Voto de Rosa Weber sinaliza fim da 2a instância

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Foto:  Pedro Ladeira/Folhapress

Voto mais esperado no julgamento desta quinta-feira (24) do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da prisão logo após a segunda instância, a ministra Rosa Weber posicionou-se pela necessidade do trânsito em julgado (fim dos recursos) para que um condenado cumpra a pena.

O posicionamento de Rosa era considerado um mistério entre colegas no STF, para quem ele pode ser decisivo no resultado final.

O placar parcial está em 4 votos a favor da prisão após a segunda instância (dos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux) e 3 contra (Marco Aurélio, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski).

Entre os 4 ministros que faltam votar, 3 (Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli) têm sido contra a execução da pena logo depois da condenação em segundo grau, sinalizando para a tendência de formar maioria para a mudança na jurisprudência vigente desde 2016 e que é uma das bandeiras da Operação Lava Jato.

O julgamento foi suspenso nesta quinta por causa do horário e deve continuar no início de novembro, porque não há sessões no STF na semana que vem.

Desde 2016, a jurisprudência do STF autoriza a execução da pena antes de esgotados os recursos nos tribunais superiores. Uma mudança hoje teria potencial de beneficiar 4.895 réus cujas prisões foram decretadas após serem condenados em segundo grau, de acordo com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Nos últimos dez anos, o plenário do Supremo enfrentou esse tema ao menos cinco vezes, na maioria delas ao analisar casos concretos de pessoas condenadas —o último foi o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, preso mais célebre da Lava Jato.

Agora, o tribunal está julgando o mérito de três ações que tratam do assunto de maneira abstrata, sem estar atrelado a um determinado réu —embora a sombra do petista permaneça sobre a corte. Lula, preso em Curitiba desde abril de 2018, é um dos que podem se beneficiar com uma eventual mudança de entendimento.

Atualmente, a corte entende que uma pessoa que sofreu condenação em segunda instância já pode começar a cumprir pena, ainda que, mais à frente, sua sentença possa ser alterada por um tribunal superior. No STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no STF, não é possível reexaminar as provas —não cabe aos ministros decidir se um réu cometeu ou não um crime.

Rosa Weber sempre foi contra a prisão logo após a condenação em segunda instância, mas, em 2018, votou por negar um habeas corpus ao ex-presidente Lula. Na ocasião, ela argumentou que era preciso respeitar a orientação da maioria do colegiado, que autorizara, anteriormente, a execução provisória da pena. Mas ressalvou sua convicção pessoal, no sentido inverso, a favor da espera do fim dos recursos.

Dos 4 ministros que faltam votar, apenas Cármen Lúcia vinha sendo a favor da execução da pena após condenação em segundo grau.

Se os outros 3 ministros mantiverem seus posicionamentos anteriores, a corte atingirá ao menos 6 votos, de um total de 11 ministros, contra a prisão logo depois da segunda instância.

O presidente do Supremo, Dias Toffoli, fez em 2016 uma proposta intermediária: a de permitir a prisão após julgamento do recurso no STJ (Superior Tribunal de Justiça), que é considerado uma terceira instância. A dúvida é se, desta vez, ele manterá essa proposta.

Toffoli é o último a votar e deverá caber a ele desempatar o placar, que poderá estar em 5 a 5. Nesse contexto, seu voto tende a ser crucial para definir se o resultado final será pelo trânsito em julgado ou a proposta do STJ, que pode virar um voto médio entre as posições dos dois grupos extremos.

A proposta de Toffoli da terceira instância não beneficiaria Lula, que já teve sua condenação mantida pelo STJ em abril deste ano.

Nesta quinta, Rosa iniciou seu voto citando a única mulher e a única pessoa negra que sustentou na tribuna do Supremo, na semana passada, quando o julgamento sobre o tema começou: a advogada Silvia Souza, da ONG Conectas.

Silvia afirmou, em sua sustentação oral, que a prisão de condenados em segundo grau não atinge apenas criminosos de colarinho branco, mas também os “pretos, pobres e periféricos”.

Rosa, em seguida, fez um histórico da jurisprudência do Supremo sobre a controvérsia e explicou por que vinha votando a favor do cumprimento antecipado da pena, antes de esgotados todos os recursos.

Segundo Rosa, nos casos concretos, como foi a análise do habeas corpus de Lula e dezenas de outros, era preciso aplicar a jurisprudência vigente. Mas, agora, como o STF debate a tese de forma genérica, sem estar atrelada a nenhum réu, é esse o âmbito adequado para revisitar o entendimento vigente e eventualmente alterá-lo.

“O cerne da controvérsia está na garantia fundamental assegurada no artigo 5º, [inciso] 57 da Constituição: ‘Ninguém será considerado culpado até o transito em julgado da sentença penal condenatória’”, disse Rosa, ressaltando que essa garantia não estava expressa dessa forma nas Constituições anteriores do Brasil.

“O constituinte poderia ter reproduzido as fórmulas [das constituições] anteriores. Optou, todavia, o constituinte de 1988, não só por consagrar expressamente a presunção de inocência como a fazê-lo com a fixação de marco temporal expresso, ao definir com todas as letras, queiramos ou não, como termo final da garantia da presunção da inocência o trânsito em julgado da decisão condenatória”, afirmou a ministra.

Segundo Rosa, ao longo de seu trabalho, os constituintes rejeitaram as propostas de redação da Constituição que desvinculavam a formação da culpa de um acusado do trânsito em julgado.

“Minha leitura constitucional sempre foi e continua a ser exatamente a mesma”, disse. “Ao fixar objetivamente ‘até o trânsito em julgado’ como termo final da presunção da inocência, não me é dado, como intérprete [da Constituição], ler o preceito constitucional pela metade.”

“Goste eu pessoalmente ou não, essa é a escolha político-civilizatória estabelecida pelo constituinte, e não reconhecê-la importa, com a devida vênia, reescrever a Constituição para que ela espelhe o que gostaríamos que dissesse”, afirmou.

Lewandowski, que também votou nesta quinta, concordou com a colega, destacando que a presunção de inocência é cláusula pétrea da Constituição e garantia de todo cidadão. “Não se pode fazer política criminal contra o que dispõe a Constituição, mas sempre com amparo nela”, disse.

No grupo oposto, o ministro Fux criticou uma eventual mudança na jurisprudência porque os processos, segundo ele, demoram muito até transitarem em julgado.

“O que a Constituição quer dizer é: até o trânsito em julgado, o réu tem condições de provar sua inocência. À medida que o processo vai tramitando [de uma instância para outra], a presunção de inocência vai sendo mitigada”, disse Fux.

Para ele, a execução antecipada da pena é compatível com a Constituição. Os recursos aos tribunais superiores (STJ e STF), observou o ministro, não reexaminam provas, mas discutem apenas teses jurídicas. “Entendo que essa viragem jurisprudencial trará danos incomensuráveis ao país e à sociedade brasileira.”

O plenário do STF julga três ações, de relatoria do ministro Marco Aurélio, que pedem para os ministros declararem constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, que diz que ninguém pode ser preso exceto em flagrante ou se houver “sentença condenatória transitada em julgado”.

Além da prisão em flagrante e da prisão após a condenação —que é a que se discute—, existem as prisões cautelares (temporária e preventiva), que servem para garantir a aplicação da lei, proteger a sociedade e evitar novos crimes. Essas podem ser decretadas a qualquer momento de uma investigação ou de um processo, inclusive antes da condenação.

Folha