Embratur quer transformar reserva indígena em hotel de Luxo
Foto: Renato Costa/FramePhoto/Folhapress
A Funai recebeu um pedido inusitado em julho. A Embratur quer que o órgão, responsável pela proteção dos direitos indígenas no país, acabe com o processo de demarcação de uma reserva para permitir a construção de um hotel de luxo no local. A solicitação chegou à Funai assinada pelo presidente da Embratur, Gilson Machado Neto, e o Intercept teve acesso ao documento com exclusividade.
A área fica no sul da Bahia, tem 470 quilômetros quadrados e pertence ao povo Tupinambá de Olivença, que luta há pelo menos 15 anos pela demarcação da terra. A primeira fase do processo foi concluída em 2009.
Trata-se, segundo servidores da Funai e especialistas com quem conversei, de um caso inédito. É a primeira vez, ao menos desde a Constituição de 1988, que um órgão federal faz lobby sobre outro – e o registra num documento oficial do governo – para entregar à iniciativa privada uma área indígena registrado em um documento oficial do governo.
Se vingar, o pedido da Embratur vai beneficiar a rede hoteleira portuguesa Vila Galé, que tem planos para construir um hotel de luxo com 467 apartamentos no local. É uma das empresas que devem ser beneficiadas pelo projeto Revive, do governo federal, uma iniciativa para conceder a gestão de mais de 200 pontos turísticos brasileiros para a iniciativa privada – como revelou o Intercept. A empresa confia tanto no lobby de Machado Neto que já anuncia que o empreendimento deverá estar de portas abertas em 2021.
Médico veterinário, amigo pessoal de Jair Bolsonaro, o presidente da Embratur é mais conhecido por ser sanfoneiro, dono de pousada e ter sido multado por desrespeitar a legislação ambiental. É um histórico que o credenciou, aos olhos do presidente de extrema-direita, a comandar o Instituto Brasileiro de Turismo, a Embratur, uma autarquia ligada ao Ministério do Turismo cuja atribuição é promover o país no mercado internacional.
O documento, em papel timbrado do órgão, tramita sob sigilo – possivelmente porque Machado Neto sabe que o pedido afronta o que a Constituição determina a respeito do assunto.
Servidores da Funai ouvidos sob condição de anonimato afirmam que são comuns as pressões de fazendeiros ou empresários insatisfeitos com a demarcação de áreas indígenas. Mas a desfaçatez de um pedido oficial do tipo, feito por outro órgão da administração federal, causou perplexidade. As fontes relatam um ambiente de caça às bruxas e naturalmente temem retaliações.
A área dos Tupinambá de Olivença no sul da Bahia é maior em tamanho que a do município de Curitiba e é o lar de 4,6 mil indígenas, além de marisqueiros e pescadores artesanais. Há registros de que eles vivem no local há mais de 300 anos. A região é há muito tempo alvo de cobiça e palco de conflitos devido a seu alto potencial turístico e econômico: está a poucos quilômetros das paradisíacas praias de areia branca de Ilhéus e é rodeada por plantações de cacau destinado à exportação.
A Embratur argumenta, no ofício enviado à Funai, que a Vila Galé tem a intenção de “viabilizar a construção de 2 (dois) empreendimentos hoteleiros, tipo Resort, com 1040 leitos”, que será “voltado para turistas estrangeiros”.
“Embratur vem à presença de Vossa Senhoria manifestar seu interesse no encerramento do processo de demarcação de terras indígenas Tupinambá de Olivença, localizadas especialmente nos municípios de Una e Ilhéus, Estado da Bahia”, diz o pedido dirigido a Marcelo Augusto Xavier da Silva, presidente da Funai. Mais adiante, Machado Neto é mais incisivo: “rogamos o fundamental e imprescindível apoio para a viabilização deste importante polo turístico”.
O lobby não se restringiu aos trâmites oficiais. Em um vídeo postado na página de Facebook do vice-governador da Bahia, João Leão, do PP, Machado Neto chama o projeto de “magnífico” e diz que ele “conta com o apoio do governo federal”.
