Lula obriga Bolsonaro a ter preocupações sociais
Foto: Gabriela Biló/Estadão
Sob pressão, o presidente Jair Bolsonaro tenta reforçar a política de combate à pobreza e reduzir as críticas à área social, considerada um gargalo na gestão. Mesmo em um cenário de restrição fiscal, o Palácio do Planalto mobilizou a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, para ampliar benefícios às famílias de baixa renda. Na ofensiva em busca da conquista do eleitorado do Bolsa Família, o governo apelou ainda ao economista Ricardo Paes de Barros, um dos criadores do programa no mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A preocupação com a agenda social aumentou diante do temor do “efeito Chile”, o primeiro de uma onda de protestos que se espalharam pela América Latina. O governo também busca um plano de ação após o lançamento da agenda de combate à pobreza do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e a libertação de Lula.
Entre as propostas em análise pelo governo está a concessão de um adicional de R$ 6,81 por mês para cada uma das 13,8 milhões de famílias beneficiadas pelo Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do governo – o benefício para uma família em extrema pobreza é de R$ 89 por mês. O aumento seria possível com uma folga no orçamento, que viria a partir do fim da desoneração de produtos da cesta básica.
O programa, que garantiu a força do lulismo, especialmente no Nordeste, tem impacto na renda de cerca de 43 milhões de pessoas, nas estimativas oficiais. De olho em sua base de apoio, o ex-presidente deixou a prisão com um discurso focado nas contradições da agenda liberal de Guedes e no resgate da questão social. Integrantes do núcleo político avaliam, agora, que o governo perdeu tempo na “corrida” pelo “voto social”.
Em reação à soltura do petista, a equipe econômica foi orientada a buscar espaço no orçamento para aumentar os recursos destinados aos programas sociais. O grupo de Guedes avalia ainda que Maia, ao lançar uma agenda social, avançou numa área do Executivo. Nas conversas sobre o Bolsa Família, integrantes da equipe de Bolsonaro chegaram a defender até a troca do nome do programa para Bolsa Brasil. Mas setores do governo resistem à mudança.
Programa habitacional e auxílio a estudantes atletas também estão no radar
Além do reajuste do benefício, a população de baixa renda que está nos municípios com até 50 mil habitantes será o foco de um programa habitacional, a ser lançado no lugar do Minha Casa, Minha Vida. O modelo funcionará com um sistema de voucher (vale que assegura um crédito), em que as famílias receberão recursos para comprar, construir ou reformar a casa própria. O público potencial do programa são famílias com renda de até R$ 1.200 mensais em média, mas o valor exato será definido de acordo com a região.
Entre as propostas avaliadas está ainda um novo incentivo patrocinado pelo BNDES, que poderá se chamar Bolsa Atleta Escolar. Cinco mil estudantes devem receber R$ 300 por mês para se dedicar à atividade desportiva e se preparar para os Jogos Escolares brasileiros. Com a proposta, serão gastos R$ 18 milhões por ano.
O pacote de medidas inclui também um reforço no Programa Criança Feliz, que tem como madrinha a primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Nesta semana, o governo recebeu o Prêmio Wise Awards pelo trabalho com os menores de até três anos. O programa atende 820 mil crianças e gestantes do Bolsa Família, que recebem visitas de 25 mil agentes semanalmente. A previsão é ultrapassar 1 milhão de atendimentos no ano que vem e, até 2022, atingir 3,2 milhões.
Críticas à agenda liberal de Guedes se intensificaram com a libertação de Lula
A agenda liberal de Guedes é o alvo principal dos ataques dos críticos – para quem o ajuste e as reformas propostas pela equipe econômica punem mais a população de baixa renda. O anúncio da taxação do benefício do seguro-desemprego para bancar a desoneração da folha de pagamento das empresas, no pacote de estímulo do emprego, alimentou essa percepção negativa. No embalo da libertação de Lula, no início deste mês, as críticas se intensificaram nas últimas semanas.
Em pleno feriado da Proclamação da República, no dia 15, o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, convocou uma reunião com o ministro da Cidadania, Osmar Terra, para discutir um plano de ações com foco na primeira infância. Também participaram do encontro os ministros da Educação, Abraham Weintraub, e da pasta da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. Na ocasião, o grupo fez uma primeira radiografia geral das políticas públicas já existentes.
Rever desoneração deve afetar consumo apenas da alta renda
A revisão da política de desoneração da cesta básica em estudo pelo governo quer evitar que o benefício contemple famílias de alta renda, consumidoras de produtos como carnes nobres e peixes como salmão, hoje na lista de isenção de tributos da cesta. A ideia é que os recursos poupados com o aumento da tributação de alguns itens sejam direcionados ao Bolsa Família.
A proposta é reonerar produtos como queijos (do gorgonzola ao chantilly), iogurtes light e diet, leite condensado, creme de leite, cream cheese, cappuccino em pó solúvel, filé de alguns tipos de peixe (incluindo salmão), peru, pato e até ovo de jacaré. Todos são hoje desonerados porque estão na chamada “cesta básica” a um custo de R$ 1,17 bilhão anual. O reforço do Bolsa Família teria potencial para retirar 117 mil pessoas da pobreza, diz o Ministério da Economia.
Em 2018, a desoneração da cesta básica consumiu R$ 15,9 bilhões, mas só R$ 1,6 bilhão desse valor é gasto com os 20% mais pobres. Os 20% mais ricos, por sua vez, ficam com R$ 4,5 bilhões do benefício.
‘Não aceito que digam que não fizemos nada’, diz Osmar Terra
Interlocutores do Palácio do Planalto negam que o governo tenha corrido para apresentar propostas na área social em reação aos movimentos de políticos da esquerda e do centro. Observam que o primeiro passo do presidente Jair Bolsonaro para o reforço da política social ocorreu antes das ações dos adversários, quando garantiu o 13.º salário a beneficiários do Bolsa Família – programa do governo Lula que tanto Bolsonaro como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), querem turbinar.
Além de transformar o 13.º salário numa ação permanente, em sua proposta de reforma tributária, o governo vai lançar o programa de restituição dos tributos da cesta básica aos beneficiários dos programas sociais. A informação foi antecipada ao Estado pelo secretário da Receita Federal, José Tostes. “Não aceitamos que digam que não fizemos nada. Criar o 13.º é um avanço”, disse o ministro da Cidadania, Osmar Terra. Ele não reconhece índices de redução da pobreza nos governos petistas.
Associado ao legado petista no setor social, Ricardo Paes de Barros já havia se reunido em outubro com Osmar Terra para avaliar o Bolsa Família. A contribuição informal do economista-chefe do Instituto Ayrton Senna e professor do Insper no governo Bolsonaro forma uma trinca familiar no poder. Ele é irmão do presidente da Infraero, brigadeiro Hélio Paes de Barros Júnior, e do ministro de Minas e Energia, almirante Bento Costa Lima de Albuquerque Júnior. Bento Albuquerque é filho da segunda mulher do pai dos irmãos Paes de Barros.
Estadão