Governo não credencia Brasil para conferência do clima
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A medida inédita do governo brasileiro de não credenciar representantes da sociedade civil para a Conferência do Clima de Madrid, que começou na última segunda (2), “rompe mais uma tradição”, para o senador Randolfe Rodrigues (Rede).
A notícia lhe causou espanto já que, desde a conferência Rio-92, havia participação popular. “Sempre temos a maior das delegações. Membros da sociedade civil sempre foram credenciados independente de posição política”, disse.
O parlamentar questionou o Itamaraty sobre o motivo, mas escutou que só autoridades seriam contempladas, como informou a colunista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo. Para Randolfe, a prática “assemelha o Brasil às piores ditaduras do mundo, como as do Oriente Médio e Venezuela”.
Ele menciona, inclusive, os Estados Unidos por levar representantes da sociedade “mesmo com Trump”.
Em nota, o Itamaraty disse que “adota o mesmo padrão da grande maioria dos países, incluindo em sua delegação oficial apenas representantes do poder público”.
Acrescenta também que “a prática anterior de inclusão de representantes do setor privado, da academia e da sociedade civil fugia aos padrões da Convenção do Clima e criava inúmeros problemas organizacionais”, citando como exemplo a Conferência de Paris (COP 21), na qual a delegação brasileira teve 983 integrantes – a maioria de fora do poder público.
Para o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, a decisão do governo, apesar de negativa, não surpreende. “Não é um governo que se caracteriza por valorizar muito o diálogo com entes diferentes. Não é um governo que está aberto a críticas e recomendações. Foi uma decisão como outras que visam restringir a opinião da sociedade civil”, afirmou.
Rittl recebeu vários pedidos de apoio de diferentes organizações, já que, por ser credenciado, o Observatório do Clima pode participar das conferências sem depender da delegação. Em todos os contatos com as autoridades brasileiras, a negativa foi sistemática.
“Nunca foi uma obrigação, mas era uma concessão de cunho absolutamente democrático para que mais pessoas e organizações pudessem acompanhar, compreender o processo de negociação e expressar sua opinião e participar do rico ambiente que se cria nos corredores dessas conferências, inclusive dialogar com os próprios representantes do governo durante a mesa”, falou o secretário-executivo, que chega à Espanha na próxima sexta e se junta a membros da ONG que já estão na reunião.
Sem estande oficial para divulgar suas ações, o Brasil vai ao encontro para angariar recursos visando a preservação do meio ambiente. Entende-se que o país pode ser um dos mais afetados economicamente pelas mudanças climáticas.
Elaborar regras de negociação internacional dos créditos de carbono está entre os principais empenhos diplomáticos. Trata-se de um mecanismo que possibilita a venda do direito de emitir gases-estufa por quem comprovar a redução de suas emissões para além das metas estipuladas no Acordo de Paris.
No primeiro dia da conferência, no entanto, o que levou o Brasil aos holofotes foi uma “honraria” concedida ao país, chamada de “Fóssil do Dia”. O prêmio é uma forma encontrada por ONGs da rede Climate Action Network (CAN) para ironizar as nações cuja atuação tem dificultado o progresso das negociações sobre aquecimento global.
“Isso é decorrência da política desastrosa, do desmonte ambiental do governo que resultou na primeira vergonha na conferência”, afirmou Rodrigues, cujo discurso é corroborado por Rittl:
“É um reconhecimento dessa performance muito negativa e que é contrária aos esforços de todos que estão ali negociando soluções para enfrentamento da crise climática. É um prêmio do qual ninguém pode se orgulhar, mas se existe alguém que merece é o ministro Ricardo Salles”, disse, pontuando que Bolsonaro foi o primeiro presidente a ganhar tal prêmio antes mesmo antes de assumir seu mandato, devido a seus discursos contra o meio ambiente e às ameaças de abandonar o Acordo de Paris.
A 25ª edição da Conferência do Clima acontece na capital espanhola Madri entre os dias 2 e 13 de dezembro. Participam dela cerca de 29 mil pessoas, representantes de quase 200 países. O grande desafio do encontro é acelerar o combate às mudanças climáticas, colocando em prática o Acordo de Paris, compromisso assinado em 2015 para redução de emissão de gases-estufa a partir de 2020.
O encontro estava previsto inicialmente para Santiago, no Chile, mas foi transferido em virtude da onda de protesto que tomava o país. Com a mudança, algumas organizações e representantes brasileiros optaram por não ir à conferência por conta dos maiores gastos e da distância, sobretudo por não terem respaldo e auxílio do governo.