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Esquerda avança com a criação de novos partidos

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Diante do avanço de movimentos de direita nas periferias dos grandes centros, grupos de esquerda se articulam para tentar reconquistar espaço até então tido como seus redutos naturais. Pelo menos dois partidos em formação no Brasil, a Unidade Popular (UP) e a Frente Favela Brasil, avaliam que áreas mais pobres da cidade foram esquecidas pela esquerda.

“Nós fomos para os centros das cidades, para portas de empresas e fábricas, metrô, trem, universidades, escolas, vilas, favelas, ocupação. Enfim, coisas que a gente não vê a esquerda fazer. Inclusive, a gente encontrou muita organização de direita, evangélicos conservadores, milícia nessas regiões. Mas esquerda a gente não achou muito na periferia”, diz Leonardo Péricles, da Unidade Popular.

À espera do desfecho sobre seu registro definitivo, cujo julgamento foi iniciado na última quinta-feira no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e interrompido por um pedido de vista do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, o grupo tenta ocupar o espaço tomado pela chamada direita conservadora.

Morador de uma ocupação no subúrbio de Belo Horizonte, em Minas Gerais, Péricles é crítico da “conciliação de classes” e da “aliança com banqueiros e empreiteiras”, segundo ele colocadas em prática durante os governos do PT. Em sua opnião, a esquerda “precisa sair do ar-condicionado, pisar no barro, pegar ônibus e ir para o meio do povo”.

“A gente considera que tem um grande projeto de esquerda a ser cumprido no Brasil e que não foi levado a cabo, por consequência do conjunto dos partidos, das organizações que estão no campo institucional hoje. A gente resolveu criar um novo partido, entendendo que muita gente de esquerda traiu a esquerda. A classe operária está decepcionada, sem alternativa”, afirmou Péricles.

Mesmo depois ter coletado as 492 mil assinaturas, requeridas pela Justiça Eleitoral para a formação de uma nova legenda, ele tem andado pelas periferias, junto dos companheiros, para conversar com as pessoas e debater política. A ideia da UP surgiu durante as jornadas de junho de 2013, a partir da associação de grupos já existentes, como movimentos feministas, sindicais, de trabalhadores e sem-teto. Segundo Péricles, a população naquele momento havia chegado ao limite da sua insatisfação, alimentada com a crise econômica que se avizinhava e com os erros cometidos pelos governos petistas, dos quais ele carrega suas críticas.

“Nós temos no Brasil uma elite, uma classe dominante que sempre governou para tirar o povo da jogada. É uma elite escravista, autoritária, machista e antipobre. Qualquer proposta de aliança com esses setores se trata de uma ilusão imensa, e na prática contribui para que não haja mudanças estruturais no Brasil. Mas também é possível ser de esquerda radical e, ao mesmo tempo, mobilizar amplos setores populares”.

Os integrantes da Frente Favela Brasil, por sua vez, precisaram interromper a coleta de assinaturas iniciada em 2017 na tentativa de criar um partido e se dedicam a alianças programáticas nas eleições de 2018. O grupo tem investido em rodas de conversa nas periferias.

“Em nenhum momentos os parlamentares citaram as favelas e moradores da periferia. Parecia que a gente não fazia parte daquele Brasil. Não tínhamos nenhuma incidência naquele Congresso”, afirmou Wanderson Maia, presidente da sigla.

“A gente está fazendo muitos eventos nas periferias em parceria com o Pacto Pela Democracia, com a Transparência Internacional, rodas de conversa sobre educação e política, dinâmicas e atividades como design thinking. Há muitos projetos com parceiros, discussões sobre orçamento participativo, sobre democracia”, disse Maia.

Sem uma sigla para concorrer, seus membros se filiaram a um leque de cinco partidos (Rede, PSB, PSOL, PDT e PCdoB) para disputar os pleitos. Isso fez com que o prazo para juntar o quase meio milhão de assinaturas expirasse em abril deste ano sem terem alcançado a meta. O processo será reiniciado agora, mas Maia afirmou que não vão ficar parados até o partido ter seu registro oficializado.

Ele elencou duas principais propostas do programa de governo do partido. A primeira é aprofundar uma política nacional de saneamento básico, um dos mais graves problemas que atinge a população periférica, de acordo com ele. A outra é “fazer avançar a representação negra” a partir do projeto Marielle Franco, em parceria com a organização Educafro, para estabelecer cotas raciais e femininas nos espaços públicos.

A DIREITA AVANÇA

Ao mesmo tempo,  o PSL, que ganhou projeção em todo o país com a eleição do presidente Jair Bolsonaro, se movimenta para conquistar o eleitorado menos favorecido. O diretório nacional produziu um vídeo para a campanha nacional de filiação, realizada em agosto, com personagens de classes e etnias mais diversas das encontradas em geral nas grandes manifestantes pró-governo. A boa repercussão surpreendeu positivamente os diretores, informou um interlocutor.

Para facilitar a filiação ao partido, o PSL lançou um aplicativo apenas para celulares com sistema operacional Android, mais utilizados por pessoas de baixa renda. E existe mais um projeto para aproximar a legenda das periferias, idealizado pelo consultor político e de marketing do PSL, Cleber Teixeira. A proposta está em discussão na Fundação Índigo, instituto ligado à legenda.

A ideia é realizar eventos presenciais e cursos on-line, bancados pela fundação, para ensinar os filiados a editar vídeos, produzir memes de cunho político e criar seus próprios canais na internet, no Youtube e outras redes sociais. Assim, segundo ele, essas pessoas poderiam ser remuneradas pelo próprio trabalho, “sem precisar receber esmola, esperando alimento de boca aberta”. E menciona seu próprio canal, o Jacaré de Tanga, com o qual diz faturar cerca de R$ 20 mil mensalmente.

A estratégia do PSL vai ao encontro das conclusões alcançadas pelo estudo “Percepções e valores políticos nas periferias de São Paulo”, elaborado pela Fundação Perseu Abramo em 2017 para nortear a atualização do projeto político do PT, partido ao qual o instituto é ligado. Segundo a pesquisa, o mérito é um ponto forte para a construção da identidade desse público e a ascensão social é tratada como um resultado individual “derivado da força de vontade”. Valores esses muito explorados pelas igrejas evangélicas, cuja presença é forte nas periferias.

O avanço conservador nesse eleitorado afeta de maneiras distintas os líderes da Unidade Popular e da Frente Favela Brasil. Enquanto Leonardo Péricles reforça o discurso de que a esquerda precisa tomar esse espaço, Wanderson Maia diz que quer ver negros na política, independentemente do espectro político.

“Nosso povo está à margem do processo decisório. Queremos gente até na direita. Posso até não concordar com políticos negros fazendo uma agenda liberal e que nos prejudique enquanto povo, mas temos de lutar, enquanto povo preto, inclusive para estarmos na política discordando. Estamos muito atrasados, precisamos retomar esse espaço de qualquer forma.”

ÉPOCA