Perguntei a Eduardo Viveiros de Castro, um dos antropólogos mais respeitados do Brasil na questão indígena, se ele já tinha se deparado com alguma situação parecida na história brasileira. “Nunca ouvi falar de iniciativa oficial para cancelar demarcação de terra indígena”, ele me respondeu.
Os demais indigenistas e antropólogos com quem conversei disseram o mesmo. Antropóloga e professora da Universidade de Brasília, Mônica Nogueira explicou que essa atuação da Embratur é ilegal, porque vai contra o artigo 231 da Constituição Federal, que afirma que os índios têm direito sobre as terras tradicionalmente ocupadas por eles e que cabe ao governo federal demarcar e proteger os locais.
“Quando o governo questiona um processo de demarcação, o que chama a atenção é que isso fere a Constituição, porque é responsabilidade dele cumprir o direito originário. Mas não causa estranheza, porque estamos em um momento bastante adverso para os povos indígenas. Há grande cobiça sobre as terras por setores econômicos que estão atravessados no poder público”, disse Nogueira, coordenadora do mestrado em sustentabilidade junto a povos e territórios tradicionais da UnB.
Questionada, a Embratur respondeu por e-mail que “não tem competência para interromper demarcação de terras indígenas”. “O ofício, em questão, solicita apenas a revisão do processo de maneira a garantir a segurança jurídica e estimular o desenvolvimento do turismo na região citada”, diz o texto.
Procurei a Funai na última quarta-feira. Na sexta, o órgão informou que não tinha “tempo necessário para apuração da informação” antes da publicação desta reportagem. O espaço está aberto para comentários. Já a Vila Galé não quis se pronunciar sobre o assunto.
Pouco interessado no que diz a lei brasileira sobre o direito dos Tupinambá às terras que cobiça, o grupo Vila Galé já anuncia aos interessados o seu novo empreendimento na costa baiana: quem visita o site do grupo recebe a informação de que em 2021 será inaugurado o Vila Galé Costa do Cacau. Segundo o texto, o empreendimento será um resort all inclusive, com 467 apartamentos, a ser erguido a um custo de R$ 150 milhões.
A confiança tem sentido. Afinal, a responsável por dar o parecer sobre o caso na Funai é a diretora Silmara Veiga de Souza, que já contestou a demarcação de terras indígenas. Ela também participou de audiência pública, ao lado de ruralistas, na qual o presidente da Funai prometeu aos produtores que vai reavaliar terras demarcadas. O pedido da Embratur atualmente se encontra na Coordenação de Delimitação e Análise da Funai, que é subordinado à diretora, aguardando parecer.
O fim da demarcação seria um atalho para encurtar o caminho dos portugueses.
Dando de ombros às filigranas de licenciamento, a empresa já foi ao local fazer a marcação de onde deseja construir seu resort. Em retaliação, indígenas liderados pelo Cacique Valdenilson Oliveira ocuparam a terra e impediram a continuidade dos trabalhos. Antes de apelar ao lobby do presidente da Embratur, apurei que o grupo hoteleiro já havia acionado o Ibama e a Funai em busca de permissão para operar empresa turística dentro do território indígena, mas o processo ainda está em fase inicial de tramitação. De todo modo, a permissão para montar um negócio em terra indígena costuma demorar anos. Ou seja – o fim da demarcação seria um atalho para encurtar o caminho dos portugueses.
O Vila Galé conta com o apoio de políticos da região que, assim como o vice-governador do estado, não têm maiores pudores em dar de ombros ao direito constitucional dos indígenas de permanecer na terra em que estão. Tiago Birschner, do PP, prefeito de Una, cidade que fica a pouco mais de 60 quilômetros de Ilhéus e também compreendida na terra indígena, divulgou uma carta aberta para Bolsonaro pedindo ajuda para não perder a “oportunidade” da instalação do resort. Ele diz que o secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia, “tem ciência do assunto” e de como “a região está prejudicada pela pretensão da Funai em tomar as terras indígenas”.
