Comissão indígena diz ter apoio do Papa

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Foto: Tiziana Fabi

Um grupo de representantes dos povos indígenas teve participação especial na missa de abertura do Sínodo da Amazônia, realizada neste domingo, no Vaticano. Cerca de dez índios acompanhados por missionários cruzaram a Basílica de São Pedro lotada para levar ao altar as oferendas para o papa iniciar o ritual da eucaristia.

Logo na frente, estava Francisco Chagas de Souza, com o rosto pintado e usando cocar. Da etnia apurinã, que vive nas margens do rio Purus, ele veio do sul do estado do Amazonas para participar do sínodo.

“Agradeço ao papa, que nos convidou para que o mundo possa nos ouvir, ouvir o clamor da Amazônia. Nós lutamos para mantê-la intacta, em pé. A floresta é nossa casa”, disse à Folha na saída da basílica.

Ao lado de Souza estava a italiana Laura Valtorta, missionária do Equipe Itinerante, que atua na porção brasileira do bioma.

“Ele é católico e isso será tratado no sínodo. É importante ver como resgatar os elementos da tradição deles. Não significa fazer sincretismo. Cristo está em cada lugar como semente, então em cada cultura, indígena, da África, da Oceania, tem já a presença de Deus”, afirmou.

A incorporação de costumes dos povos indígenas aos rituais católicos é um dos pontos mais polêmicos deste sínodo, alvo de críticas da ala mais conservadora da igreja.

Também na dispersão da missa, Edinamar de Oliveira Viana, da tribo sateré mawé, chorou ao comentar sua participação na cerimônia.

“O que o papa fez foi trazer o respeito pelo povo amazônico. Todos os cristãos precisam se unir junto com o papa Francisco para que possamos caminhar juntos para uma igreja que não exclua ninguém”, afirmou Viana, que veio de Maués, também do Amazonas.

Ligados ao Cimi (Conselho Indigenista Missionário), que por sua vez é vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), o grupo abriu faixas dentro e fora da basílica, com dizeres em português e em italiano, “contra o roubo, a devastação e invasão dos territórios indígenas”, assinados por indígenas de Goiás e Tocantins.

PAPA DIZ QUE FOGO FOI ATEADO POR INTERESSES QUE DESTROEM
O fogo foi a palavra-chave da homilia feita pelo papa Francisco na missa de abertura do Sínodo da Amazônia.

Em sua fala, que demorou cerca de dez minutos, o papa mencionou o “fogo” 13 vezes, tanto para comentar a necessidade de “reacender” o dom de Deus recebido pelos bispos, em referência à ação pastoral da Igreja Católica, quanto para criticar as queimadas recentes na floresta.

“O fogo ateado por interesses que destroem, como o que devastou recentemente a Amazônia, não é o do Evangelho. O fogo de Deus é calor que atrai e congrega em unidade. Alimenta-se com a partilha, não com os lucros. Pelo contrário, o fogo devorador alastra quando se quer fazer triunfar apenas as próprias ideias, formar o próprio grupo, queimar as diferenças para homogeneizar tudo e todos”, disse o papa, sem citar nenhum país.

Na cerimônia solene, com celebrantes vestidos com hábitos litúrgicos verdes e acompanhados por canções antigas, participaram mais de 200 prelados entre bispos e cardeais, além de numerosos indígenas da Amazônia.

Convocado há dois anos, o sínodo é uma reunião do papa com 185 bispos dos nove países da Amazônia (58 são brasileiros), além de outros especialistas e convidados. A assembleia acontece até 27 de outubro, sempre no Vaticano.

Na missa de aproximadamente uma hora e meia realizada na Basílica de São Pedro, lotada e transmitida ao vivo por um dos principais canais da TV aberta italiana, o papa se dirigiu aos bispos, sentados à sua frente.

Em sua homilia, pediu que a igreja não se limite a uma “pastoral de manutenção” e que o sínodo tenha inspiração para “renovar os caminhos para a igreja” na região.

“A igreja não pode de modo algum limitar-se a uma pastoral de manutenção para aqueles que já conhecem o Evangelho de Cristo”, disse Francisco, citando são Paulo.

A homilia é o momento durante a missa em que o sacerdote usa um trecho do Evangelho para fazer seus próprios comentários.

As palavras do papa resumem os eixos dos debates que ocorrerão nas próximas semanas entre os participantes do sínodo: como renovar as ações da igreja na Amazônia e como lidar com as questões ambientais e socioeconômicas que afetam a população.

ENTENDA O SÍNODO
O que é sínodo
O Sínodo dos Bispos é uma reunião episcopal de especialistas. Convocado e presidido pelo papa, discute temas gerais da Igreja Católica (como juventude, em 2018), extraordinários (considerados urgentes) e especiais (sobre uma região). Instituído em 1965, acontece neste ano pela 16ª vez.

Especial Amazônia
Anunciado em 2017 pelo papa Francisco, o Sínodo da Amazônia trata de assuntos comuns aos nove países do bioma, organizados em dois eixos: pastoral católica e ambiental. Depois de meses de escuta da população local, bispos e demais participantes se reúnem entre 6 e 27 de outubro, no Vaticano.

Para que serve
O sínodo é um mecanismo de consulta do papa. Os convocados têm a função de debater e de fornecer material para que ele dê diretrizes ao clero, expressas em um documento chamado exortação apostólica. As últimas duas exortações pós-sinodais foram publicadas cerca de cinco meses depois de cada assembleia.

Quem participa
O Sínodo da Amazônia reúne 184 padres sinodais (como são chamados os bispos participantes), sendo 58 brasileiros. Além dos bispos da região, há convidados de outros países e de congregações religiosas. Também participam líderes de outras comunidades cristãs, da população e especialistas —no total, há 35 mulheres. O papa costuma presidir todas as sessões.

Principais polêmicas
Este sínodo tem recebido críticas do governo brasileiro, incomodado com o viés ambiental e pressionado pela situação na Amazônia, e da ala conservadora da igreja, que vê como inapropriado o debate sobre a ordenação de homens casados como sacerdotes, a criação de ministérios oficiais para mulheres e a incorporação de costumes indígenas em rituais católicos.

Da FSP