Damares quer impedir que jovens façam sexo
Foto: Sergio Lima/AFP/Getty Images
À BBC News Brasil, a coordenadora-geral de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente do ministério, Cecília Pita, disse que a pasta não promoverá o uso de preservativos e outros métodos contraceptivos porque isso já é realizado com políticas da Saúde e da Educação.
Algumas dessas ações, porém, têm sido revistas no governo de Jair Bolsonaro – o presidente afirmou em março que o Ministério da Saúde iria recolher e reformular a Caderneta de Saúde do Adolescente, publicação que traz ilustrações sobre como usar preservativos. Na ocasião, ele também sugeriu aos pais que cortassem essas páginas da publicação, aproveitando o restante do material. A pasta não respondeu à BBC News Brasil se de fato está revisando o teor da caderneta, que segue disponível em seu site.
“No currículo escolar já tem a previsão do ensino dos métodos contraceptivos, não é nada que a gente precise fazer. A gente entende que é preciso, sim, ter educação sexual, mas que é preciso informar sobre os benefícios de uma iniciação (sexual) tardia, e os prejuízos de uma iniciação precoce”, argumentou Cecília Pita.
A coordenadora-geral disse que a pasta comandada por Damares ainda está elaborando as ações e não soube informar quanto será gasto.
Dados do Ministério da Saúde mostram que os casos de gravidez na adolescência (até 19 anos) recuaram 36% no Brasil entre 2000 e 2017. Ainda assim, a incidência segue alta. Segundo o último relatório da ONU sobre o tema, o Brasil registra 62 jovens gestantes a cada mil jovens entre 15 e 19 anos, enquanto a taxa média mundial é de 44 a cada mil.
Além disso, tem aumentado no país a transmissão de infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), devido ao pouco uso do preservativo. Dados da ONU, indicam que o Brasil apresentou aumento de 21% no número de novos casos de infecções por HIV de 2010 a 2018, o que vai na contramão mundial, já que, no mesmo período, a queda foi de 16% no planeta.
Segundo Cecília Pita, o principal objetivo do Seminário sobre Gravidez Precoce de Crianças e Adolescentes, realizado nesta sexta, é entender melhor como essa política vem sendo adotada nos Estados Unidos e avaliar sua implementação no Brasil. A promoção da abstinência sexual ganhou novo fôlego por lá após a eleição do presidente Donald Trump, apesar de críticas de organizações que consideram a educação sexual e a promoção do uso de métodos anticoncepcionais como forma mais eficiente de evitar a gravidez indesejada entre jovens.
Desde 2018, a Casa Branca estabeleceu novas diretrizes para o repasse de recursos a organizações que atuam na prevenção à gravidez na adolescência, aumentando o favorecimento das que promovem a abstinência.
O ministério chefiado por Damares convidou como palestrante do seminário Mary Anne Mosack, presidente da Ascend, organização que se descreve como “líder no campo de Prevenção de Riscos Sexuais (Sexual Risk Avoidance)”. A instituição realiza cursos para qualificar educadores a incentivar os jovens a não transar. Na visão da Ascend, a contracepção deve ser entendida como um “método secundário” de prevenção.
“Acreditamos que os adolescentes precisam de informações clinicamente precisas e apropriadas à idade sobre contracepção. Mas a maneira como as informações são compartilhadas não deve normalizar o sexo entre adolescentes como um comportamento esperado e os adolescentes devem saber que a contracepção reduz, mas não elimina o risco”, explicou Mosack à BBC News Brasil.
Também falará no evento o pastor Nelson Júnior, coordenador da organização cristã Eu Escolhi Esperar, que tem como propósito “encorajar, fortalecer e orientar os solteiros cristãos a esperarem até o casamento para viverem suas experiências sexuais”.
Júnior conta que procurou Damares após a ministra defender em maio, em entrevista à BBC News Brasil, que “a abstinência fosse também um método a ser discutido em sala de aula”.
Na ocasião, ela disse que o jovem que “está tendo relação sexual precisa se prevenir e precisa ser orientado” sobre uso de preservativo. Em seguida, defendeu que “o método mais eficiente para a não gravidez não é a camisinha, não é o diu, não é o anticoncepcional, o método mais eficiente é a abstinência”.
“Por que não falar sobre isso? Por que não falar de retardar o início da relação sexual? Eu defendo essa tese”, reforçou ainda Damares.
Depois disso, Júnior propôs à ministra essa abordagem durante a Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, prevista para acontecer sempre no início de fevereiro após lei aprovada pelo Congresso em 2018 e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no início de ano.
Segundo Júnior, a proposta não é desconstruir políticas já existentes que promovem o uso de preservativos, mas apresentar a “preservação sexual” (abstinência) como mais uma alternativa para evitar a gravidez, inclusive para os que já não são mais virgens.
“O desejo da ministra quando conversou conosco, e o nosso também, é entender que precisa manter todas as políticas e ampliarmos a discussão. No Brasil, você tem quase todos (os métodos contraceptivos), mas, até mesmo por uma questão política, o único método que o governo nunca deu atenção é a preservação sexual”, crítica.