Há poucas semanas, o prefeito fez um vídeo no qual contou que participou de reunião na Funai sobre a Vila Galé para “encontrar uma solução que nada tem a ver com interferir com os direitos dos povos indígenas”. Birschner, que usa na urna o nome Tiago de Dejair, também fez posts no Facebook sobre as audiências que participou em Brasília para tratar da questão: cita que já se encontrou com o secretário especial de articulação da presidência da República, Iury Revoredo, com representantes do Ministério da Agricultura e da Embratur. Ao seu lado, segundo ele, estava o deputado federal Mário Negromonte Júnior, do PP baiano.
Tanto Birschner quanto o vice-governador João Leão já postaram várias fotos nas redes sociais junto com o presidente do conselho de administração do grupo Vila Galé, Jorge Rebelo. Numa delas, os dois aparecerem recebendo um Rebelo vestido casualmente, de bermuda e tênis, no aeroporto de Ilhéus para uma rodada de conversas sobre o empreendimento.
Birschner me explicou, por telefone, que o município não quer o fim do processo de demarcação, mas sim a retirada de uma área de 800 hectares para a construção do resort. O que daria na mesma: para isso, a Funai teria que rever o procedimento que já delimitou área caracterizada como terra indígena. O ofício da Embratur, segundo ele, não está de acordo com o pleito do município: “Isso deve ter partido deles”.
O prefeito também disse que o Vila Galé já recebeu autorização dos órgãos ambientais estadual e municipal, o que garantiria que o empreendimento não irá comprometer o meio ambiente da região. Agora, falta o aval da Funai. “Nosso pleito não é contra o indígena, é pela geração de emprego e renda”, esquivou-se.
A canetada do ‘papai Moro’
A área dos Tupinambá de Olivença hoje está em fase intermediária do processo de demarcação e é classificada como “terra delimitada”. Isso significa que já passou por estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais que fundamentam a demarcação da terra indígena. Mas o processo está parado desde 2016. No momento, aguarda uma canetada do ministro da Justiça, Sergio Moro, o “papai” da Funai, para que tenha continuidade.
Moro já deu de ombros para a Funai, dizendo não ter interesse em cuidar de questões indígenas, à época em que Damares Alves cobiçava o controle do órgão. “A Funai tem que ficar com a mamãe Damares, não com o papai Moro”, ela defendeu. Mas ela acabou mesmo no colo de Moro, ainda que nos bastidores servidores digam que Damares exerce forte influência no setor. No breve período em que comandou de fato a Funai, a ministra demitiu seu presidente por pressão de ruralistas.
A Embratur está se empenhando para trazer turistas estrangeiros ao país, já que o número de visitantes está estagnado nos últimos três anos, e a imagem brasileira foi comprometida pela crise internacional dos incêndios na Amazônia, agravada pelas ofensas que Bolsonaro dirigiu ao presidente da França, Emmanuel Macron, e pelo discurso dele na ONU. Hoje, o país recebe menos turistas por ano que o Museu do Louvre, em Paris. O plano da autarquia é dobrar o número de visitantes até 2022, mas a inaptidão dos responsáveis no governo joga contra. A estratégia de marketing adotada em 2019, cujo slogan é “Brazil – Visit and love us”, foi amplamente criticada por remeter a turismo sexual.
Governo Bolsonaro exonerou chefe de fiscais ambientais que multaram presidente da Embratur.
Apesar de elencar o ecoturismo como uma das prioridades para atrair estrangeiros ao Brasil, Machado Neto já foi multado, em 2016, por desrespeitar regras de turismo sustentável dentro de área de proteção ambiental na costa de Alagoas, onde é dono de uma pousada com apenas seis quartos e mais de um quilômetro de praia privativa. Ali, um casal não gasta menos de R$ 1.160 nas diárias para um fim de semana, de acordo com o site de reservas Booking. Localizado em São Miguel dos Milagres, o estabelecimento foi multado por não retirar tendas e bangalôs da praia durante a noite, o que prejudica a desova de tartarugas e impacta outros animais do ecossistema da região.
