Economistas contestam mudança no cálculo do PIB
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Alguns economistas estão contestando a análise divulgada pelo governo de que o Brasil entrou definitivamente em um modelo no qual o Produto Interno Bruto (PIB) é puxado pelo setor privado, e não pelo governo. A equipe econômica está usando dados do PIB pelo lado da demanda, basicamente os números do consumo do governo e uma decomposição do investimento para corroborar sua tese, mas o método foi alvo de críticas inclusive de quem é ideologicamente próximo do atual time, como o professor da UnB Roberto Ellery.
Segundo ele, o PIB pelo lado da demanda, que inclui o consumo do governo, expressa para onde a produção está indo, não o que efetivamente está sendo produzido. Uma análise mais correta, para ele, seria o governo dissecar as contas nacionais pela ótica da produção, antes de fazer tal análise. “Está se fazendo um carnaval que não diz nada, uma propaganda vazia. Não tem nada de anormal em uma contração do consumo do governo”, disse ao Valor. “Ainda é muito cedo para dizer que o modelo mudou. É muita euforia para um número deslocado”, acrescentou, embora reconheça que esteja havendo esforço de contração fiscal.
Em postagem no seu blog, o economista, que chegou a colaborar com o time econômico da campanha bolsonarista, disse estar incomodado com o argumento utilizado. “De saída o argumento implica que é a demanda que puxa o PIB, uma tese mais próxima da abordagem keynesiana do que da abordagem de Chicago, em que é a oferta que puxa a demanda”, apontou. “Um segundo problema é a confusão entre consumo do governo e tamanho do governo. Nem todo gasto do governo é consumo do governo. Por exemplo, o PIB é calculado como a soma do valor agregado e os impostos (entram apenas os impostos não incluídos no valor da produção e são excluídos os subsídios). Neste ano, o valor agregado, que corresponde a cerca de 86% do PIB, aumentou 0,9% e os impostos aumentaram 1,3%”.
Ele disse não ser novidade que o crescimento do consumo do governo seja menor que o das famílias, fato que ocorreu em 15 dos últimos 23 anos. “O atual governo tem feito um esforço considerável para implementar uma agenda de reformas que aumente o papel do setor privado na produção e no investimento. Os frutos desse esforço ainda vão demorar um bocado para aparecer. Entendo que exista uma tentação para mostrar resultados, mas é preciso tomar cuidado”, disse. “O que os números das contas nacionais mostram, quando muito, é que o governo está consumindo uma fatia menor do bolo”, afirmou.
O professor da Universidade Federal do ABC e pesquisador da FGV, Guilherme Magacho, avalia que é preciso considerar que, dentro dos dados do setor privado, há elementos públicos, como no consumo das famílias, no qual parte é feita com dinheiro de transferências (como o Bolsa Família), ou no investimento, em que concessões são feitas com dinheiro privado, mas por demanda pública.
Ele aponta ainda que a análise do governo também desconsidera as interações entre o tipo de gasto público e o desenvolvimento privado. Segundo o economista, os investimentos governamentais, por exemplo, têm impacto positivo sobre as empresas. “Se o investimento público vai para baixo e é insuficiente para compensar a depreciação dos ativos, isso eleva custos logísticos, energéticos e outros que afetam negativamente o setor privado”, comenta.
Um outro economista, que pediu anonimato, avalia que há uma postura excessivamente ideológica no estudo da Secretaria de Política Econômica. “A queda do consumo do governo significa basicamente que está havendo menor prestação de serviço em saúde e educação. Não é exatamente quanto o governo gasta, que gasta com outras coisas, como Previdência, que afeta o consumo das famílias. O governo está fazendo uma discussão ideológica e, nesses termos, inútil”, segundo ele.
O subsecretário de Política Macroeconômica do Ministério da Economia, Vladimir Teles, rebate as críticas. Ele destaca que a conta do governo é uma maneira simplificada de traduzir algo que está acontecendo a partir de uma série de medidas do governo, como a redução do gasto federal em 0,5% ao ano, e redução de crédito direcionado. “Isso significa retração do setor público”, aponta, lembrando que o PIB do lado da demanda é igual ao PIB do lado da oferta.
Segundo Teles, mais importante que a queda do “PIB do governo” seria a constatação de que houve uma “quebra estrutural” da relação entre o setor público e privado. O economista do governo destaca que, até este ano, a série apontava uma forte correlação entre o PIB público e o privado. Agora, ressalta, há uma queda no PIB do governo acompanhada de alta do setor privado. Teles acrescenta que um aumento do consumo é esperado também quando há choques de oferta, em decorrência do aumento da renda das pessoas. “Se houvesse um choque de demanda, estaríamos vendo alta da inflação”, diz ele, acrescentando que até as expectativas inflacionárias de dez anos estão em queda.