Pastores angolanos acusam Edir Macedo
Foto: Divulgação/IURD
Em um movimento sem precedentes, pastores angolanos da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd) anunciaram uma ruptura com o fundador, bispo Edir Macedo, e com o restante da liderança brasileira da igreja, acusando-a de desviar recursos para o exterior, discriminar funcionários locais e de promover a esterilização de sacerdotes africanos.
Em comunicado divulgado pela imprensa angolana na última quinta-feira (28/11), os religiosos — que dizem ter o apoio de 330 pastores e bispos angolanos da Universal — exigem que líderes brasileiros da instituição deixem “o território nacional dentro dos prazos estabelecidos pelas autoridades migratórias” para que a igreja passe a ser “liderada exclusivamente por angolanos”.
O cisma — que põe em xeque a sobrevivência da Iurd em um de seus principais palcos no exterior — ocorre poucas semanas após a Universal ser ameaçada de expulsão em outro país africano, São Tomé e Príncipe, onde também era acusada de privilegiar pastores brasileiros e forçar pastores locais a realizar vasectomias.
A Universal iniciou em 1992 suas operações em Angola, ex-colônia portuguesa no oeste africano com cerca de 30 milhões de habitantes. Desde então, abriu mais de 230 templos no país. A igreja diz ter como fiéis 2,7% da população angolana.
Na quinta-feira, houve tumulto quando os pastores revoltosos tentaram entrar no principal templo da Universal na capital angolana, Luanda, para ler o manifesto contra os líderes brasileiros. Policiais e seguranças impediram o acesso do grupo.
Em reportagem transmitida pela Televisão Pública de Angola (TPA), principal emissora do país, um dos pastores barrados, que não teve o nome divulgado, acusou os líderes da Universal de praticar “nepotismo, racismo e ‘amiguismo'”, privilegiando religiosos brasileiros e dificultando a ascensão de angolanos.
O manifesto dos pastores diz que, embora a subsidiária da Iurd em Angola seja uma “instituição religiosa de direito angolano”, registrada no Ministério da Justiça e regida pelas leis locais, brasileiros exercem forte controle sobre a igreja no país.
Esse domínio, segundo o texto, “é visível em todos os quadrantes da igreja, desde os púlpitos à área administrativa, que tem se traduzido em atos discriminatórios, onde na maior parte das vezes o principal critério para se atribuir certas responsabilidades eclesiásticas e/ou administrativas é a nacionalidade brasileira”.
O manifesto diz que, há alguns anos, líderes brasileiros da Universal começaram a tomar atitudes reprovadas por bispos e pastores angolanos, “tais como a evasão de divisas para exterior”.
Segundo os religiosos, sob orientação de Macedo, os gestores da Universal no país africano decidiram “vender mais da metade do patrimônio da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola, sem prévia consulta aos bispos, pastores, obreiros e membros angolanos”.
“O referido patrimônio inclui residências e terrenos que foram adquiridos e/ou construídos com os dízimos, ofertas e doações dos bispos, pastores, obreiros e membros de Angola”, segue o comunicado.
Os pastores afirmam ainda que, nos últimos 12 meses, “a anterior e atual liderança brasileira, por orientação do Bispo Edir Macedo, tem forçado os pastores solteiros e casados a submeterem-se a um procedimento cirúrgico de ‘esterilização’, tecnicamente conhecido como vasectomia”.
O grupo diz que a prática constitui “clara violação dos direitos humanos, da lei e da Constituição da República de Angola”, além de ser estranha “aos costumes da nossa realidade africana e angolana”.
Procurada pela BBC News Brasil, a Igreja Universal não se pronunciou sobre as acusações nem sobre a revolta dos pastores angolanos até a publicação desta reportagem. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil tampouco se pronunciou sobre a ameaça de expulsão de religiosos brasileiros de Angola.
No início de novembro, a BBC News Brasil publicou uma reportagem sobre um levante popular que provocou a depredação de vários templos da Universal e a morte de um adolescente em São Tomé e Príncipe, um dos 23 países africanos onde a denominação brasileira está presente.
