A investigação do STF sobre fake news chegou à Lava Jato
A investigação do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre fake news chegou à Lava Jato. O inquérito sigiloso instaurado em março na Corte também apura quem são os responsáveis pela instalação de uma placa em homenagem aos cinco anos da operação de combate à corrupção numa via de acesso ao aeroporto Afonso Pena, na região metropolitana de Curitiba (PR).
O outdoor continha fotos de então membros da Lava Jato, incluindo o procurador da República Diogo Castor de Mattos. Abaixo das imagens, havia os dizeres: “Bem-vindo à República de Curitiba, terra da Lava Jato, a investigação que mudou o país”.
De acordo com mensagens obtidas pelo “The Intercept Brasil”, o próprio Castor pagou pela propaganda. Conversas mantidas entre integrantes da Lava Jato apontam que o procurador contou a seus colegas ter custeado o outdoor. Depois disso, deixou a força-tarefa da operação alegando necessitar de tratamento de saúde.
Documentos sobre a contratação do outdoor, entretanto, apontam que a peça foi encomendada em nome de João Carlos Queiroz Barbosa. Ele é músico, diz não ter relação com a Lava Jato e nega ter pago pela placa.
A Outdoormídia, empresa que instalou o outdoor da Lava Jato, admite que alguém, usando indevidamente os dados de Barbosa, pode ter encomendado o outdoor. Caso isso realmente tenha acontecido, o caso poderia ser tratado como um crime de falsidade ideológica no inquérito do STF sobre fake news.
Diogo Castor foi procurado pelo UOL para falar do outdoor, mas não quis se manifestar.
STF pede esclarecimentos
O interesse do STF sobre o outdoor da Lava Jato não era público, mas existe pelo menos desde abril. No dia 2 daquele mês, a Outdoormídia recebeu um ofício da Superintendência da PF (Polícia Federal) do Paraná mencionando a apuração em curso no Supremo e pedindo esclarecimentos sobre a propaganda.
O advogado Luis Gustavo Ferraz, que trabalha para a Outdoormídia, elaborou as respostas enviadas à PF. “A empresa não tem nada a esconder”, disse ele, ao UOL. “Recebemos o ofício, que fazia menção ao inquérito 4781 do STF, e enviamos os esclarecimentos à PF, junto com todos os e-mails e documentos relacionados à contratação do outdoor.”
De acordo com Ferraz, os documentos encaminhados apontam que a placa da Lava Jato foi mesmo contratada em nome de João Carlos Barbosa, via e-mail. O pagamento de R$ 4.100 pela propaganda foi feito por boleto bancário.
“A empresa recebeu um pedido. Foram solicitados dados do contratante, a imagem que seria exibida e a confirmação do pagamento”, relatou Ferraz. “Tudo foi feito. Não imaginávamos que alguém pudesse usar dados de uma outra pessoa.” Barbosa, o suposto contratante, conversou com o UOL. Ele negou ter encomendado a placa. Disse, aliás, que alguns de seus dados pessoais usados para a contratação da peça estão incorretos.
Ele também foi chamado pela PF a prestar esclarecimentos sobre o outdoor. No dia 11 de abril, depôs na sede da superintendência do órgão em Curitiba. Lá, também negou sua participação na instalação da propaganda.
Barbosa prestou depoimento respondendo a uma carta precatória enviada de São Paulo. Quando o STF instaurou o inquérito sobre as fake news, o ministro relator do caso, Alexandre de Moraes, determinou que delegados da PF paulista atuassem na investigação.
A PF foi procurada para dar mais informações sobre os depoimentos, mas não quis se pronunciar.
O STF informou que o inquérito sobre as fake news é sigiloso. Por isso, não deu detalhes sobre o andamento da investigação.
Procurada pelo UOL, a força-tarefa da Lava Jato informou que nenhum integrante da operação foi ouvido no inquérito. Ressaltou, porém, que Diogo Castor não integra mais a força-tarefa. Ele, pessoalmente, não quis se pronunciar.
A Lava Jato comunicou o afastamento de Castor da operação no dia 5 de abril, três dias depois de a Outdoormídia ser procurada pela PF para prestar esclarecimentos sobre o outdoor. A força-tarefa ratificou que o afastamento dele ocorreu a pedido do próprio procurador e teve como base um atestado médico.
Investigação polêmica
O inquérito do STF sobre as fake news foi aberto pelo presidente da Corte, ministro José Dias Toffoli, em 14 de março. No mesmo dia, o STF fixou em julgamento que crimes com alguma conexão com eleições deveriam ser julgados na Justiça Eleitoral.
