Brasil poderá ter muitos professores e menos preparados
Foto: Silvia Zamboni/Valor
Com o envelhecimento da população e o boom de cursos de licenciatura, o Brasil corre o risco, mantido o ritmo atual, de criar um excedente de professores, estima Ricardo Paes de Barros, professor do Insper e economista-chefe do Instituto Ayrton Senna. De 2013 a 2017, 1,148 milhão de docentes saíram das universidades, cerca de metade do total de profissionais da área nos setores público e privado no ano de 2018, em torno de 2,2 milhões.
“Somos um país de professores. Considerando apenas o setor público, o que é produzido em cinco anos equivale a dois terços do estoque de empregados”, disse. “No agregado do Brasil, você não vai mais precisar de tantos professores. E nós estamos com uma educação superior apontando na direção de produzir mais professores no mesmo ritmo que temos feito”.
Segundo o pesquisador, esse excesso ocorreu porque, em meio à necessidade de concluir a universalização do ensino, a sociedade demandou à academia mais professores. “Talvez precisemos dizer à universidade que não precisamos de mais professores, mas de melhores.”
Estudos recentes também têm mostrado que a expansão das licenciaturas e dos cursos de pedagogia tem ocorrido sobretudo pela oferta de graduações a distância, cuja qualidade é inferior à da modalidade presencial.
Mesmo computando as aposentadorias, também não haveria espaço para absorver todos esses profissionais. Na média brasileira, em torno de 25% dos professores têm mais de 50 anos e, logo, estariam aptos à aposentadoria e posterior substituição.
Sem uma mudança de rota, o contingente de docentes só deve subir. A estimativa de Paes de Barros é que algo em torno de 1 milhão a 1,5 milhão de professores sejam formados em cinco anos.
O diagnóstico foi apresentado ontem a secretários estaduais de Educação, em São Paulo. Os dados chamam a atenção porque em praticamente todos os Estados o envelhecimento da população até 2050 vai reduzir a demanda por educação básica. Isso vai acentuar a queda das matrículas, um movimento que já vem sendo observado nos últimos anos.
Com menos alunos entrando na rede ano a ano e a melhora do fluxo escolar, isto é, a redução das reprovações, o investimento per capita por estudante deve subir mesmo sem expansão substancial de orçamento. “Vamos poder dar uma melhor educação a cada aluno, a questão é como gastar esse per capita da melhor maneira possível.”
Segundo Paes de Barros, com essas informações os gestores podem tomar decisões que abririam uma folga financeira, como reduzir o número de escolas, ou diminuir a quantidade de alunos em cada sala de aula ou ainda ampliar a carga horária.
Nos dois últimos casos, no entanto, não necessariamente haveria uma melhora do ensino. “O professor realmente precisa de mais tempo de exposição ao aluno ou precisa de uma aula que ele está mais preparado para dar?”, questiona Paes de Barros.
Desde a experiência bem-sucedida de Pernambuco, que tem hoje 57% das vagas ofertadas no primeiro ano do ensino médio em regime de tempo integral, a ampliação do horário escolar tem sido defendida como uma das saídas para reverter a baixa aprendizagem dos brasileiros.
Paes de Barros defende que é necessário, mais do que espalhar o modelo de tempo integral, melhorar a formação e a remuneração dos professores. Hoje, praticamente todos os Estados pagam menos a seus docentes do que os demais profissionais com ensino superior, aponta o pesquisador.
Além dos benefícios de na aprendizagem, o pesquisador destaca que existem impactos sociais em atrair e remunerar melhor esses profissionais. “Como a carreira atrai gente de famílias pobres, isso é uma tremenda janela de ascensão social.”
Levantamento de Paes de Barros a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua mostra que os professores representam 3,1% da força de trabalho total do Brasil. Entre as mulheres com ensino superior, a participação é ainda maior: 20% são professoras.
Outro recorte, a partir do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade), mostra que, em 2017, 72% dos concluintes em licenciatura e cursos de pedagogia eram mulheres, 52% eram negras, pardas ou indígenas e 61% tinham mães que haviam cursado, no máximo, até o ensino fundamental.