Especialista diz que Lula livre dificulta reformas neoliberais

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Foto: Reprodução

Na noite em que os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram derrubar a prisão de condenados em segunda instância, o mercado não tardou em ventilar os possíveis efeitos da soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na agenda econômica. O principal índice de ações do país, Ibovespa, sofreu uma brusca queda no início da sessão seguinte – tombo que se intensificou para 1,78% no fechamento, pouco depois da confirmação de que Lula deixaria a prisão. Já nesta segunda, a bolsa recuperou os 108 mil pontos e quase recuperou parte das perdas.

Para o analista político da Tendências Consultoria, Rafael Cortez, não houve exagero na reação do mercado. “O ‘efeito Lula’ antecipa um cenário político mais conturbado e transfere o tom desse risco”, disse a EXAME em conversa nesta segunda-feira (11). Doutor em ciência política pela USP e professor especializado em economia política, Cortez acredita que a soltura de Lula em um momento no qual o governo acaba de apresentar sua agenda pós-reforma da Previdência adiciona mais um elemento de dificuldade para seu andamento no Congresso. Mas isso não significa, em sua visão, uma ameaça com potencial de impedir a aprovação do “super pacote” de Guedes. Leia a íntegra da entrevista:

Quais as chances de a liberdade de Lula influenciar o andamento das reformas do governo no Congresso?

Já existia uma expectativa antes da soltura de Lula de que a agenda pós-Previdência teria um custo mais elevado de aprovação do que no primeiro ano de governo, por ser mais complexa e plural. Só o programa finalizado pelo governo deve ter pelo menos quatro emendas constitucionais. Há uma dificuldade maior de encaminhamento destas matérias, mesmo com uma divisão de trabalho entre Câmara e Senado. Diante disso, a soltura do Lula reforça essa dificuldade.

De que forma a soltura do ex-presidente interfere nesta agenda?

Primeiro, pela agenda legislativa. Ela concorre com possíveis emendas constitucionais (PECs) sobre a prisão após segunda instância. E a oposição estava bastante desarticulada em se contrapor à narrativa pró-reformas. Era uma questão de coordenação de centro-direita e agora pode haver uma oposição mais ativa no debate. Isso ajuda a trazer um equilíbrio de poderes maior. Agora, a soltura de Lula não impede a aprovação das reformas. O papel da oposição é muito diminuto no papel legislativo e existe uma proximidade entre a agenda da equipe econômica e os líderes partidários. Como é uma composição basicamente de centro-direita, há até uma concorrência para quem ganha esse adjetivo de reformista.

No dia da soltura de Lula, a Bolsa caiu 1,78% e o dólar subiu a R$ 4,16. Houve uma reação exagerada?

O mercado reage muito a esse choque num primeiro momento por que traz um elemento de incerteza. Não creio que houve exagero, o mercado respondeu a esse choque. O “efeito Lula” é o de antecipar um cenário político mais conturbado e que transfere esse tom de risco. Mas se o governo conseguir construir prioridades e minimizar os conflitos entre a velha e nova política, isso vai aparecer no preço dos ativos.

Pode ter sido também uma reação à ausência de estrangeiros no leilão da cessão onerosa?

Sim. Reforçou a ideia de que ainda há algumas etapas para reconstruir o ambiente de investimentos. O jogo das expectativas é fundamental na natureza dessa recuperação, e havia uma expectativa de que a reforma da Previdência gerasse um cenário virtuoso para a retomada e era importante ter um evento que seria um divisor de águas. A equipe econômica tenta reforçar uma ambição reformista, mas como é um ambiente de muita incerteza, seria importante um marco para gerar um choque. E nesse sentido há uma frustração. Os estrangeiros têm dificuldade em analisar um cenário com tensão política, mesmo com uma agenda econômica positiva. A soltura do Lula dá um peso maior nos acontecimentos da economia.

Dá pára dizer que o risco político aumentou?

A agenda caminha em direção à redução desse risco. O problema é como fazer a leitura desses movimentos. A tendência é que paulatinamente o equilíbrio macroeconômico fique mais positivo para crescimento, há de fato uma consolidação das reformas e redução de taxa de juros. A economia brasileira se desenha para ser protegida desse risco político, mas tem questões não associadas à economia que condicionam o processo decisório dos investidores. Essas questões de natureza político-institucional vão desde a insegurança jurídica por conta de decisões voláteis do Supremo Tribunal Federal até conflitos entre governo e oposição. Esse efeito é importante para que o Brasil atinja patamares mais elevados de crescimento.

O mercado antecipou essa mudança de cenário?

O mercado respondeu à percepção sobre os desafios que serão necessários para consolidar um cenário mais virtuoso. E voltou a considerar incertezas que poderão aparecer no radar a partir deste novo quadro político.

Exame