Possivelmente não por coincidência, o chefe da unidade que multou Machado Neto foi exonerado poucos dias após ele ser empossado como secretário do Ecoturismo do Ministério do Meio Ambiente, no início de 2019. Mais tarde, em agosto, dois fiscais que o multaram também seriam transferidos das unidades em que atuavam, mas o governo voltou atrás depois que o Ministério Público Federal anunciou que iria investigar o caso.
Machado Neto foi secretário-geral do diretório pernambucano do PSL, partido de Bolsonaro, e um dos mais ativos membros da campanha eleitoral do presidente. Após as eleições, ganhou a presidência da Embratur. É também presença frequente nas lives semanais do capitão e é o mais cotado para ser o novo o novo ministro do Turismo, já que o atual, Marcelo Álvaro Antônio, está queimado para caramba por causa da investigação da Polícia Federal sobre o uso de laranjas para fomentar campanhas do PSL.
Machado Neto trabalha para resolver os problemas do grupo Vila Galé mirando voos mais altos na política. Apesar de ser veterinário, produtor de gado e coco – e sanfoneiro da banda de forró Brucelose, nome de uma doença que afeta bovinos –, ele já demonstrou que almeja disputar eleições e vê no turismo um trampolim para suas intenções. Já declarou, inclusive, que quer concorrer à prefeitura de Recife no ano que vem, apoiado por Bolsonaro.
Justamente por isso, ele protagoniza um embate com o presidente nacional do PSL, o também pernambucano Luciano Bivar, desde que Bolsonaro entrou em pé de guerra com o partido que o elegeu.
Um empreendimento que gera empregos como o resort da Vila Galé serviria como um trunfo. O grupo português já possui um hotel de luxo localizado a 60 minutos do centro de Recife, o Eco Resort do Cabo, que foi erguido por outra empresa e mudou de bandeira duas vezes antes de passar para às mãos da cadeia portuguesa.
Marcelo Augusto Xavier da Silva, presidente da Funai, também já demonstrou pouco apreço pelo meio ambiente e pelos indígenas, a quem deveria proteger. Apoiado pela bancada ruralista no Congresso, ele defende abertamente a exploração de garimpo em terras indígenas e foi nomeado assessor de Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista, a UDR, e é hoje responsável pela “reforma agrária” no governo Bolsonaro – que está parada.
Limpeza ideológica
Não parece provável que o ofício da Embratur – ou outros semelhantes que venham a chegar – venha a ser avaliado de forma criteriosa pela Funai. Desde a chegada de Bolsonaro, servidores do órgão alegam que são alvo de perseguição, sob a justificativa de que seriam “ideológicos”. Em menos de dois meses, 11 dos 15 coordenadores-gerais da instituição foram exonerados e substituídos por pessoas de confiança do presidente.
A situação fica explícita ao se analisar o destino de uma nota técnica assinada pelo coordenador-geral de gestão de pessoas da Funai, Haroldo Niemeyer Resende. O documento apontou ingerência em nomeações de cargos-chave da instituição, desprezo por servidores especializados e com experiência e exonerações e indicações sem critérios técnicos, que causam um clima de insegurança e ansiedade nos servidores, que se sentem impedidos de fazer seus trabalhos. Resultado: Resende foi exonerado uma semana depois.
No lugar de servidores de carreira capacitados para tocar a Funai, o governo Bolsonaro nomeia gente como o novo diretor de administração e gestão, Fernando Carlos Wanderley Rocha, que atuava como analista legislativo na Câmara dos Deputados. Ele é um crítico contumaz das demarcações de terras indígenas e autor de um estudo com ares de teoria conspiratória que louva as forças armadas, argumenta que a Amazônia tem que ser ocupada para não ser invadida e diz que ONGs brasileiras e internacionais impedem o progresso da região.
Nele, Rocha manifesta profunda desconfiança quanto ao órgão em que trabalha, alegando que a Funai é “ocupada por ONGs” e “antropólogos identificados com a causa” e toma decisões que não podem ser revistas nem pelo presidente da República – o que é questionável –, “o que implica graves consequências para os cidadãos e para o Estado brasileiros”. Argumenta, ainda, que as reservas indígenas criadas em regiões de fronteira são uma ameaça à soberania nacional. “Nesses bolsões, o brasileiro comum não entra, mas a miríade de ONGs age com plena desenvoltura, ainda que possam estar atentando contra os interesses do Estado e do povo brasileiros”.
