Ano acaba com Lava-Jato desmoralizada e Lula Livre
O Poder Judiciário foi mais uma vez protagonista no jogo de xadrez da política brasileira em 2019. O ano, que começou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) preso em Curitiba (PR) e com a posse de Sergio Moro como ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, sofreu uma reviravolta a partir de 9 de junho, com a divulgação de mensagens privadas de operadores da Lava Jato.
A série de reportagens do The Intercept Brasil, apelidada de “Vaza Jato”, mostrou as relações escusas entre Moro e membros da força-tarefa em Curitiba (PR) e contribuiu para desmoralizar a operação. Os vazamentos respingaram até em ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e nunca foram devidamente explicados pelo Judiciário paranaense nem pelo procurador Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa.
Entre as principais revelações, ficou claro que Dallagnol queria lucrar com a fama obtida como chefe da operação e que Moro orientava ilegalmente ações da Lava Jato, interferindo até em acordos de delação.
Em paralelo, os procuradores da Lava Jato no Paraná tentavam fechar um acordo bilionário com os Estados Unidos para criar uma fundação privada com dinheiro público da Petrobras. O “desvio de função” foi barrado pelo STF.
A desmoralização da Lava Jato junto à opinião pública, porém, não começou com a “Vaza Jato”. Durante o primeiro semestre, a perseguição a Lula foi evidenciada de diferentes formas, expondo as violações que ocorrem desde o início da operação.
Até abril, o ex-presidente esteve impedido de conceder entrevistas, apesar da previsão legal e dos pedidos de vários meios de comunicação. Em uma de suas negativas, a juíza Carolina Lebbos, da 12ª Vara Federal de Curitiba, tentou argumentar: “O preso se submete a regime jurídico próprio, não sendo possível, por motivos inerentes ao encarceramento, assegurar-lhe direitos na amplitude daqueles exercidos pelo cidadão em pleno gozo da sua liberdade”.
O argumento foi derrubado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, em 18 de abril. A primeira entrevista foi concedida aos jornalistas Mônica Bérgamo e Florestan Fernandes Jr., à Folha de S. Paulo e ao jornal El País, oito dias depois.
Outro acontecimento que manchou a imagem da Lava Jato foi o indeferimento do pedido de Lula para participar do velório do irmão, Vavá. A decisão foi tão mal recebida pelos brasileiros que o entendimento foi modificado no falecimento de Arthur, neto do ex-presidente. Era a primeira vez que Lula deixava a prisão – por poucas horas.
Em todos esses casos, houve resistência popular em defesa de Lula. Uma das materializações desse sentimento era a Vigília Lula Livre, montada em frente à Superintendência da Polícia Federal (PF) em Curitiba durante os 580 dias em que o ex-presidente esteve preso. No espaço, foram realizados atos políticos, atividades de formação e conversas com lideranças políticas nacionais e internacionais que visitaram o petista ao longo do ano.
Foi na Vigília que Lula deu o primeiro discurso depois de libertado, no dia 8 de novembro. “Não podemos permitir que os milicianos acabem com o país que construímos”, disse no dia seguinte, em referência ao governo Bolsonaro. Ele também reafirmou, diante de milhares de apoiadores em São Bernardo do Campo (STF), sua disposição em lutar por justiça.
A soltura foi resultado de uma decisão do STF que garantiu o respeito ao princípio constitucional da presunção de inocência e reafirmou a proibição da prisão automática após condenação em segunda instância.
Nas últimas semanas de 2019, a série “Vaza Jato” parece ter chegado ao fim, mas a perseguição a Lula, não. O ex-presidente foi condenado em segunda instância no caso “sítio de Atibaia”. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) ignorou o “copia e cola” da juíza Gabriela Hardt, de Curitiba, e aumentou a pena para 17 anos.
Os percalços vividos pela Lava Jato ao longo do ano afetaram a popularidade de Sergio Moro. De abril a dezembro, segundo o instituto Datafolha, o número de brasileiros que consideram o ex-juiz “ótimo ou bom” caiu dez pontos percentuais – de 63% para 53%. Ainda assim, o ministro da Justiça conseguiu aprovar parte de seu pacote “anticrime” no Congresso Nacional e continua mais popular que o presidente da República, Jair Bolsonaro.
Diante do avanço conservador que persiste em âmbito federal, a liberdade de Lula é vista como um trunfo para os movimentos populares em 2020, ano de eleições municipais. “Lula livre altera correlação de forças para a esquerda”, avalia o cientista político Armando Boito, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Porém, a perseguição continua, e há uma série de processos a que ele terá que responder no ano que vem.
Ainda assim, o ex-presidente promete se somar à resistência ao governo Bolsonaro. Em entrevista ao Brasil de Fato, uma das últimas antes de ganhar a liberdade, ele declarou: “Estou vendo, de um lado o Bolsonaro falando as bobagens dele, de outro lado o [Paulo] Guedes vendendo o Brasil. E nós estamos com uma luta economicista sem fim, quando eu acho que a luta agora é eminentemente política. Eles não têm o direito de vender o Brasil. Essas coisas que não podem continuar acontecendo. Precisamos recuperar o espírito rebelde do povo brasileiro”.