Dois anos depois, Reforma Trabalhista só aumentou a informalidade
Foto: Arquivo EBC
Com a implementação da “reforma” trabalhista e de outras iniciativas que mexem com o mercado de trabalho, o governo atuou no sentido de responsabilizar as pessoas por sua condição, ao mesmo tempo em que retira direitos, opina o professor José Dari Krein, coordenador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas (Cesit-Unicamp). “Você criou uma forma de culpar as pessoas. E está jogando muita gente na precariedade”, afirma o economista, apontando um “movimento estrutural” de colocar as pessoas em uma situação de insegurança e oferecer cada vez menos emprego qualificado.
Ao lado dos também professores Roberto Véras de Oliveira e Vitor Araújo Filgueiras, o pesquisador da Unicamp organizou o livro Reforma trabalhista no Brasil: promessas e realidade (Editora Curt Nimuendajú), iniciativa da Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista e da Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas, com artigos críticos sobre a Lei 13.467, de 2017, e suas consequências para o mercado. “Toda essa lógica da reforma não tem nada, do ponto de vista empírico, que tenha impacto no mercado de trabalho”, diz Krein, referindo-se a possíveis efeitos positivos. “As condições de trabalho melhoraram? O índice de formalização aumentou? A legislação está sendo cumprida? Os acidentes e as doenças estão diminuindo?”, questiona.
Ele observa que a informalidade sempre foi uma característica do mercado de trabalho brasileiro. “Claro que entre os anos 30 e 80 você teve uma redução expressiva, assalariamento com carteira, e depois um momento de desestruturação. Nos anos 2000, mas especialmente a partir de 2004 até 2014/15, com mais intensidade, se tem uma diminuição da informalidade, crescimento da formalização inclusive acima da ocupação gerada no período. A partir de 2015, a informalidade ganha nova expressão. Mesmo depois da reforma, continua crescendo fortemente.”
No livro, um dado aponta a presença de 47,4 milhões de trabalhadores formais (empregados com carteira, trabalhador doméstico registrado, militares e funcionários públicos) e 40,2 milhões de informais (empregados e trabalhadores domésticos sem carteira, trabalhadores por conta própria e trabalhadores familiares auxiliares). Em igual período deste ano, o número de formais caiu para 43,9 milhões e o de informais subiu para 43,5 milhões. No período 2012-2019, enquanto a presença de formais caiu 1,1%, a de informais cresceu 8,2%. Os dados utilizados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE. O emprego sem carteira cresceu em quase todos os setores, à exceção do de transporte.
Uma consulta à série história da Pnad mostra a transformação. No trimestre encerrado em outubro, o país tinha estimados 12,367 milhões de desempregados. Em igual período de 2012, eram 6,639 milhões, crescimento de quase 87%. Os empregados com carteira diminuíram em 1,3 milhão e os sem carteira cresceram em 650 mil. A maior expansão foi entre os trabalhadores por conta própria: 4,2 milhões a mais.
Por um lado, a informalidade é a expressão da crise, lembra o professor. “As pessoas precisam sem virar. O trabalho por conta própria cresceu. É uma estratégia de sobrevivência. É o motorista do Uber, o vendedor de rua”, cita. “Mas é também uma expressão direta da reforma: é uma sinalização para os agentes econômicos que os sistemas de fiscalização estão sofrendo deterioração”, acrescenta Krein, lembrando ainda que, com as mudanças legais, o acesso à Justiça do Trabalho ficou mais difícil.
O economista refuta a ideia de que alterações nas regras tenham o poder de permitir a criação de postos de trabalho, como os defensores da flexibilização costumam repetir. “O emprego depende do crescimento econômico. Quando há uma desestruturação do mercado de trabalho, precisa de uma retomada mais substantiva da economia”, afirma, citando ainda a importância de criação de políticas públicas sociais.
Krein chama a atenção para aspectos estruturais que atingem o mercado, como uma revolução tecnológica que elimina postos de trabalho e a presença de setores mais dinâmicos da economia com capacidade de produzir riqueza sem absorver mão de obra. Por isso, seria importante se pensar em medidas como a redução da jornada de trabalho e em projetos ambientais. “Universalizar o direito à educação e a saúde foi uma decisão política da sociedade”, lembra.
Ele também relativiza a “solução” do empreendedorismo. “Um em cada nove vai se dar bem. As pessoas vão, muitas vezes, trabalhar muito mais horas para conseguir a mesma renda. Você criou uma forma de culpar as pessoas, e está jogando muita gente na precariedade”, diz, apontando a “ideia hegemônica de submeter os indivíduos à insegurança”, fazendo com que muitos, devido à situação econômica, se submetam a qualquer tipo de trabalho. Há também o chamado desalento, a desistência das pessoas – quase 5 milhões, segundo o IBGE – de ir à busca de nova ocupação. “Procurar emprego também é um custo”, lembra o professor.
Além disso, medidas como os contratos parcial e temporário, estimuladas na “reforma”, têm impacto muito pequeno, menos de 1% dos empregos. E nem se trata de novidade: “Nos anos 90, foi feito o mesmo discurso, contrato a tempo parcial, prazo determinado. Sempre foi residual”. Criação de empregos não se dá pela regulação, reforça. “É uma estratégia de competitividade espúria, pelo rebaixamento de direitos, sem garantir nenhuma sustentabilidade.”
A pretexto de desburocratizar, o discurso governista/empresarial vai no sentido de identificar a rigidez como sinônimo de direito trabalhista e promover a flexibilização por meio da ampliação do poder da empresa. “Os dois anos de reforma mostram que os resultados anunciados não se concretizaram. Não dinamizaram a economia, não foram capazes de criar emprego, de aumentar a produtividade”, critica o pesquisador. “O que a reforma conseguiu fazer? Fragilizar os sindicatos e a Justiça do Trabalho. “Piorou muito vida das pessoas, mais sujeitas à insegurança, com jornada maior.”