Bolsonaro discursou na ONU para Twitter e Facebook

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Foto: reprodução

Por Reinaldo Polito

Bolsonaro foi quase previsível no seu discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU. Alguns temas que ele abordou já eram esperados. Sabíamos que ele tocaria nas questões da Amazônia, especialmente com relação às queimadas, à demarcação de terras indígenas e à soberania.

Foi surpreendente, entretanto, o tempo dedicado aos temas ideológicos –não poupando acusações aos países de tendência esquerdista, como Cuba e Venezuela–, a maneira como criticou os governos do Brasil que o antecederam, a forma como atacou os países que o criticaram e a ideia de ler a carta da índia Ysani Kalapalo.

As críticas ao PT foram a parte do discurso para o público interno. Nesse momento, ele falava para os brasileiros. Não dá para imaginar que aquela plateia soubesse o que significam “os petistas”. Talvez um ou outro, mas a maioria, com certeza, não tem a mínima ideia do que se trata.

A leitura da carta foi uma ótima decisão, pois, além de refutar as críticas sobre as demarcações de terras indígenas, constituiu-se num bom recurso de oratória. Naquele instante, a atenção dos ouvintes já deveria ter caído um pouco, o que é natural nos discursos. Esse era o momento de apresentar uma novidade. Ao deixar de lado o teleprompter para fazer a leitura da carta, conseguiu recuperar a concentração dos ouvintes, que talvez estivesse se perdendo. Quem teve a ideia acertou.

Foi o melhor discurso de Bolsonaro

Esse foi o melhor discurso de Bolsonaro, tanto pelo conteúdo quanto pela forma. Eu que o tenho criticado inúmeras vezes não só pela maneira agressiva como tem-se expressado em pronunciamentos e entrevistas, chegando ao extremo de usar palavrões, não condizentes com a liturgia do cargo, e também pelo péssimo desempenho oratório, especialmente diante do teleprompter, hoje preciso dizer que ele se superou.

Só como comparação, não deixou a desejar nada quando comparado a Donald Trump, que tem vasta experiência em se comunicar diante de plateias e pela televisão. Bolsonaro foi firme, sem ser agressivo. Usou a emoção na medida certa, de acordo com a mensagem transmitida. Não truncou as frases durante a leitura e distribuiu com perfeição a comunicação visual de um lado para o outro do público, demonstrando bom domínio do teleprompter.

Talvez tenha seguido as sugestões de que precisaria treinar muito para se expressar bem diante do teleprompter. Lógico que ainda pode melhorar, mas seu desempenho, diante das dificuldades que as circunstâncias impuseram, foi excelente.

Seguiu à risca a cartilha do bom debate. Num debate temos a tese e a antítese. Do choque dessa oposição de ideias, o que não for destruído servirá para a síntese, para o julgamento.

Nos últimos tempos, Bolsonaro, e obviamente o Brasil, já que ele é o nosso presidente, sofreu os ataques mais variados, sendo até chamado de mentiroso pelo presidente francês, Emmanuel Macron. Vários outros países e boa parte da imprensa internacional se juntaram a essas críticas, pleiteando inclusive um “status internacional da Amazônia”.

A Alemanha, por exemplo, só recolheu as armas pouco antes da reunião do G7. E o fez por conveniência, já que tem muito interesse no acordo do Mercosul com a União Europeia. Os negócios são promissores.

Bolsonaro refutou cada um dos argumentos contrários, sem se exaltar, mas com a eloquência exigida pelo momento e pelo tema. Se conseguiu ou não destruir todos os ataques contrários, não sabemos, mas fez de tudo para combatê-los. É uma demonstração de que as críticas que tem recebido pela forma como se comunica não são infundadas. Ele pode e deve se expressar com mais equilíbrio, como se expressou.

O problema do Macron não é com Bolsonaro

Outra questão a ser considerada também é que os ataques que o presidente francês fez a Bolsonaro vão além de um mero confronto pessoal com o presidente brasileiro, pois indica também uma tentativa quase desesperada de melhorar sua popularidade, que anda ladeira abaixo junto à população francesa.

