Relator do TRF4 quis dar “aula” a ministros do STF

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 Foto: Sylvio Sirangelo/TRF4

O desembargador João Pedro Gebran Neto, relator da Operação Lava Jato no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), fundamentou com regras legais, precedentes, análise processual e com base em suas convicções pessoais sua decisão de rejeitar, como regra geral retroativa, a ordem diferenciada para apresentação das alegações finais entre réus delatados e réus delatados. A medida havia sido estipulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – que anulou no mês passado uma ação contra o ex-presidente da Petrobrás Aldemir Bendine.

Ao negar o pedido de nulidade da sentença da Lava Jato, em Curitiba, que condenou Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do sítio de Atibaia, Gebran Neto deixou claro que “não comunga desse entendimento”, já alvo de debates anteriores, e que, além de não ter base legal, não pode ser usado como regra para processos passados.

“Me parece que o que fez o Supremo Tribunal Federal é criar uma norma processual não escrita (…), que só poderia valer com efeito ex nunc, jamais uma norma processual com eficácia retroativa. Fazendo com que todos os juízes do Brasil tivessem que adivinhar que, em determinado momento, seria criado uma nova norma, e que todos os processos que não implicassem essa nova norma retroativamente seriam eivados de nulidade.”

A decisão, acompanhada pelos dois outros desembargadores da Oitava Turma, Leandro Paulsen e Carlos Eduardo Thompson Flores, foi criticada e também classificada pela defesa de Lula como uma “afronta” ao Supremo. Para a Oitava Turma, a tese é uma “compreensão inovadora”. “Ainda que se pretenda extrair compreensão inovadora de ordem processual, dever-se-ia atribuir eficácia ex nunc, a bem da segurança jurídica.”

No processo contra Bendine, na Lava Jato, o plenário do STF anulou sentença da 13.ª Vara Federal e acolheu argumento dos advogados de que houve prejuízo ao cliente na apresentação de sua defesa final ao mesmo tempo que os réus delatores. Os desembargadores discordam.

“Entendo que o processo está em consonância com o Código de Processo Penal. Os prazos para alegações finais são comuns a todos os réus, não havendo em que se falar em ordem diferenciada de apresentação de alegações finais”, afirmou Gebran Neto ao ler o capítulo do voto de mais de 350 páginas em que tratou sobre o pedido da defesa para anular a sentença do processo, que ela considera igual ao do caso Bendine.

“As alegações finais, para mim isso é fundamental, constituem peça defensiva a ser apresentada em condições iguais pelos réus.”

Gebran Neto argumentou que há 24 anos a delação existe, mesmo antes da lei de 2013 que a regulamentou, e “nunca se tratou de ordem preferencial para delatados antes”. Além dos artigos do código, citou voto do ministro Celso de Mello, que defendeu a “necessidade de preservação dos atos pretéritos”.

“Como procedimento processual, está regrado na lei, e não cabe ser alterado por interpretação desse tipo. Com efeito o prazo das alegações finais no Código de Processo Penal é comum e a pretensão carece de fundamentação. É nessa linha a minha compreensão pessoal.”

Tese. O relator da Lava Jato usou artigos do Código de Processo Penal, decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em especial do ministro Felix Fischer, relator da Lava Jato, e de ministros e ex-ministros do STF, como Celso de Mello e Cezar Peluso.

O desembargador afirmou que o TRF-4 tem longa fundamentação sobre o tema e citou um julgamento em outro processo da Lava Jato contra o ex-presidente – em que ele é acusado de corrupção e lavagem envolvendo terreno para o Instituto Lula. Houve debate entre os desembargadores e a conclusão de que “não há direito a manifestação por último de réus não colaboradores”.

Para o tribunal e para o relator da Lava Jato no STJ, o argumento de que há prejuízo para o réu delatado, pois o réu delator figuraria uma espécie de assistente de acusação do Ministério Público, não tem fundamento. Pelo rito processual penal, ao término da instrução do processo, em que são ouvidos os réus e testemunhas, apresentadas as provas, as partes – acusação e defesas – fazem suas alegações finais para o juiz, que vai proferir a sentença. A acusação apresenta primeiro e depois as defesas dos réus.

Gebran cita trecho de uma voto do ministro Fischer do STJ. “O acusado colaborador não se despe de sua condição de acusado no processo penal. Apenas optou com legitimidade a defender-se com a pretensão de colaborar com a Justiça.” Segundo ele, “não cabe criar normas processuais e estabelecer preferências ou hierarquias entre defesas”.

Prejuízo. O relator destacou ainda a necessidade de comprovação de prejuízo para os réus. “A jurisprudência do Supremo e do STJ exige a demonstração de prejuízo.”

No voto, citou decisão do ex-ministro Cezar Peluso: “Não há no Processo Penal nulidade, ainda que absoluta, quando do vício alegado não haja o prejuízo do co-réu”. “Em momento algum se demonstrou a existência qualquer tipo de prejuízo.”

“Inexiste vício processual na organização dos feitos, não há legislação que determine que a ordem de apresentação seja os réus colaboradores ou não. Não há prejuízo dos réus não colaboradores na mera apresentação das alegações finais no prazo comum. Porque se cuida de peça processual, na qual cada um traz seus melhores argumentos, mas não inova na posição jurídica ou probatória da parte.”

Estadão