Dida Sampaio/Estadão

Novo PGR tem ação duvidosa em áreas ambiental e indígena

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Indicado por Jair Bolsonaro (PSL) para assumir a Procuradoria-Geral da República, o subprocurador-geral Augusto Aras, 60, se aproximou do governo em março ao liberar a licitação do tramo central da Ferrovia Norte-Sul, que um mês antes recomendara suspender.

Aras coordena, na gestão da atual procuradora-geral, Raquel Dodge, a 3ª câmara do MPF (Ministério Público Federal), que trata de matéria econômica. O mandato de Dodge termina no próximo dia 17. Antes de ser nomeado, Aras precisa ser sabatinado e aprovado pelo Senado.

Em março, o subprocurador-geral assinou um protocolo de entendimento com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, que permitiu o avanço da subconcessão do trecho da ferrovia localizado entre Porto Nacional (TO) e Estrela d’Oeste (SP).

Em abril, ao se lançar candidato à PGR, Aras destacou o bom relacionamento com Freitas, que passou a apoiá-lo.

“Nós conseguimos uma grande vitória para o povo brasileiro, através do governo, que foi a lavratura de um termo de compromisso com o Ministério da Infraestrutura, com o ministro Tarcísio Freitas. Com isso, todos os procuradores, sob minha coordenação, demos um passo importantíssimo que foi a construção de um marco regulatório do setor ferroviário”, disse à Folha na ocasião.

“O MPF pôde não somente contribuir para a realização do leilão da Ferrovia Norte-Sul, onde o governo recebeu um ágio de R$ 1 bilhão, e, mais que isso, a presença do MPF no setor ferroviário reduz drasticamente o custo Brasil, dando a segurança jurídica de que necessitam os grandes empresários do setor para virem investir em todo o sistema ferroviário”, afirmou.

O trecho liberado estava na lista de uma série de concessões que preocupavam o MPF desde 2017, quando começou um programa do governo federal de renovação antecipada de concessões de ferrovias. O Ministério Público temia a concentração das operações nas mãos de poucas empresas.

Em fevereiro, o próprio Aras recomendou formalmente ao Ministério da Infraestrutura e à ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) que suspendessem a licitação do tramo central da Norte-Sul. Em resposta, o ministro Freitas apresentou seus argumentos defendendo a concessão.

No mês seguinte, houve o acordo incluindo um ponto considerado central pelo MPF: o direito de passagem por outros usuários além da concessionária.

Nos encontros que manteve com Bolsonaro até ser indicado, incluindo o do último sábado (31), um dos assuntos mais abordados foi a disposição de Aras de destravar projetos de infraestrutura, segundo interlocutores do procurador.

Aras se define como desenvolvimentista, discurso que agradou o governo Bolsonaro e deixou em alerta alguns de seus pares na Procuradoria, que temem ações ou omissões que possibilitem ao governo tratorar regras ambientais e direitos de comunidades indígenas.

“Não podemos ignorar que proteção das minorias, inclusive indígenas, passa por interesses econômicos relevantes, internos e externos. Não podemos ignorar que nossas reservas indígenas têm minerais estratégicos”, disse Aras na entrevista de abril, ecoando teorias vivas nos meios militares sobre um suposto risco à soberania do Brasil na Amazônia.

“Eu defendo a ideia de que nós tenhamos uma avaliação, no que diz respeito ao meio ambiente e à cultura indígena, não radicalizada, destituída de ideologização de natureza política ou mesmo de natureza econômica externa, que é o que vemos hoje. A Amazônia tem 95% de todas as ONGs do Brasil. Será que o resto do Brasil não merece o mesmo cuidado das ONGs?”, acrescentou.

Colegas observam que, na prática, Aras costumava ter atuação moderada. Em 2013, por exemplo, ele recorreu de uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que havia permitido a continuidade de estudos de viabilidade para o Complexo Hidrelétrico do Tapajós, na região do médio e alto rio Tapajós, em Mato Grosso.

O subprocurador sustentou ao próprio STJ que os índios da região não tinham sido consultados, contrariando a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que foi ratificada pelo Brasil.

“Além de flagrante desrespeito aos direitos fundamentais assegurados aos indígenas pela Constituição da República, o procedimento adotado pela União, pela Aneel [agência de energia elétrica] e pelo Ibama contraria a Convenção 169 da OIT, sujeitando o Estado brasileiro a sanções da Corte Interamericana de Direitos Humanos”, argumentou Aras no recurso.

A indicação de seu nome por Bolsonaro, desrespeitando a lista tríplice formada a partir de eleição interna da categoria, gerou revolta de procuradores nas redes sociais e críticas da Associação Nacional dos Procuradores da República, que viram nela um “retrocesso democrático e institucional”.

Desde 2003, todos os presidentes da República vinham indicando alguém da lista tríplice para a chefia do MPF, apesar de não haver essa obrigação em lei.

“O indicado [Aras] não foi submetido a debates públicos, não apresentou propostas à vista da sociedade e da própria carreira. Não se sabe o que conversou em diálogos absolutamente reservados, desenvolvidos à margem da opinião pública”, afirmou em nota a associação dos procuradores.

“Não possui, ademais, qualquer liderança para comandar uma instituição com o peso e a importância do MPF. Sua indicação é, conforme expresso pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, uma escolha pessoal, decorrente de posição de afinidade de pensamento.”

A entidade conclamou os procuradores a participarem, na segunda-feira (9), de um Dia Nacional de Mobilização e Protesto contra a indicação do subprocurador-geral.