Wanderley Rocha e Xavier da Silva trabalharam na CPI da Funai, uma comissão dominada por ruralistas que investigou supostas ilegalidades na demarcação de terras indígenas e quilombolas e que, em 2017, recomendou o indiciamento de 67 pessoas, entre servidores da Funai, antropólogos e lideranças comunitárias, além de “reestruturação” da fundação. A proposta inicial era simplesmente extinguir o órgão, mas ela foi abrandada após críticas de entidades indigenistas.
‘Vocês ficam se pintando pra dizer que são índios’
Apesar de ser o primeiro povo indígena a ter contato documentado com os portugueses que chegaram ao Brasil – eles ficaram famosos com o relato de Hans Staden, de meados do século 16, que tratava de forma sensacionalista os rituais de antropofagia –, o processo de demarcação dos Tupinambá na Bahia só teve início em 2001 e se arrasta desde então. Sem a demarcação, os próprios indígenas tomaram para si o papel de retomar territórios ocupados irregularmente por fazendeiros – em movimentos que chamam de “retomada” das terras.
Por causa das retomadas, o cacique Babau, uma das principais lideranças indígenas do país, foi preso ao menos quatro vezes durante os governos Lula e Dilma. Este ano, ele denunciou um plano de fazendeiros e policiais para assassinar seus familiares. De acordo com o povo, pelo menos 30 tupinambás foram mortos nos últimos anos por conflitos ligados às terras.
A construção do resort se soma ao panorama sombrio. Conversei por telefone com o cacique Valdenilson, um dos líderes dos povoados. Ele contou ter sido o responsável pela ocupação do terreno no qual diz que funcionários do Vila Galé já começaram a trabalhar. Depois disso, disse que vem sendo hostilizado por representantes do Ibama e da guarda municipal de Una. “Eles falam ‘aqui é área do hotel, você vai ter que sair daqui’, ‘vocês não pertencem a esse lugar, ‘vocês não são índios, vocês ficam se pintando pra dizer que são índios”, relatou.
O cacique também afirmou que interessados na construção do resort começaram uma campanha difamatória, alegando que os indígenas “não querem o desenvolvimento da região”. “Já ofereceram 50 vagas de emprego para os indígenas, tem gente até de fora que veio comprar terreno pra dizer que é morador e ter emprego. Eles jogam a comunidade contra a gente. Por causa disso até tráfico de droga começou a ter”, disse. Tiago Birschner, o prefeito de Una, disse desconhecer as acusações.
Para os Tupinambá de Olivença, a terra não é só fonte de subsistência para os seus mais de 4 mil moradores. É também um local sagrado, onde residem os “encantados”, seres não humanos centrais na cosmologia do povo. Segundo o cacique Valdenilson, a construção do resort vai impactar toda a região, que é cercada por rios, serras e mangues que servem como meio de subsistência.
Para ele, a natureza será comprometida pela poluição e pelo movimento nas estradas que terão que ser abertas em meio à mata. O cacique é ainda mais incisivo: ele acredita que todos os 4 mil indígenas, pescadores e marisqueiros artesanais que moram na região terão que se mudar por causa dos impactos. “E ir pra onde?”, perguntou.
Em uma carta pública divulgada em fevereiro em nome dos tupinambá de Olivença, o cacique Babau e o pajé Rosemiro queriam alertar às autoridades que o projeto de governo de Bolsonaro para os indígenas seria um “decreto de morte” a várias etnias.
“Garantimos às autoridades brasileiras e internacionais que, se essas medidas forem consolidadas, nós, Tupinambá, seremos todos assassinados, porque não vamos ceder, não vamos recuar. Queremos a garantia dessas autoridades: todos nós, após sermos mortos, temos que ser enterrados no pé da serra”, diz o texto. “Não abrimos mão de ser enterrados no lugar onde formos assassinados, dentro do nosso próprio território, uma vez que nós nunca aceitaremos sair.”