Apesar das promessas, Bolsonaro mantém a velha política
A política brasileira foi construída ao longo dos anos por uma vasta quantidade de acordos, diálogos, conflitos e histórias. Em 2019, não foi diferente. Para o bem ou mal, o personalismo do presidente Jair Bolsonaro marcou um novo capítulo na redemocratização. Em seus discursos e ações, buscou um canal direto com a população a ponto de, por vezes, sinalizar a sobreposição do diálogo com os demais Poderes. Sobretudo no início, o relacionamento foi conflituoso, em especial com o Congresso. No entanto, atores de ambos os lados, Executivo e Legislativo, fazem um balanço positivo do primeiro ano da gestão Bolsonaro. A leitura é de adaptação, como mostra a série de reportagens que o Correio publicará ao longo desta semana.
Mas a “nova era” prometida pelo capitão reformado nas eleições de 2018 — reconhecida por líderes no Parlamento — ainda não saiu totalmente do papel. Velhos vícios continuam ao sabor da conveniência. Nos momentos mais conturbados, acordos para liberação de emendas de parlamentares se sobrepuseram ao discurso de mudança. No Planalto, a visão é de que a promessa de fazer diferente na política prevaleceu. Enquanto governos anteriores adotaram mecanismos de loteamento de ministérios, estatais e autarquias por aliados políticos a fim de assegurar a governabilidade, a atual gestão apostou em um modelo diferente, de maior liberdade nas nomeações.
Não foi só, alega o Planalto. Diferentemente de seus antecessores, que formulavam a agenda a ser negociada com o Congresso e mantinham a liderança sobre ela, Bolsonaro ficou no papel de propor a pauta e deixar que o Parlamento a aprimorasse. Os ajustes em relação ao padrão então mantido causaram estranheza e ruídos na Câmara e Senado ao longo de todo o ano. Para congressistas, foi uma forma de desprestígio a parceiros potenciais, que causou vácuo e omissão. Para o Executivo, foi uma maneira de prestigiar, não tutelar e manter a harmonia e independência entre os Poderes.
Apesar das divergências de pontos de vistas, a produção legislativa em 2019 foi elevada. Ao longo do ano, 213 matérias viraram leis ou emendas à Constituição, aponta a Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais. Em comparação aos últimos dois anos ímpares — quando não há eleições e a produtividade costuma ser sazonalmente maior — o número é 17% sobre 2015, primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff, mas 7,8% inferior ante 2017, primeiro ano completo do ex-presidente Michel Temer (veja arte).
Proposições
O cientista político Enrico Ribeiro, coordenador legislativo da Queiroz Assessoria, avalia que a produção poderia ser maior se o governo trouxesse o Congresso para o centro do debate e não se limitasse a propor a agenda e deixar os parlamentares como os principais atores da construção das matérias. “O meio termo seria o presidente ter o poder de agenda e fazer valer esse poder, mantendo a liderança sobre a proposição dos debates”, analisa. No entanto, ele reconhece que o processo foi feito sem o loteamento de cargos. “Antes se percebia claramente quem tinha indicado quem, quem era quem, agora, você não tem isso. É uma coisa positiva”, admite.
A acomodação de apadrinhados políticos em cargos no governo, embora criticada pela sociedade, é vista como positiva entre parlamentares e especialistas quando feita republicanamente e sem promiscuidades. Apesar disso, não é a única forma de construir uma base aliada. O exercício de liderança do presidente da República o legitima, em um sistema presidencialista, a propor as discussões centrais e a formar seu apoiamento a partir daí. Para o senador Álvaro Dias (Podemos-PR), líder do partido no Senado, o segundo na Casa, Bolsonaro demonstrou não ter aptidão para o exercício da função. “Rapidamente se percebeu um vácuo, a ausência de liderança do presidente. Ele esteve ausente o ano todo. Não participou das articulações no Congresso. A escolha de líderes do governo nem sempre foi feliz e, com isso, houve um comprometimento das tramitações mais importantes”, diz.
O senador Esperidião Amin (PP-SC), líder do bloco parlamentar Unidos pelo Brasil, que representa quase 1/4 do Senado, minimiza o desconforto sentido por alguns no Congresso e avalia que tudo se trata de adaptação. “Certamente, estamos em uma nova era, com prós e contras. Nem tudo há de ser positivo, nem tudo há de ser negativo”, analisa. Os contras, pondera, são os murmúrios de parlamentares. Para ele, o jeito de Bolsonaro também não sugere problemas. “A incontinência verbal do presidente é uma questão pessoal, mas ele não disse nada que caracterize crime de responsabilidade. Os excessos verbais só surpreendem quem nunca tinha conversado com ele. Eu o conheço desde 1991, e acho que continua o mesmo. É coerente, talvez até demais, mas só não podem dizer que mudou”, pondera.
Amin destaca ter participado, em maio, de uma reunião na residência oficial da Presidência do Senado junto a outros senadores, entre eles, o mandatário da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em que o poder de governabilidade de Bolsonaro foi questionado. “Não vou dar os nomes mas, com exceção de Esperidião Amin, o prognóstico era de que o presidente ficaria sem condições de governabilidade. Eu disse absolutamente que ‘os problemas que está tendo é porque está fazendo uma forma de política diferente’. Ele vai sobreviver, e, se não tiver nenhum escândalo moral, vai governar. E, se nós ajudarmos, porque também estamos em uma democracia, nós vamos aprovar coisas importantes. É só olhar o que aprovamos ao longo do ano”, sustenta.