MICHAEL DALDER (REUTERS)

Desigualdade rouba 18 anos de expectativa de vida

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Uma mulher que mora em uma das áreas menos favorecidas de Santiago viverá 18 anos a menos do que outra mulher que more na mesma cidade, mas em um bairro mais abastado. A vida dessa mulher — e de muitas outras — será quase duas décadas mais curta por culpa das brutais desigualdades da capital chilena, que por esses dias protagoniza numerosas revoltas contra seu Governo com essas injustiças como principal argumento.

“Acreditávamos que no Panamá e em Santiago as diferenças iriam ser importantes porque são dois países com muita desigualdade e as grandes cidades costumam representar a desigualdade dos países”, diz Usama Bilal, “mas no caso de Santiago a magnitude do problema nos surpreendeu”. O epidemiologista espanhol, pesquisador da Universidade Drexel, é o principal autor de um estudo publicado no The Lancet Planetary Health e que pela primeira vez coloca números na desigualdade social em seis grandes cidades latino-americanas que somam mais de 50 milhões de habitantes.

“Hoje, em Santiago, há protestos e a desigualdade social está no centro desses protestos. Nós fornecemos dados às pessoas para que possam ver que é real, que existe. E que seja a sociedade a dar a resposta se essa desigualdade é socialmente aceitável”, afirma Bilal. E acrescenta: “Esses dados podem empoderar a população para que ela faça pedidos aos seus governantes”.

Em Santiago, dependendo da região da cidade, as diferenças de expectativa de vida são esses 18 anos para mulheres e nove para homens; na cidade do Panamá, de 15 anos para ambos os sexos; na Cidade do México, de 11 para homens e nove para mulheres; em Buenos Aires (Argentina) e em Belo Horizonte (Brasil) de quatro e seis; e de quatro e três em San José da Costa Rica.

“Esses resultados destacam a importância de desenvolver políticas urbanas focadas em reduzir desigualdades sociais e melhorar condições sociais e ambientais nos bairros mais pobres das cidades da América Latina”, diz Ana Diez Roux, coautora do estudo e pesquisadora principal do projeto Salurbal, que estuda como as políticas e distribuições urbanas influenciam na saúde dos latino-americanos.

“Vendo os mapas observamos padrões muito claros em alguns lugares; por exemplo, se você observa um mapa da pobreza de Santiago, é praticamente nosso mapa de expectativa de vida, mas ao contrário”, diz Bilal. “Esses padrões que aparecem nas cidades nos mostram que não é aleatória essa divisão de expectativa de vida e que esse algo determina a segregação espacial”, diz o especialista de 33 anos.

No caso de Santiago, os pesquisadores se surpreenderam com a magnitude da diferença, quase 20 anos, porque são desigualdades que costumam ser encontradas em unidades urbanas menores: no âmbito do bairro e no do distrito. Em Madri (Espanha), entretanto, há diferenças de 10 anos de expectativa de vida entre os bairros mais privilegiados e os mais desfavorecidos (somente de quatro anos entre os distritos), enquanto em Buenos Aires está por volta da metade. “Quando há poucas diferenças pode ser que as unidades urbanas sejam muito heterogêneas”, afirma Bilal, de modo que a segregação não é tão segmentada. Não podem divulgar expectativas exatas de vida associadas a bairros concretos nesse estudo por questões de confidencialidade.

Brecha educacional e econômica

Para analisar o impacto do nível socioeconômico nessas diferenças, os cientistas usaram dados do nível educacional, que lhes serviram de indicador claro dos recursos de cada segmento da população, que pode explicar grande parte dessa brecha. No caso de Santiago, a diferença em expetativa de vida entre as áreas com maiores e menores níveis de estudos pode chegar a ser de até oito anos para homens e 12 anos no caso das mulheres.

“Essa é a primeira vez que se mapeia a magnitude extrema das desigualdades em expectativa de vida em várias cidades da América Latina, e constitui um primeiro passo fundamental para poder diminuí-las e erradicá-las no futuro”, afirma o epidemiologista. Começou com seis, mas Bilal tem 2 milhões de dólares (8 milhões de reais) dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH) para estudar a saúde dos habitantes das mais de 700 cidades com mais de 100.000 habitantes dos EUA e 10 países latino-americanos.

A América Latina é uma das regiões mais desiguais do planeta, mas muitas dessas injustiças permanecem desconhecidas por falta de dados concretos que as materializem em toda sua crueza em cima da mesa. E as cidades são bons laboratórios para se estudar esses problemas sociais que prejudicam a saúde da população como a pior das epidemias. De modo que uma equipe de epidemiologistas, coordenada por Bilal, decidiu apontar o microscópio à desigualdade urbana latino-americana, onde 80% da população vive.

Esse estudo é a prova de conceito de que suas medições funcionam, por isso escolheram cidades que tiveram bons dados de grande quantidade de distritos diferentes (e bairros). Mais adiante reduzirão as dimensões dessas células mínimas de estudos a blocos menores, com dados que permitam aos pesquisadores georreferenciar as mortes e encontrar padrões e correlações mais claras.

Os pesquisadores observaram maior diferença dentro das cidades do que entre elas, como afirma Bilal: “Se compararmos entre as cidades, a desigualdade é menor do que dentro delas, por isso não costuma ser muito útil quando falamos da expectativa de vida de uma cidade inteira, menos ainda se falamos da expectativa de vida dos países”.

EL PAÍS