Janot fomenta a violência dos covardes armados
Ao revelar que foi armado ao Supremo Tribunal Federal para matar o ministro Gilmar Mendes e, depois, cometer suicídio porque irritou-se com suspeitas que teriam sido lançadas contra sua filha, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot estimulou um rosário de brasileiros frustrados e violentos a continuarem tomando caminho igual para resolverem seus problemas.
Afinal de contas, se uma das mais altas autoridades da República confessa que quase “lavou a honra da família com sangue”, por que o cidadão comum teria que respeitar a lei?
Não importa se o que contou é mentira ou verdade, o resultado é o mesmo, uma vez que ele publicizou a história em seu novo livro, complementando-a em entrevistas concedidas a veículos de comunicação
E havia outras formas de jogar sua biografia na lata do lixo, não sendo necessário arrastar um naco da sociedade junto com ele. Com isso, estimula um dos países mais violentos do mundo, em que parte da população resolve suas diferenças na bala ou na ponta da faca, a buscar alternativas que estejam fora do Estado Democrático de Direito.
O recado que transmite é que sua passagem pela Procuradoria-Geral da República, em que prometeu zelar pela Constituição Federal, foi um grande teatro. Pois, no fundo, sentia-se acima do bem e do mal. Pior: sentia-se com poder de decidir quem deve viver e quem deve morrer.
Caso ele realmente tivesse pensado em cometer tal loucura, passados dois anos desde que deixou o cargo, deveria guardar a informação para si mesmo e seu analista ou padre confessor. Preferiu divulgar a história, o que – talvez – lhe garanta algum apoio junto ao naco acéfalo do lavajatismo, que vive pedindo a cabeça de ministros do STF, mas trará repulsa para qualquer ser racional.
Dados do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo, mostram que, desde 2013, o Brasil caminhou para um estado de ultrapolarização. Desumanizamos quem defende posicionamentos diferentes dos nossos, defendemos que sejam calados e extirpados. Após a execução da vereadora Marielle Franco, muitos foram os idiotas que celebraram ou minimizaram o horror de sua morte. O ataque a tiros aos ônibus da caravana que o ex-presidente realizou na região Sul seria rechaçado por todos em qualquer democracia decente – o que não foi o caso por aqui, dada a quantidade de comemorações. A facada sofrida por Bolsonaro foi lamentada por pessoas que queriam que ela tivesse terminado o serviço. O músico Moa do Catendê, eleitor de Fernando Haddad, foi morto a faca por um eleitor de Bolsonaro, em Salvador.
É nesse país deflagrado que o exemplo de Rodrigo Janot ganha corpo.
Mas o ódio político é apenas o capítulo mais recente de um país cuja fundação foi feita em cima do sangue de negros, indígenas e pobres. Um país com uma rosário de homens covardes que estupram e matam suas companheiras e filhas em nome daquilo que eles chamam “honra”, mas que – de fato – é só “covarde feminicídio”. Um país que discute, neste momento, uma lei que facilita o porte e a posse de armas, após o presidente da República ter publicado uma série de decretos no mesmo sentido.
Janot, com essas declarações, é a antítese do espírito da Constituição Federal de 1988, em que buscamos construir um país capaz de fugir das medidas violentas e autoritárias que vigoraram durante a ditadura, um país capaz de resolver os problemas pelo diálogo. É uma vergonha essa situação vinda de alguém que prometeu representar o interesse público.
Mas que isso sirva de lição. Para que aventureiros, que acreditam que a Procuradoria-Geral da República seja um trampolim para suas crenças, ganhos e patologias pessoais sejam contidos antes que consigam o que desejam.
Em tempo: E falando em violações… A Polícia Federal realizou uma operação de busca e apreensão na casa de Janot, atrás da arma. A ação foi realizada no âmbito da investigação aberta para apurar uma suposta violação a ministros do STF, estabelecida pelo presidente Dias Tofolli, que indicou um outro ministro para conduzi-la, sem passar por distribuição. O que viola as regras de um Estado verdadeiramente de Direito, viola o princípio acusatório, o juiz natural e a separação de poderes.
Quem deveria investigar seria o MPF. Mas esse inquérito, arquivado por Raquel Dogde, então procuradora-geral da República, não foi enviado ao MPF, titular da ação penal. Tudo isso contradiz liberdades individuais dos cidadãos, não apenas daquelas pessoas diretamente atingidas pelos atos praticados no inquérito, mas da coletividade. Afinal, lutamos para que tivéssemos um Estado garantidor de direitos e não que passasse por cima dele.
De UOL