Desemprego faz com que ambulantes arrisquem a vida em SP
Will, de 40 anos, protegia-se da chuva embaixo da Ponte da Casa Verde, na Marginal do Tietê, enquanto vendia água, refrigerante e pipoca para os motoristas. Molhado, ele dividia espaço com ratos, lixo e moradores de rua abrigados nos canteiros que beiram o rio, mas não se incomodava com a situação: o mais importante era lucrar no dia R$ 30.
Assim como metade dos brasileiros, a renda do vendedor está abaixo de um salário mínimo: ele ganha cerca de R$ 600 por mês, trabalhando de segunda a sexta-feira na Marginal, e complementa a renda com R$ 90 que recebe do Bolsa Família.
“Às vezes falta para comer, aí peço ajuda de instituições de caridade. Eu não vivo, apenas sobrevivo”, lamenta.
A situação de Cláudio, de 32 anos, é parecida. Vende água, pururuca e balas na via desde o início do ano, quando foi demitido do emprego. Em dias de jogo de futebol, leva a mercadoria para a porta dos estádios.
Ele consegue cerca de R$ 950 por mês, dinheiro que, somado ao salário mínimo e à cesta básica da esposa, sustenta a família.
“Comida na mesa não falta. Minha tristeza é não poder comprar roupa nova para as meninas usarem no Natal”, conta.
Will e Cláudio fazem parte de um contingente de homens e mulheres que, desempregados, trabalham entre os veículos em trechos onde há maior trânsito nas marginais dos dois principais rios da cidade (Tietê e Pinheiros). Nos últimos anos, a taxa de desemprego na região metropolitana de São Paulo subiu de 13,2%, em 2015, para 16,6% em 2018 – mesma taxa de junho de 2019 –, segundo a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED).
“De 2017 para cá, aumentou bastante o número de vendedores aqui, principalmente do fim da tarde para a noite”, conta Will.
Para o motorista Alexandre Nascimento, que trabalha há 20 anos com entregas e passa diariamente na Marginal do Tietê, o aumento também é perceptível.
“Cada vez tem mais gente. É homem, mulher, muitos jovens e também crianças.” Nascimento acredita que o maior perigo é a disputa de espaço entre ambulantes e motoqueiros. “Não há respeito entre os dois.”
Caminhoneiro desde 1994, Carlos Eduardo Greco conta que até 2016 era difícil ver vendedores nas pistas. “No passado era raro, mas a situação mudou bastante, principalmente nos últimos três anos.”
Na tentativa de regularizar a situação de trabalhadores informais, a Prefeitura criou em julho deste ano o programa Tô Legal, que desburocratiza o processo de inscrição junto ao Município para quem trabalha na rua. A expectativa da gestão Bruno Covas (PSDB) é regularizar a situação de 45 mil trabalhadores informais.
Mas, para os ambulantes que vendem comida e bebida entre os carros nas Marginais, o valor da diária cobrado é alto e inviabiliza a regularização.
Os valores variam de R$ 5,36, para trabalhar um período por dia, a R$ 10,72, dois períodos por dia, e aumentam conforme o lugar escolhido – áreas nobres e com alto movimento são mais caras, por exemplo.
Will, por exemplo, pagaria à Prefeitura pouco mais de R$ 200 dos R$ 600 que ganha no mês. “Se eu ficasse legal, teria só como pagar o aluguel. Ficaria sem água e luz, não vale a pena”, afirma.
Cláudio, por sua vez, calcula que viveria no vermelho e teria de fazer dívidas. “Para quem vive com o mínimo, qualquer centavo faz falta.”
Desde que foi criado, o Tô Legal recebeu 12,8 mil solicitações e emitiu 8,8 mil autorizações temporárias de trabalho.
Segundo a urbanista e coordenadora da Rede Nossa São Paulo, Carolina Guimarães, a presença dos ambulantes em vias perigosas e a falta de interesse deles em formalizar o trabalho são reflexos do comportamento imediatista que a pobreza e o desemprego exigem das pessoas.
“Os mais pobres não conseguem pensar em planos a longo prazo, porque precisam garantir o agora”, afirma. “Fora isso, eles não podem guardar dinheiro, porque falta no fim do mês.”