Loja de Flávio lavou dinheiro da Alerj
Foto: Geraldo Magela/ Agência Senado
O Ministério Público afirmou em relatório à Justiça que recursos desviados da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) podem ter sido ‘lavados’ por meio de uma franquia da Kopenhagen adquirida por Flávio Bolsonaro em 2014. Segundo a promotoria, o então deputado federal e sua esposa, Fernanda, não tinham ‘lastro financeiro’ para bancar a aquisição e operação da unidade, que teria resultado em retornos ‘absolutamente desproporcionais’ ao casal.
A acusação consta em investigação sobre o possível uso do empresário Alexandre Ferreira Dias Santini, sócio de Flávio Bolsonaro, como ‘laranja’ para acobertar o uso de repasses da Alerj para a compra da loja, a Bolsotini, no Shopping Via Parque, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Ao todo, o custo para colocar o negócio em pé ficou em R$ 1 milhão, segundo o MP.
A promotoria somou todos os rendimentos e despesas declarados de Flávio e Fernanda Bolsonaro em 2014 e aponta uma diferença negativa de R$ 69 mil. Somados com os dois primeiros meses de 2015, período em que a loja foi adquirida, o déficit nas contas do casal chega a R$ 39 mil.
A promotoria afirma que a discrepância nas receitas do casal Bolsonaro ‘não seria suficiente para cobrir sequer o sinal de aquisição da franquia, pois resulta em injustificável saldo a descoberto no ano de 2014’.
“Como Flávio e Fernanda Bolsonaro não possuíam fontes de receitas lícitas para custear sequer a metade do investimento para aquisição e operação da loja Kopenhagen, a informação de que o administrador Alexandre Santini teria dividido os custos do empreendimento pode ter sido falsamente inserida nos contratos com a finalidade de acobertar a inserção de recursos decorrentes do esquema de ‘rachadinhas’ da Alerj no patrimônio de Flávio Bolsonaro sem levantar suspeitas”, acusa o MP.
Outro ponto que chamou a atenção dos investigadores foi o fato de Fernanda Bolsonaro fazer dois depósitos em fevereiro no valor de R$ 550 mil em benefício da empresa mesmo sem ser sócia da loja.
“Apesar de não figurar nos contratos, a esposa de Flávio Bolsonaro arcou não apenas com as dívidas de seu marido, como também integralizou a parte do sócio Alexandre Ferreira Dias Santini no capital da sociedade”.
Segundo a promotoria, Fernanda Bolsonaro, sozinha, foi a única pessoa a aportar recursos próprios para formar o capital de giro da empresa.
“A figura do sócio de capital que de fato não arca com recursos próprios para a capitalização da sociedade levanta suspeitas de que Alexandre Santini possa ter atuado como laranja do casal Bolsonaro na aquisição da loja Kopenhagen a fim de camuflar a origem dos recursos investidos no empreendimento que ultrapassaram R$ 1 milhão e não seriam compatíveis com a renda do casal”, afirma.
Cruzamento de dados fiscais e bancários de Flávio e Fernanda Bolsonaro e também de Alexandre Santini mostram discrepâncias nos repasses da empresa aos sócios e no valor da sociedade. Enquanto o senador declarou ter R$ 50 mil relativos à metade da cota da Bolsotini, o contrato social da empresa registrado por Alexandre Santini na Junta Comercial mostra que o capital social da loja seria de R$ 200 mil, sendo R$ 100 mil de cada um. O valor é o dobro do que declarado pelo senador.
Vendas incompatíveis. O Ministério Público do Rio também apontou ‘quantias incomparáveis com o volume de vendas da loja’ sendo depositadas na conta da Bolsotini e repassadas a Flávio Bolsonaro e Alexandre Santini ‘travestidas de distribuição de lucros fictícios’.
Os dados foram obtidos com a administração da Via Parque Shopping, responsável pelo centro comercial onde está instalada a Bolsotini. A empresa realizou auditorias na franquia de Flávio Bolsonaro e coletou dados sobre valores máximos de receitas do empreendimento comercial entre março de 2015, quando a loja entrou em operação, até dezembro do ano passado.
No período, a diferença entre o faturamento auditado pela loja e o crédito repassado em forma de lucro para o deputado estadual e seu sócio revelados pela quebra de sigilo fiscal e bancário chegou a R$ 1,6 milhão.
Outra discrepância seria o fato da loja ter recebido R$ 1,7 milhões em depósito em espécie entre 2015 e 2018 de forma variada ao longo do tempo, sem guardar ‘proporção com o faturamento da loja proveniente de outros meios de pagamento’.
A suposta origem ilícita dos recursos, segundo o MP, decorre da ‘coincidência dos depósitos em dinheiro no mesmo período em que Fabrício Queiroz arrecadava parte dos salários do assessores da Alerj’. O ex-assessor teria ‘disponibilidade de papel moeda em quantia suficiente para efetuar os depósitos ilícitos na conta da Bolsotini’, continua a promotoria.
Na Páscoa, por exemplo, época de vendas de chocolates, os valores em dinheiro representaram entre 17% a 24% do faturamento proveniente de outras formas de pagamento, como cartões de débito, crédito e cheques. O percentual, no entanto, não apresentou variações na proporção de vendas em outras épocas do ano, quando o movimento de vendas tende a diminuir. Na verdade, até mesmo nessas épocas, o percentual foi ainda maior.
“Embora o volume de vendas na quinzena da Páscoa seja muito superior ao verificado no restante do ano, o volume de dinheiro depositado em espécie na conta da Bolsotini não variou na proporção das vendas aferidas de outros meios de pagamento”, afirma o MP. “Pelo contrário: em períodos com volumes de venda muito inferiores, houve depósitos de dinheiro em espécie em quantias ainda superiores àquelas constatadas no período da Páscoa, não somente em termos percentuais mas também absolutos”.
Retornos. A promotoria afirma ainda ser ‘absolutamente desproporcional’ a velocidade em que os repasses de lucros da Bolsotini foram destinados a Flávio Bolsonaro e a diferença dos valores pagos ao deputado estadual e os quitados ao seu sócio, Alexandre Santini.
Entre 2015 e 2018, Flávio Bolsonaro recebeu R$ 978 mil em transferências da Bolsotini a título de retiradas de lucro enquanto o seu sócio na empresa, dono de 50% da cota da Bolsotini, recebeu metade, R$ 506 mil.
Além disso, a promotoria aponta que em apenas dois meses de operação, a Bolsotini rendeu R$ 180 mil para Flávio Bolsonaro enquanto o seu sócio, Alexandre Santini, não efetuou nenhuma retirada de lucros.