“Quanto mais cedo (o adolescente) inicia sua vida sexual, mais tempo ele fica exposto aos riscos de uma gravidez precoce e de infecções sexualmente transmissíveis. O que a gente acredita é que, mostrando que esperar também é uma opção, isso vai cooperar para que esses índices diminuam”, defende.
Júnior reclama que há muito “preconceito” contra seu movimento e afirma que a proposta é que o trabalho do governo nessa temática não tenha “viés religioso”. “Seria uma linguagem para respeitar os valores familiares e religião de cada adolescente. Nossa intenção seria só mostrar que esperar também é uma escolha”, ressalta.
“O que a gente percebe na prática é que muitos adolescentes que não têm relações sexuais na adolescência se sentem constrangidos, têm vergonha de admitir a decisão. Muitos adolescentes, principalmente meninas, acabam cedendo e iniciando sua vida sexual porque querem fazer parte de um grupo”, disse ainda, ao defender seu movimento.
Questionada sobre a nova linha proposta pela ministra Damares, a educadora sexual Lena Vilela disse à reportagem considerar positivo explicar aos jovens que transar ou não é uma escolha individual deles.
Segundo ela, o objetivo da educação sexual não é promover o sexo, mas tornar o jovem consciente dessa liberdade de escolha e também da responsabilidade que deve assumir caso decida começar a transar.
“Ninguém é obrigado a fazer sexo na adolescência. Você pode esperar. Se for uma escolha, está ótimo. Agora, se eu imponho que eu tenho que escolher esperar, já não é mais escolha, é obrigação. Tudo vai depender de qual é o discurso que vem com essa campanha. Se for um discurso de escolha, eu acho legal”, afirma.
“O importante é entender, sim, que o sexo existe, que é algo que é parte da vida e que é algo que não tem nada de ruim. Ruim é não saber lidar com ele e suas consequências”, disse ainda.
Vilela discorda, no entanto, do enfoque na abstinência como método contraceptivo. Ela lembra que as mudanças biológicas que garotas e rapazes vivenciam na adolescência aumentam o desejo sexual. Além disso, ressalta, o contexto social mais permissivo ao sexo nos dias de hoje favorece que eles tenham oportunidade de transar.
Para a educadora, ainda que outros órgãos do governo tenham ações que promovam o uso de preventivos, seria importante que a pasta comandada por Damares reforçasse essa política.
“Se as pessoas passarem a ter sexo só a partir de 18 anos, isso diminui a gravidez na adolescência. A questão é: eles vão conseguir que esses jovens não tenham sexo até os 18 anos? Eu duvido muito”, critica.
“A gente não pode negar esse contexto biológico, cognitivo e social do adolescente. É você querer ter uma expectativa que ele não vai conseguir corresponder. E se eles não forem educados para saber como lidar com essa situação, provavelmente vão fazer sexo sem se prevenir e a gravidez e a doença vão acontecer”, reforça.
A BBC News Brasil questionou os ministérios da Sáude e da Educação sobre suas políticas para redução da gravidez na adolescência. Ambos não esclareceram se preparam algo especial para a semana de prevenção, em fevereiro.
A pasta da Saúde destacou que aumentou a distribuição de preservativos em 2019, quando foram repassados aos Estados 7,3 milhões de preservativos femininos (ante 1,6 milhão em 2018) e 462 milhões de preservativos masculinos (ante 333,7 milhões no ano passado).
Em relação à pílula do dia seguinte, foram adquiridas cerca de 906 mil cartelas de levonorgestrel 0,75 mg neste ano, superando também a marca de 2018 (784 mil cartelas). Os medicamentos são repassados aos Estados e municípios para distribuição.
“Em relação ao Planejamento Familiar, usuários e profissionais da Atenção Primária à Saúde devem definir juntos, dentro dos recursos disponíveis no SUS, o que melhor se ajusta individualmente, incluindo métodos de anticoncepção”, disse ainda a pasta.
O Ministério da Saúde também lançou em novembro, ao custo de R$ 15 milhões, uma campanha na televisão e internet estimulando o uso de preservativos para evitar as Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Os vídeos estimulam os jovens a pesquisar imagens mostrando o impacto dessas doenças no organismo. “Se ver já é desagradável, imagine pegar. Sem camisinha você assume esse risco”, é a mensagem ao final.
Já o Ministério da Educação deu respostas genéricas à reportagem. Segundo a pasta, “na abordagem do tema gravidez na adolescência, o Programa Saúde na Escola promove a linha de ação ‘direito sexual e reprodutivo’, onde a promoção das ações de prevenção são prerrogativa dos municípios, que possuem autonomia para promover campanhas e ações locais”.
“No âmbito da Educação Básica, as temáticas relacionadas à saúde sexual e reprodutiva podem ser abordadas dentro do Tema Contemporâneo Transversal (TCT) da Saúde, como recomenda a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que dá autonomia às Redes de Ensino (Estaduais e Municipais) a promoção de projetos integradores, campanhas e ações intersetoriais no âmbito dos órgãos que compõem o Programa Saúde na Escola”, disse também o órgão.