engenharia ambiental e urbana da UFABC.

Comarú afirma que o Ministério Público e o sistema de Justiça estão “misturando um pouco as coisas”. “Essas famílias prestam um serviço de acolhimento que o Estado deveria prestar, no direito à moradia. A sociedade civil se organiza para solucionar [esse problema] e o Estado vem e promove esse ato de criminalização. É preocupante.”

Para Celso Sampaio, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, a denúncia é “bastante injusta”.

“A arrecadação com os moradores é compactuada em assembleia, é apresentado o destino dos gastos”, diz o professor que há três décadas trabalha com habitação de interesse social, assessorando ocupações que reabilitam prédios.

Luis Octavio de Faria e Silva, da Escola da Cidade, classifica a peça judicial de “reducionista” e vê preconceito. “Tem vários movimentos extremamente organizados.”

“É uma investigação generalizada de uma série de movimentos sociais com lideranças diferentes, formas de atuação diferentes e ocupações diferentes”, afirma o advogado Augusto Arruda Botelho, que defende Janice Ferreira Silva, da Ocupação 9 de Julho e também presa em junho.

A Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP vê um motor político na ação do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais) e deve emitir um parecer a respeito em setembro, após debate.

Na próxima quinta (22), o Tribunal de Justiça deve julgar pedidos de habeas corpus dos acusados.

Na semana passada, uma das acusadas, Carmen Silva Ferreira, líder da FLM/MSTC, foi absolvida pela segunda vez em outro processo por extorsão. Seu advogado, Ariel de Castro Alves, nega que ela tenha laços com o grupo de líderes do edifício Wilton Paes de Almeida.

MOVIMENTOS DOS ACUSADOS

MLSM – Movimento de Luta Social por Moradia
Grupo que era responsável pela ocupação do Wilton Paes de Almeida, edifício que desabou após incêndio em 2018

FLM – Frente de Luta por Moradia/MSTC – Movimento dos Sem-Teto do Centro
A FLM atua em diversas ocupações do centro, como a do Hotel Cambridge, e é uma espécie de guarda-chuva de outros movimentos, como o MSTC, da Ocupação 9 de Julho

MMPT – Movimento de Moradia para Todos
Coordena edifícios no centro e na Mooca

MMCR – Movimento Moradia Centro e Região
Ocupa prédios em vias como as avenidas Ipiranga e Rio Branco, além do Brás

TNG – Terra de Nossa Gente
Atua em prédios no Jardim Paulista e na Vila Buarque

Da FSP.