Atacando indígenas, Bolsonaro causa atentado humanitário
Está em andamento no Brasil um dos mais graves atentados humanitários da história das Américas desde no início de sua colonização. O agressor tem nome, sobrenome, apelido, patente militar e cargo de mandatário: Jair Messias Bolsonaro, o “Mito”, capitão reformado do Exército e presidente da República. A vítima é a população indígena, composta hoje por aproximadamente novecentas mil pessoas distribuídas em trezentas e cinco etnias que falam duzentos e setenta e quatro idiomas. Nunca a situação desse povo foi tão dramática! Nunca foi tão trágica! Nunca os indígenas estiveram numa condição tão arriscada de se verem fisicamente dispersados e, em decorrência disso, inevitavelmente marginalizados — senão mortos de fome, despejados de suas terras em que cultivam o que comem. Motivo: Bolsonaro os enxerga feito uma ameça à segurança nacional, e, aqui, vale indagar: novecentas mil pessoas estariam colocando em risco a segurança e a soberania de mais de duzentos e dez milhões de habitantes? A hipótese é hipócrita, mentirosa e criminosa. O olhar do “Mito”cresce, mesmo, é nas terras, e sua estratégia é de guerrilha: asfixiar os indígenas territorialmente a partir de decretos revendo, impedindo e cancelando demarcações de terras, e nelas permitir que garimpeiros, reis do gado e grileiros façam a festa. Na próxima semana, ameaça o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o governo apresentará um projeto de regulamentação desses territórios. Na ideologia totalitária do capitão reformado, explicitada em sua fala desconectada da realidade, as terras indígenas demarcadas, equivalentes a 14% do nosso solo (que o presidente julga ser solo unicamente dele), “inviabilizam o País”.
Em reunião com governadores da Amazônia Legal, que engloba nove estados da área da bacia Amazônica, Bolsonaro despejou um amontoado de teorias preconceituosas: “muitas reservas têm aspecto estratégico. Alguém programou isso (…), o índio (sic) consegue 14% do território nacional, uma das intenções é nos inviabilizar”. Ao longo da história, não se pode dizer, conforme alerta o escritor e professor honoris causa da Universidade Federal de Juiz de Fora, Ailton Krenak, que o “povo indígena, no Brasil, tenha deixado algum dia de ser vítima da ação do Estado”. Ocorre, porém, que a questão chegou agora à fronteira que põe de um lado a lei e, do outro, a prática de crime contra a humanidade. Com a ira de quem concebe o indígena como sub-humano, comparável somente aos personagens (vejam bem, personagens) tão bem interpretados por John Wayne e nos quais brota sangue nos olhos quando nos filmes se deparam com apaches, o “Mito” foi além e chamou seus idealizados adversários de incendiários: “(…) se eu demarcar terras agora, pode ter certeza, o fogo acaba na Amazônia”. Inacreditável! Inaceitável! Caluniar indígena virou política de Estado.Louco a incomodar
O capitão, é claro, se esquece de que a Constituição brasileira, em seu artigo 231, recepciona o “direito permanente dos povos indígenas” às terras que ocupam e deixa claro que lhes cabe “o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes”. Ou seja: o presidente não entendeu que não foi somente para os caras pálidas que os constituintes fixaram o inalienável direito à propriedade e à figura jurídica do direito adquirido. “A Constituição visa a respeitar as especificidades culturais e colocar os índios no futuro do País, não no passado, com a diversidade indígena como parte da identidade brasileira”, diz André Villas-Bôas, secretário-executivo do Instituto Socioambinetal. Pela Lei maior do País, não é vedada a exploração mineral nessas terras, mas ela só pode se dar pelos próprios indígenas e com a aprovação do Congresso. É aí que existe um nó. A Constituição pede, em seu texto, uma lei complementar para clarificar essas regras. Desde a sua promulgação em 1988, nada nesse sentido foi votado pelos parlamentares. Tal omissão faz crescer o garimpo clandestino em regiões demarcadas, e, para se ter uma ideia, não menos que vinte mil garimpeiros exploram atualmente o chão ianomâmi. Também o artigo 176, do qual o governo pretende se valer, carece de lei específica. Nada é tão fácil quanto Lorenzoni quer fazer crer.
Da Isto É.