PF tenta inventar complô do Intercept contra Lava Jato

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Daniel Marenco / Agência O Globo

No relatório de 177 páginas que indicia seis suspeitos de terem hackeado as principais autoridades do país, a Polícia Federal aponta que vai começar a investigar a possível atuação de mandante junto ao grupo criminoso. Depois de mais de seis meses de investigação, no âmbito da operação Spoofing, a PF não se convenceu da versão dos hackers, de que a vulnerabilidade no sistema Telegram foi descoberta ao acaso e que os vazamentos foram por mera vontade ideológica de Walter Delgatti, o ‘Vermelho’, suposto líder do grupo.

Por isso os investigadores começam agora, numa segunda etapa do inquérito, a se debruçar sobre a hipótese de o grupo ter sido previamente orientado a agir para obstruir a Operação Lava Jato. Em um trecho do inquérito, ao qual o ‘Estado’ teve acesso, a PF chega a destacar que “um dos objetivos dos hackers seria causar obstáculos ou embaraçar investigações que visam organizações criminosas”.

Nessa quarta-feira, 19, a Polícia Federal concluiu a primeira parte do inquérito da Operação Spoofing e apresentou, à 10ª Vara Federal em Brasília, relatório indiciando os seis investigados pelo hackeamento de dispositivos de mais de mil pessoas, entre elas autoridades como o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Justiça Sérgio Moro e os procuradores da Operação Lava Jato, inclusive Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa.

Na segunda fase da investigação, a PF quer saber se houve mandante para as invasões e se os hackers receberam dinheiro em contas no exterior pelo vazamento das mensagens.

O inquérito destaca que, dentre as vítimas dos ataques, estão autoridades públicas dos
três poderes da República e de diferentes esferas da administração, como Ministros de Estado, Senadores, Deputados Federais, Ministros da Suprema Corte, Ministros do Superior Tribunal de Justiça, Desembargadores, Juízes Federais e Estaduais, Procuradores da República, dentre os quais dois ex-Procuradores-Gerais da República, Delegados de Polícia Federal, Delegados e investigadores da Polícia Civil do Estado de São Paulo e membros do Ministério Público do Estado de São Paulo.

A PF destaca que a seleção dos alvos dos ataques indica que os autores do crime procuraram deliberadamente invadir contas do Telegram de membros do Ministério Público Federal que atuam na Força-Tarefa da Lava Jato no Estado do Paraná, divulgando para a imprensa informações sigilosas envolvendo investigações e processos criminais em curso.

Nos seis primeiros meses de investigação, a PF verificou que cada vítima pode ter sido alvo de dois tipos de ações, que poderiam ocorrer simultaneamente: extração das mensagens,
documentos e agendas de contatos armazenados no aplicativo Telegram, além do monitoramento em tempo real das mensagens que eram trocadas pelas vítimas com outros interlocutores, através da ativação de novas seções do aplicativo por meio do programa Telegram Desktop instalado no computador do “atacante”.

Por sua vez, conclui a PF, “verifica-se que a expertise inicial dos integrantes do grupo
consistia na prática de fraudes bancárias eletrônicas, a clonagem de cartões de crédito e furtos virtuais de contas bancárias”. Para a execução de tais crimes eram empregadas diversas técnicas distintas, tais como a falsificação de documentos e o extravio de cartões bancários.

Segundo a investigação, a metodologia utilizada para efetuar a invasão das contas do Telegram de autoridades públicas foi inicialmente desenvolvida justamente para a obtenção de dados de vítimas de fraudes bancárias, estelionatos virtuais e outros crimes cibernéticos, tais como gerentes de instituições financeiras e seus clientes. Apenas depois os alvos vieram a ser autoridades públicas.

Segundo a PF, os indiciados respondem por integrar organização criminosa, invasão de dispositivo informático alheio e interceptação de comunicação telemática ilegal. Dentre os investigados, Suellen Oliveira foi indiciada apenas por participação em organização criminosa e Luiz Molição somente por interceptação ilegal.

Em setembro, o ‘Estado’ apurou que a investigação sobre invasões de aplicativos de comunicação de altas autoridades da República apontava a prática de crime contra a Lei de Segurança Nacional, na modalidade de espionagem.

O grupo é suspeito de ter invadido as comunicações via Telegram de Moro e Deltan no auge da Operação Lava Jato. Diálogos atribuídos ao ex-juiz federal e ao procurador indicariam suposta combinação na condução na maior operação já deflagrada no País contra a corrupção.

A investigação prendeu em julho, Gustavo Henrique Santos, o DJ de Araraquara, sua mulher, Suellen Priscila de Oliveira e Danilo Cristiano Marques, além de Walter Delgatti Neto, apontado como o líder do grupo.

Conhecido como ‘Vermelho’, Delgatti confessou o hackeamento e afirmou ter mantido contato com o jornalista Glenn Grenwald, do site The Intercept Brasil, que tem divulgado os diálogos atribuídos a Moro, a Deltan e a outros procuradores da Lava Jato. O hacker também disse que não cobrou contrapartidas financeiras para repassar os dados.

Além dos quatro, a Spoofing investigou o estudante de direito Luiz Henrique Molição e o programador Thiago Martins, o ‘Chiclete’. Os dois foram presos na segunda fase da operação.

Estadão