“Retomada da indústria” não passa de licença poética

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Foto: Sergio Ranalli – 19.jun.2019/Folhapress

Tem ficado cada vez mais difícil chamar de recuperação o que a indústria brasileira vem passando em 2019. Está mais para uma licença poética dos economistas, pois entre janeiro e agosto deste ano o setor acumula queda de 1,7% em sua produção. E isso depois de pouco ter crescido desde que saiu da crise em 2017.

Assim, para a indústria não se trata apenas de uma recuperação lenta, como se convencionou falar, mas também claramente descontínua. A contar pela média das projeções mais recentes coletadas pelo boletim Focus do Banco Central, o setor tem grandes chances de terminar este ano no vermelho.

Muito disso se deve aos desdobramentos do desastre de Brumadinho sobre o ramo extrativo e também aos efeitos adversos da crise argentina sobre nossa indústria automobilística. Mas não é só isso.

De janeiro a agosto, mais de 60% dos ramos industriais ficaram no vermelho, a maioria deles com demanda muito dependente do consumo interno, que segue restringido pelo desemprego ainda elevado e pela má qualidade das vagas que vem sendo criadas.

Agora em agosto, embora o nível de produção continue girando em uma velocidade inferior à do ano passado, o setor conseguiu crescer 0,8% na passagem do mês, já feitos os devidos ajustes sazonais. Foi mais do que muitos analistas esperavam e corresponde ao melhor resultado de 2019 nesta série. Por isso, trata-se de um dado bastante favorável, mas lhe falta consistência para que indique uma reviravolta no quadro geral do setor.

Dois comentários nesta direção.

Em primeiro lugar, a alta de agosto foi suficiente apenas para anular as perdas acumuladas entre maio e julho deste ano. Ou seja, não fomos muito longe e voltamos ao nível de produção de maio.

Em segundo lugar, foi relativamente concentrada, contemplando apenas dez dos vinte e seis ramos acompanhados pelo IBGE. Os piores resultados foram registrados por ramos da indústria de transformação.

Se o país se contentar a continuar assistindo semelhante evolução, tendo sistematicamente frustradas suas expectativas de crescimento industrial realizadas no início de cada ano, o resultado quase certamente será novas fases de perda de nossas competências industriais. Algo que já vem ocorrendo, como enfatizam recentes estudos do IEDI.

Internamente, nossa indústria vem reduzindo sua participação relativa na estrutura produtiva do país, em um processo dos mais intensos e abruptos do mundo.

Externamente, a parcela brasileira no valor adicionado da indústria global é cada vez menor e existe um grande risco de deixarmos, em breve, de figurar entre as dez maiores potências industriais do mundo.

Ficam prejudicadas a geração de vantagens competitivas, melhor integração em cadeias globais, evolução da produtividade e a possibilidade de um crescimento econômico mais consistente.

Folha