Nas redes, Bolsonaro evita tema do aumento da pobreza no Brasil
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Os caminhos da economia, valores da família e citações reiteradas a Deus foram algumas das obsessões do presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais ao longo deste ano. A Amazônia também foi tema frequente, assim como o trabalho da imprensa. No outro extremo, pobreza e desigualdade foram quase imperceptíveis.
O levantamento foi feito pela plataforma de monitoramento digital Torabit a pedido do Valor. A empresa fez uma varredura nas 7.403 mensagens postadas pelo presidente no Twitter, Facebook, YouTube (neste caso, as palavras nas legendas dos vídeos foram analisadas, e não as palavras ditas nos vídeos) e Instagram da zero hora de 1º de janeiro até as 12h30 de 17 de dezembro. Só no Twitter, seu canal favorito de comunicação, Bolsonaro escreveu ou replicou um total de 3.665 mensagens – o equivalente a pouco mais de 10 mensagens por dia.
O Torabit circunscreveu sua análise a um conjunto de substantivos e nomes próprios que tratam de desafios para o país (como “economia”, “desigualdade” e “corrupção”); que tratam de assuntos aos quais Bolsonaro mostra predileção (“família”, “Deus”, “pátria”, “Forças Armadas”); e que tratam de temas que, via de regra, são encarados por ele de forma pejorativa. Por exemplo: “esquerda”. Entre esses termos, o mais repetido foi “economia”: 357 vezes. A palavra “emprego” apareceu 99 vezes em seus posts.
Bolsonaro chegou ao Planalto embalado por expectativas de retomada rápida do crescimento econômico e da criação de empregos. Conseguiu aprovar a reforma da Previdência e o ritmo de geração de postos de trabalho parece caminhar para um reaquecimento. Mesmo assim, o país deve fechar o ano com um crescimento de apenas 1%.
Fora da área econômica, a palavra campeã no rol das analisadas foi “família”, seguida por “Deus”. Foram 147 e 143 vezes, respectivamente. Dois termos muito presentes nos discursos e entrevistas de Bolsonaro e que se encaixam no perfil de um político fortemente identificado com eleitores religiosos – sobretudo evangélicos mais conservadores.
Em quarto lugar, na lista de termos avaliados pelo Torabit, vem “imprensa”. Desde que assumiu a Presidência da República, Bolsonaro fez várias críticas às reportagens sobre ele e seu governo veiculadas pelos principais veículos de comunicação do país. Muitas de suas queixas foram expressas em discursos e em entrevistas.
Mas nas redes, o tom não foi tão agressivo. Ao contrário. Pelo levantamento do Torabit, ao longo de 351 dias (de 1º de janeiro a 17 de dezembro), Bolsonaro usou em suas postagens a palavra “imprensa” 139 vezes. Em apenas 18 vezes, a palavra apareceu em um contexto negativo; em 38, num contexto positivo; e em 82, num contexto neutro, segundo a plataforma de monitoramento.
Por dez vezes, no entanto, “jornalista” foi citada pelo presidente nas redes em frases negativas; duas de forma positiva e sete num tom neutro, segundo o Torabit.
A Amazônia também ganhou destaque nas postagens de Bolsonaro. A palavra foi citada 136 vezes e o termo “meio ambiente”, 82 vezes. A forma como seu governo tratou em um primeiro momento do aumento das queimadas na Amazônia este ano – desqualificando dados científicos e até acusando ONGs ambientalistas de terem patrocinado focos de incêndio – colocou o presidente sob foco internacional, como um líder pouco afeito a abraçar a bandeira de preservação da floresta. A leitura do Torabit mostra que o contexto das citações de Bolsonaro à Amazônia e ao meio ambiente foi em sua grande maioria neutro.
Considerando não apenas a lista de palavras analisadas pelo Torabit a pedido do Valor, os cinco termos mais repetidos nas mensagens do presidente foram “Brasil” (1.773 vezes), “presidente” (1.644), “Bolsonaro” (1.072), “governo” (965) e “jairbolsonaro” (905). Mas a frequência dessas palavras não traduz exatamente preocupações de Bolsonaro. São termos que, acima de tudo, o identificam nas redes.
Para Caio Túlio Costa, CEO do Torabit, mais do que os termos muito repetidos por Bolsonaro, um aspecto que chama a atenção no levantamento são os termos pouco mencionados por ele.
O termo “desigualdade”, por exemplo, foi citado pelo presidente nas redes sociais nove vezes em 351 dias analisados; “pobre”, oito vezes; e “pobreza”, duas. São palavras que estão na base de problemas sociais do país, mas que costumam surgir com mais frequência no léxico dos partidos de esquerda – aos quais o presidente se coloca como antagonista. Na seara ambiental, o temo “mudança climática” não apareceu sequer uma vez e “clima”, apenas oito vezes. A palavra “negro” não foi citada nas redes pelo presidente.
Costa avalia que além de se comunicar diretamente com a massa de seus simpatizantes pela internet, Bolsonaro usa as redes para moldar o discurso de governo.
“O conteúdo das redes do presidente ajuda a ditar a forma como os demais integrantes do governo se posicionam”, lembra Costa. Às vezes o caminho é inverso: com posições de alguns ministros reproduzidas por ele.
Bolsonaro tem 5,6 milhões de seguidores no Twitter. No Facebook, ele é seguido por 11,4 milhões. Seu canal de YouTube tem 2,63 milhões inscritos. E no Instagram, 14,6 milhões.
Seu recorde de audiência nas mídias sociais se deu, segundo o Torabit, no Carnaval quando ele postou em sua conta no Twitter um vídeo com dois foliões em um bloco em São Paulo praticando ‘golden shower’, um fetiche sexual no qual um parceiro urina no outro. Bolsonaro comentou que era necessário expor o que chamou de “verdade” sobre os blocos de rua.Em menos 24 horas, foram mais de 4 milhões de visualizações. O post foi apagado depois da repercussão no Brasil e no exterior.
Em agosto, outro pico de visualizações enviado pelo celular do presidente para sua conta no Twitter foi quando elogiou a ação de policiais que mataram um sequestrador que ameaçava passageiros na ponte Rio-Niterói. “Hoje não chora a família de um inocente”, escreveu o presidente.
Além de mensagens que tratam de assuntos muito comentados nas redes, Jair Bolsonaro também vem usando sua popularidade na internet para demarcar sua posição político-ideológica como líder conservador e anti-esquerda. E a repetição dos termo “esquerda” (71 vezes) e “PT” (67 vezes) dão conta como o assunto entrou com frequência no seu diálogo com internautas.
As duas palavras apareceram mais até do que “pátria” (65 vezes) e “Forças Armadas” (46) – dois termos diletos do ex-capitão do Exército. A palavra “democracia” apareceu 59 vezes, segundo o levantamento do Torabit.
“PT” e “esquerda” apareceram mais também do que “corrupção” (62 vezes) e “Lava-Jato” (17). Caio Túlio Costa lembra que esses dois temas foram assíduos na campanha eleitoral de Bolsonaro e que, na comparação com outros termos, perderam relevância no conjunto de mensagens do presidente nas redes sociais.