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Censura da prefeitura em Bienal é contra lei, dizem juristas

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Advogados e especialistas concordam que o prefeito Marcelo Crivella não tem poder de suspender a circulação da Bienal de uma revista em quadrinhos que retrata um beijo entre dois homens.

Nesta quinta-feira (5), Crivella determinou que a HQ “Vingadores: A cruzada das crianças” fosse recolhida da feira do livro, que acontece no Riocentro, por ter “conteúdo sexual para menores”. Nesta sexta, ameaçou cancelar o evento caso a obra, que já se esgotou, não esteja lacrada.

No início da tarde desta sexta-feira (6), dez funcionários da Secretaria Municipal de Ordem Pública (SEOP) chegaram à Bienal do Livro, que está sendo realizada no Riocentro, para identificar e lacrar livros considerados “impróprios”. A operação, que aconteceu após o prefeito Marcelo Crivella mandar recolher HQ com beijo entre dois homens, durou até 14h e não apreeendeu nenhuma obra. Em nota divulgada após o encerramento da ação, a Bienal do livro informou que entrou “com pedido de mandado de segurança preventivo no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (…) a fim de garantir o pleno funcionamento do evento e o direito dos expositores de comercializar obras literárias sobre as mais diversas temáticas – como prevê a legislação brasileira”.

Paulo Roberto, professor Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional da UFF, entende que o prefeito contrariou valores constitucionais e, portanto, incindiu na lei de improbidade administrativa, categorizada pela violação dos princípios constitucionais.

— Hoje existe entendimento jurídico que famílias podem ser compostas por pessoas homoafetivas, e a Constituição é clara ao não discriminar ninguém em função de sexo — afirma Paulo Roberto, reforçando que beijo gay não categoriza “material imprório”, como descrito no ECA (Estatudo da Criança e do Adolescente).

O que diz o Estatudo da Criança e do Adolescente

Nesta sexta, a Prefeitura informou em comunicado ter notificado a Bienal por meio da Seop (Secretaria Municipal de Ordem Pública), com base nos artigos 74 a 80 do ECA.

“A Prefeitura entendeu inadequado, de acordo com o ECA, que uma obra de super-heróis apresente e ilustre o tema do homossexualismo (sic) a adolescentes e crianças, inclusive menores de dez anos, sem que se avise antes qual seja o seu conteúdo.”

O ECA, no entanto, não cita homossexualidade em nenhum ponto. Diz que “material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada” e exemplifica com “cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente”.

A revista da Marvel mostra dois homens, totalmente vestidos, se beijando.

A nota da Prefeitura ameaça apreender a obra e até mesmo cancelar a Bienal caso a revista não esteja lacrada.

Silvana do Monte Moreira, Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da OAB, Suzana do Monte Moreira, reiterou que “a Prefeitura não tem o poder de busca e apreensão” e condenou o ato:

— Em 2019, a homofobia tornou-se crime, equiparável ao racismo. É um ato inicialmente arbitrário que traz homofobia e preconceito. Também é um ato velado de censura — disse Silvana.

Nesta sexta, funcionários da Prefeitura foram à Bienal do Livro fazer vistoria em busca de material “impróprio”.

— A postura do Crivella é inconstitucional ao querer censurar obra de ficção por não gostar de seu conteúdo — diz Paulo iotti, doutor em Direito Constitucional e diretor-presidente do GADvS (Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero). — Risível a afirmação de que um beijo gay implicaria em sexualuzação de crianças, já que beijos héteros nunca foram vistos como tais. Pura homofobia de uma pessoa intolerante com tudo aquilo que não se enquadre nos dogmas religiosos de sua crença.

Para Deborah Sztajnberg, advogada especializada em direito autoral e autora do livro “Cala boca já morreu: a censura judicial das biografias”, a atitude do prefeito pode ser considerada como censura:

— Quero crer que a Constituição ainda seja válida. Lá diz, textualmente, que acabou censura no Brasil — afirmou a advogada. — Uma decisão como essa precisa ser tomada por via judicial ou por decreto, mas de toda a forma é totalmente equivocada. É censura. O prefeito governa para uma cidade inteira, e não para uma parcela da população que compactua das crenças dele.

De OGlobo