A crise teve início após o pastor são-tomense da Universal Iudumilo Veloso ser preso na Costa do Marfim, onde trabalhava havia 14 anos para a igreja. Ele era acusado de divulgar em redes sociais mensagens que denunciariam supostos abusos da Universal contra funcionários africanos.
A detenção do pastor gerou uma revolta em São Tomé e Príncipe — muitos são-tomenses avaliaram que a Universal havia arquitetado a prisão do pastor para evitar a divulgação de práticas discriminatórias da igreja no país.
Já a Iurd disse que havia apenas denunciado a autoridades marfinenses mensagens que continham “mentiras absurdas e calúnias” sobre a Universal, mas que coube à polícia local identificar e prender o autor.
Em meio à turbulência, políticos são-tomenses cogitaram expulsar a Iurd do país. A ameaça ficou em suspenso após a soltura de Veloso, obtida após uma ofensiva diplomática que mobilizou o Itamaraty e membros da bancada evangélica no Congresso brasileiro, entre os quais o deputado federal (e bispo da Iurd) Márcio Marinho (Republicanos-BA).
Procurado pela BBC News Brasil nesta sexta-feira, Marinho não se pronunciou sobre os acontecimentos recentes envolvendo a Universal em Angola.
Entre as acusações atribuídas ao pastor Iudumilo Veloso estava a de que a Universal impedia clérigos africanos de se casar ou os obrigava a fazer vasectomia para que não tivessem filhos — assim, poderiam se dedicar integralmente à igreja.
Na ocasião, a Universal disse à BBC News Brasil que a acusação era “facilmente desmentida pelo fato de que muitos bispos e pastores da Universal, em todos os níveis de hierarquia da igreja, têm filhos”.
“O que a Universal estimula é o planejamento familiar, debatido de forma responsável por cada casal”, disse a igreja.
No Brasil, a Justiça já condenou a Universal a indenizar pastores submetidos a vasectomias. Em agosto, em um dos últimos casos julgados, a juíza Glaucia Alves Gomes, do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1), condenou a Iurd a pagar R$ 200 mil a um pastor que trabalhou por seis anos na entidade e realizou vasectomia no período.
Em nota sobre o julgamento, a assessoria tribunal disse que “duas testemunhas indicadas pelo trabalhador e uma pela Igreja Universal comprovaram ser comum o incentivo à prática de vasectomia pelos pastores”. “Segundo uma delas, a recusa em realizar o procedimento pode reduzir a possibilidade de promoção ou acarretar a transferência para um local indesejado”, afirma a nota.
A crise atual é o segundo grande revés que a Iurd enfrenta em Angola em menos de uma década.
Em 2013, o governo angolano suspendeu as atividades da Universal por 60 dias após 16 pessoas morrerem pisoteadas em um culto da igreja, em Luanda.
O incidente ocorreu em um evento realizado em um estádio e batizado de “O Dia do Fim”, no qual fiéis eram instados a “dar um fim a todos os problemas que estão na sua vida: doença, miséria, desemprego, feitiçaria, inveja, problemas na família, separação, dívidas etc”.
Segundo investigadores, 152 mil pessoas se dirigiram para o estádio, que tinha capacidade para 30 mil. Uma comissão de inquérito concluiu que a superlotação foi causada por “publicidade enganosa”. Na época, vários pastores da Iurd foram detidos pela polícia.
A suspensão também se aplicou a outras seis igrejas evangélicas — ao menos três das quais brasileiras, como a Igreja Mundial do Poder de Deus, do pastor Valdemiro Santiago — por, segundo o governo, recorrerem “às mesmas práticas que as da Iurd” e operarem sem licença.
Numa reviravolta, porém, a suspensão acabou sendo interpretada como benéfica à Universal. Isso porque, terminado o prazo da punição, a Universal foi a única das sete igrejas suspensas a receber autorização para voltar a operar.
As demais foram barradas por não gozar de “personalidade jurídica e por falta do reconhecimento oficial do Estado angolano”, o que, segundo analistas, reduziu a concorrência enfrentada pela Universal e permitiu que ela absorvesse parte dos fiéis que frequentavam as outras denominações.