O entendimento do STF sobre o tema desagradou membros da Lava Jato. Antes mesmo de o Supremo se reunir para definir a competência da Justiça Eleitoral, integrantes da operação haviam afirmado publicamente que a Justiça comum é que deveria julgar casos com alguma relação com a eleição, mas não diretamente ligados ao processo eleitoral.
No dia 9 de março, por exemplo, o procurador Diogo Castor publicou um artigo no site “O Antagonista” falando sobre o julgamento programado para ocorrer no STF. No texto, ele dizia que o Supremo ensaiava “o mais novo golpe à Lava Jato” e mencionava a possibilidade de “ataques covardes engendrados nas sombras”.
O artigo foi duramente criticado na sessão do STF em que foi aberto o inquérito sobre as fake news. O ministro Gilmar Mendes chamou membros da Lava Jato de “cretinos”.
Por causa deste contexto, o inquérito passou a ser visto por membros da operação como uma ameaça. O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, o procurador da República Deltan Dallagnol, disse em entrevista coletiva dois dias após a abertura da investigação que ela poderia colocar em risco o direito de liberdade de expressão.
Já a ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), órgão que representa os integrantes do MPF (Ministério Público Federal), entrou com um mandado de segurança no STF pedindo a suspensão do inquérito pois o considerou inconstitucional. Na ação, a PGR (Procuradoria-Geral da República) enviou parecer ao Supremo comparando o inquérito a um “tribunal de exceção”.
O ministro Toffoli, entretanto, defendeu a investigação da Corte no último dia 18, em entrevista ao canal “GloboNews”. Disse que o procedimento conseguiu detectar “ameaças gravíssimas” a ministros do Supremo e cidadãos.
Falsidade deve ser apurada
O advogado e professor de Direito de Penal da UFPR (Universidade Federal do Paraná) Francisco Monteiro Rocha Júnior ratificou que há dúvidas legais sobre o inquérito aberto pelo STF. Como o procedimento é sigiloso e de caráter único, ele poderá vir a ser muito questionado por supostos investigados.
Rocha Júnior ressaltou, entretanto, que não há como negar que há uma investigação em curso. E esta investigação deve apurar todos os possíveis crimes com os quais ela venha a se deparar. “Se o STF investiga o outdoor e descobre que alguém o contratou usando um nome falso, isso pode ser falsidade ideológica”, afirmou. “O possível crime deve ser apurado no mesmo inquérito.”
O crime de falsidade está previsto no Código Penal Brasileiro. Nos casos em que ele ocorre em documentos particulares, como na contratação de um serviço, o criminoso está sujeito a uma pena que varia de um e três anos de prisão, mais multa.
O advogado Walter Bittar disse que, por ser um crime de pequeno potencial ofensivo, dificilmente alguém seria preso por tê-lo cometido. Dependendo do histórico do réu, é possível até que o processo seja extinto após o cumprimento de algumas condições.
Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, também advogado criminalista, afirmou que qualquer possível punição será discutida numa ação penal. Depois da conclusão do inquérito, o que for apurado deve ser encaminhado à PGR para que o órgão avalie e ofereça denúncias contra os supostos criminosos.
Investigação administrativa
Além do STF, o CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) também apura quem são os responsáveis pela instalação do outdoor da Lava Jato. O órgão é encarregado de fiscalizar e controlar a atuação de membros do MP (Ministério Público).
Uma primeira apuração do CNMP sobre o caso foi instaurada na época da instalação do outdoor e a pedido do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu, que viu violação nos princípios de impessoalidade na propaganda.
Esta apuração foi arquivada em abril pois o CNMP não viu indícios de que membros do Ministério Público tivessem custeado a propaganda.
Em agosto, entretanto, após a divulgação de conversas mantidas por membros da Lava Jato pelo “The Intercept Brasil”, o Centro de Foz do Iguaçu voltou a pedir que o Conselho investigue o outdoor. Nas conversas, é possível ver que Deltan Dallagnol chegou a informar o corregedor-geral do CNMP, Oswaldo José Barbosa Silva, sobre a confissão de Castor a respeito do pagamento da propaganda no dia 5 de abril. Mesmo assim, a apuração sobre o caso foi arquivada no dia 23 do mesmo mês.
Após novo pedido de apuração, a Corregedoria Nacional do Ministério Público, ligada ao CNMP, afirmou que abriu outro procedimento para investigar a propaganda. Ele está em “em tramitação inicial”. “Não há data para o corregedor nacional do MP levá-lo ao plenário”, disse o órgão.
Neste caso, contudo, a investigação é administrativa, não criminal. Caso sejam constatadas irregularidades em atos de membros do MP, eles podem ser suspensos ou perder os cargos.
Do UOL