Da mesma forma, pode-se dizer que a resposta agressiva de Bolsonaro contra Macron não teve como alvo apenas o presidente francês. Foi uma estratégia bem pensada para conquistar o apoio de parte da população brasileira. Esse clima de contenda ainda não foi arrefecido, e talvez não tenha solução a curto prazo.

Como dizia Jânio Quadros, no relacionamento internacional e nas questões políticas não existe amizade, mas sim conveniências. Cá entre nós, todavia, não dá para imaginar um jantar a quatro, com os dois presidentes e as respectivas senhoras.

Os encontros paralelos

O que pouca gente comenta, contudo, é que, embora o discurso de abertura do presidente brasileiro na Assembleia Geral da ONU seja extremamente importante, pois será divulgado e discutido em todo o mundo durante um bom tempo, lá estão também quase 200 chefes de Estado, responsáveis pelas nações mais importantes do planeta.

A saúde de Bolsonaro não está lá 100%, mas ele vai precisar se desdobrar para manter contato com muitos desses chefes de Estado. É nessas reuniões que são feitos acordos, se afastam discórdias e se aproximam os interesses. Em nenhum outro evento há a oportunidade de se encontrar tanta gente relevante para o relacionamento internacional.

Nesses encontros não existe espaço para bravatas ou amadorismo. Com certeza, a diplomacia brasileira já providenciou essas aproximações com os países que mais nos interessam. Sem contar os encontros imprevisíveis que sempre ocorrem. Forçar uma rápida conversa em corredores não chega a ser nada anormal.

Bolsonaro será criticado de qualquer maneira

Realizei uma pesquisa criteriosa a respeito dos comentários feitos nos dias que antecederam à Assembleia Geral da ONU. Ouvindo as diversas correntes de pensamento, cheguei a uma conclusão curiosa: não importaria o desempenho de Bolsonaro com seu discurso, haveria críticas contra ele.

Embora tivesse prometido fazer um discurso conciliatório e afirmado que não iria brigar com ninguém (cumpriu sua promessa!), alguns temas se mostravam explosivos de antemão. Os temas que Bolsonaro abordou eram obrigatórios. Não poderia fazer seu pronunciamento sem mencionar os assuntos que mencionou. Ocorre que, pelo clima beligerante que antecedeu o encontro, essas matérias se apresentaram como verdadeiro combustível para o relacionamento do Brasil com alguns países.

Por tudo o que ouvi, muitos já estavam descendo a madeira em Bolsonaro por causa da sua defesa a favor da soberania brasileira na questão amazônica. Outros, mais furiosos ainda, não admitem que ele diga que as queimadas são culturais, que ocorrem desde sempre, e que estão dentro da média dos últimos anos. Fazem coro com Macron e o chamam também de mentiroso. Portanto, esses vão continuar falando mal do presidente, independentemente da mensagem transmitida em seu discurso.

Por outro lado, os adeptos do governo ficaram com a orelha em pé. Exigiam que ele batesse de frente com os europeus e mostrasse as garras para aqueles que “desejam se apropriar das riquezas do nosso país”. Se não tratasse desses temas, ficariam decepcionados e não poupariam críticas ao seu líder.

Ou seja, nessa passagem de Bolsonaro por Nova York, abrindo a Assembleia Geral da ONU, como é tradição, a situação é: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

Contra fatos não há argumentos. Quase sempre, pois se os opositores forem mal-intencionados, não há números, pesquisas e estatísticas que resistam. Mesmo assim, Bolsonaro se dispôs a mostrar os números reais da situação amazônica. Dessa forma, aqueles que foram influenciados por informações deturpadas poderão refletir com mais sensatez a respeito da situação.

Vamos aguardar as consequências desse evento. Como eu disse, a partir de hoje teremos muita gente criticando, e outro tanto elogiando. O que importa mesmo é se pudemos estabelecer bons contatos e iniciar a negociação para ótimos acordos. O resto fica no pacote das questões ideológicas.

Do UOL