Chile já conta 11 mortes
Foto: Claudio Reyes / AFP
Para Marta Lagos, diretora do centro de estudos Latinobarómetro, o aumento das tarifas de metrô foi apenas a gota d’água para um descontentamento social acumulado no Chile. Após mais um dia de protestos, que elevaram para ao menos sete o número de mortos em saques e incêndios, autoridades chilenas estenderam no domingo o toque de recolher na capital, Santiago, além das cidades de Valparaíso e Concepción.
O que está por trás dos protestos?
Há um descontentamento social que vem se acumulando há muito, e que se acentua com as expectativas que Piñera criou com seu discurso de “tempos melhores”. E há essa sensação de aumento da desigualdade. De um lado um mercado de luxo, do outro má distribuição de renda, salários precários, aposentadorias de fome e um péssimo sistema de saúde, que confirmam a semicrise econômica que vive a América Latina.
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Qual o papel dos estudantes e dos jovens nas manifestações?
A ministra da Educação [Marcela Cubillos] insistiu que se tratava de um problema de vandalismo estudantil, sem reconhecer o problema social que estava por trás daquilo. O metrô foi um símbolo, a gota d’água. Ali abriu-se a porteira. Não é um protesto estudantil. É preciso muito mais que 30 vândalos para destruir Santiago. O erro do governo começou aí. Fecharam o metrô por causa da violência, fazendo com que dois milhões de pessoas ficassem sem o serviço. Algumas levaram quatro horas caminhando para chegar em casa. Se na sexta-feira se dessem conta de que era um problema daquela envergadura, isso não teria acontecido. Precisou que 75 estações de metrô fossem depredadas para que o governo agisse.
Esse foi o erro?
O presidente perdeu o controle. Santiago está paralisada. Os canais de TV filmam as pessoas saindo de lojas repletas de bens, saqueando em plena luz do dia. Há uma ausência da autoridade, um vazio de poder. É muito impressionante que um governo de direita tenha perdido o controle da ordem pública. Há uma sensação de anarquia e impunidade completa.
O governo de Sebastián Piñera será muito atingido?
Piñera nem sequer anunciou uma mudança de gabinete. Ele não está exercendo a liderança que se esperava dele. Agora será preciso colocar em pauta um nova agenda para tentar responder a essa demanda social. Os manifestantes mostraram que querem uma vida digna, e isso implica garantias sociais, um ponto muito delicado e complexo para esse governo.
A população apoia os protestos?
Eu diria que 80% da população simpatizam com as demandas sociais, ao mesmo tempo que condenam o vandalismo. E o governo não consegue diferenciar isso, não consegue ver essa gigantesca demanda social que está sendo expressada.
Há algum risco para a democracia?
De forma alguma. Os militares é que estão assustados. A população está dizendo: “saiam militares”, e não “saia Piñera”. Quem está em perigo são os militares, que estão acuados, temendo perder o cargo. Pela primeira vez depois da ditadura, os chilenos perderam o medo dos militares, é uma mudança muito significativa.