Há ao menos 5 anos, MP pede proteção a indígenas do MA
Foto: AFP
Há cinco anos, o Ministério Público Federal (MPF) pede na Justiça que as autoridades tomem providências para evitar mortes de índios “guardiões da floresta” como Paulo Paulino Guajajara, assassinado sábado na reserva Arariboia, no Maranhão. Atualmente existem ao menos quatro “guardiões” sob ameaça de morte na área indígena onde ocorreu o crime e outros 20 em todo o Estado.
Todos esses indígenas sob ameaça fazem parte do programa de proteção a testemunhas estadual, assim como Paulino fazia. Apesar disso, estão vulneráveis porque o Estado alega que forças de segurança locais não podem agir em terras da União, como reservas indígenas. O clima na região é de tensão. Nesta terça-feira, 5, foram registrados incêndios na área. “O perigo aumenta por causa deste componente de vingança”, diz o coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) no Maranhão, Gilderlan Rodrigues.
Na terça, foi identificado como sendo de Marcio Greik Moreira Pereira o corpo do outro homem morto no confronto que vitimou Paulino. Há suspeita de que ele integrava um grupo de madeireiros que agia ilegalmente na área Arariboia.
A Polícia Federal (PF) instaurou um inquérito para apurar os crimes, que corre sob sigilo. O governador Flávio Dino (PCdoB) divulgou decreto que cria uma força-tarefa para garantir a segurança dos indígenas e mediar possíveis conflitos. De acordo com o governo estadual, no entanto, para funcionar plenamente a força-tarefa depende da União. “O governo estadual não pode fazer ações de segurança em área federal”, afirma o secretário adjunto de Direitos Humanos do Maranhão, Jonata Galvão. “Para que a força-tarefa possa atuar na área indígena tem que haver solicitação do governo federal.”
Segundo ele, foram feitos um ofício ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, no início do ano e uma reunião com a chefia da PF no Maranhão em agosto para pedir ajuda na proteção aos indígenas ameaçados. Os principais alvos são os integrantes dos grupos batizados como “guardiões da floresta”. Organizados desde 2012 com auxílio da Fundação Nacional do Índio (Funai), os “guardiões” são grupos formados pelos próprios índios para proteger suas terras de invasões. Na Aririboia são cerca de 100 jovens que patrulham a floresta armados com arcos, flechas, bordunas e cordas. Armas de fogo são proibidas nas atividades de “guardião” – Paulino estava caçando quando foi morto.
A situação de vulnerabilidade dos guardiões é expressa em documentos do MPF desde 2014. Naquele ano, os procuradores do Maranhão entraram com a primeira ação civil pública para pedir que a Justiça obrigasse as autoridades federais e estaduais a adotarem um plano de proteção para a área. Quatro anos depois, o MPF moveu outra ação, na qual classifica a região como “estado de coisas inconstitucional”.
Em nota, o Ministério da Justiça disse que tem atendido casos envolvendo indígenas “na medida do possível”. “Além de a PF ter aberto um inquérito atendendo ao pedido do MPF, a Funai já esteve na Terra Arariboia por causa dos conflitos, e o efetivo da Força Nacional tem atendido, na medida do possível, a demandas em diversas terras indígenas.”
Paulino era conhecido por ser calado, mas estrategista. Ele era responsável pela formação de novos “guardiões da floresta” e na região era chamado pelos colegas de “Lobo Mau”, como lembra sua prima Fabiana Guajajara. “Ele era muito calado, mas tinha um respeito muito grande, pois, quando era necessário, sempre estava em defesa das nossas terras”, diz Fabiana. “Fica a dor profunda, mas aumenta a vontade de fazer valer a pena a luta dele e dos demais. Fica o sentimento de revolta”, indigna-se.
O indígena era neto de Francisco Paulino Guajajara, o Cacique Chicão, já falecido, e filho de Zé Maria Guajajara, líder também conhecido como um grande cantador – o que lhe dava condições de uma espécie de líder religioso. Os cantadores dos povos Guajajaras são os responsáveis pelos rituais e contato com as divindades.
Paulo tinha quatro irmãos, era casado e possuía um filho de dois anos. Sua mulher estava grávida de dois meses.
O coordenador da Comissão Indigenista do Maranhão, Gilderlan Rodrigues, afirma ter conhecido Paulo Guajajara em 2005. “Ele era uma liderança religiosa por se destacar como cantor guajajara. Assim como era considerado uma liderança interna, ele organizava os guardiões, discutia questões territoriais e estava caminhando para ser cacique”, diz.
Taciano Brito, cineasta, responsável por gravar um filme sobre os povos indígenas da reserva do Arariboia, informou que está na região apurando os desdobramentos do assassinato e fez uma homenagem a Paulo nas redes sociais. “Revoltante ter mais guerreiro guardião assassinado pelas mãos dos madeireiros que insistem em invadir a terra indígena Arariboia (…) Paulino me falou várias vezes que a cabeça dele e do pai estão a prêmio”, afirmou em uma postagem.
Laércio Souza Silva, indígena sobrevivente de confronto no Maranhão
1.Como Paulino foi baleado?
A gente estava caçando na mata, procurando qualquer coisa que encontrasse: tatu, anta, porcão-do-mato. Aí resolvemos parar na lagoa para e pegar água para beber. Ficamos por ali para ver se a caça também ia beber água quando de repente as pessoas chegaram atirando. Eles estavam muito próximos, uns quatro ou cinco metros. Ouvimos o barulho mas não deu para saber que era gente. Pensamos que era caça.
2.Vocês estavam com armas de fogo?
Quando olhei, meu companheiro já estava caído no chão, com a mão no pescoço. Foi muito rápido. A gente tinha espingarda de caça mas eu não tive tempo de reagir. Não vi o Lobo (apelido de Paulino) atirando.
3. O que você fez depois?
Eu estava ferido. Levei um tiro nas costas e outro no braço e me escondi. Quando eles deram um tempo no tiroteio saí correndo. Corri 10 quilômetro a pé, ferido, na floresta. Lobo não é o primeiro que eles matam. Ele já tinha sido ameaçado. No começo do ano foi um pistoleiro ameaçar lá na casa dele. É por causa do nosso trabalho na proteção da mata.